O papel da mulher nas investigações sensíveis


O papel da mulher nas investigações sensíveis


Por Julia Wolff Moro e Paula Colonna

É com pesar que observamos uma tendência crescente e preocupante: o número de denúncias de assédio em ambientes corporativos está aumentando. Segundo dados do Ministério Público, somente no ano de 2023, foram registradas 8.508 denúncias de assédio moral e sexual. E é possível que esse número seja ainda maior, considerando casos não notificados.

Em uma perspectiva ainda mais ampla, estudos realizados pelo DataFolha e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública revelam que, apenas em 2022, cerca de 30 milhões de mulheres sofreram assédio sexual no Brasil2. Outra pesquisa, realizada em 2023, revela que a Petrobrás recebeu 81 denúncias de assédio ocorridas entre 2019 e 20223.

Esses números não apenas ilustram a gravidade do problema, mas também demonstram que a cultura da denúncia está prevalecendo. Além disso, reforçam a urgência em se adotarem medidas eficazes para proteger as vítimas e prevenir futuros casos. Incrementando, definitivamente, a cultura contra o assédio.

Deste modo, entrando no contexto das investigações corporativas, frequentemente iniciadas por denúncias, não há como negar que as questões de assédio sexual e moral têm ganhado cada vez mais visibilidade, conforme demonstrado anteriormente.

Historicamente presentes, os relatos desses dois tipos de assédio refletem tanto a maior conscientização sobre o tema quanto os desafios persistentes. Nesta oportunidade, focaremos no papel da investigadora mulher nas investigações sobre assédio, que são sempre muito sensíveis. Acredita-se que o número de vítimas sempre tenha sido alto, mas somente agora a mulher possui meios robustos e seguros de denunciar, e esses canais devem ser valorizados pela empresa.

Pode não haver unanimidade entre as opiniões, mas se calcula que as mulheres são cinco vezes mais afetadas nesse tipo de situação no ambiente corporativo, tanto como vítima do assédio, quanto após a denúncia4. Assim, o primeiro ponto chave que abordaremos é a delicadeza do assunto, que jamais pode ser subestimada. Isso se deve ao temor, à vergonha e à insegurança que muitas vítimas, especialmente mulheres, enfrentam ao denunciar. Tais sentimentos são exacerbados pelos riscos de retaliação, tanto que a opção pelo anonimato em muitas denúncias evidencia esse medo de represálias, reforçando a importância de tratarmos esse assunto com a máxima seriedade.

As investigações corporativas emergem como ferramentas fundamentais nesse cenário, desempenhando um papel vital não apenas na resolução de conflitos, mas também na prevenção de atos contrários aos valores da empresa.

Os investigadores são essenciais para apurar e averiguar fatos, dialogar com envolvidos e compreender as dinâmicas organizacionais, visando sempre os seguintes objetivos: o bem-estar coletivo e a integridade corporativa. Não obstante, possuir empatia pelo sentimento da vítima e por possíveis traumas ajuda no desenvolvimento da investigação, principalmente das entrevistas.

Nesse sentido, embora não se deva generalizar, reflexões e dados indicam que mulheres se sentem mais à vontade para reportar incidentes de assédio quando atendidas por investigadoras. Tal preferência, observada também fora do ambiente corporativo, sugere a necessidade de adaptarmos as práticas internas para acolher e validar as experiências das vítimas de maneira mais efetiva.

Não é novidade que mulheres que sofrem assédio ou violência se sentem desrespeitadas por parte dos homens que as atendem. Isso porque o modo de abordagem, o olhar e o tom de voz utilizado tornam o ambiente – que deveria ser acolhedor – em intimidador e até amedrontador. Muitas mulheres se sentem envergonhadas de denunciarem justamente pelo medo das atitudes dos investigadores.

Dito isso, é vital reconhecer o papel insubstituível das investigadoras mulheres em casos de assédio, dada a possibilidade de compreensão e empatia que podem oferecer às vítimas. Isso não diminui a importância dos investigadores homens, nem sugere uma generalização sobre a capacidade de ambos os gêneros em conduzir investigações sérias e respeitosas. Contudo, enfatiza-se a contribuição única que as mulheres podem trazer para o tratamento de questões sensíveis a outras mulheres, promovendo um ambiente mais seguro e confiável para o relato de experiências traumáticas.

A reflexão sugerida no presente artigo não possui como objetivo, de forma alguma, diminuir o papel de homens investigadores. Apenas sugere e reconhece a importância de incorporar uma abordagem mais inclusiva nas investigações corporativas, valorizando a presença e as habilidades únicas das investigadoras mulheres em contextos específicos. É uma forma inteligente de agir por parte do Compliance, ao alocar da melhor maneira os profissionais para cada demanda. Nestes casos sensíveis, em específico, funciona de forma mais efetiva que a investigação seja feita por outra mulher.

Também importa ressaltar que, diante de investigações sensíveis, além de a condução ser feita por mulheres, é prudente a contratação de um time externo para que seja possível manter imparcialidade, autonomia e independência. Isso não implica uma falta de capacidade do time interno, mas reconhece que a existência de conflitos, impasses e vazamento de informações são riscos que podem ser mitigados com a atuação de um grupo externo. Mais um motivo relevante e que pontua a favor do time externo nestes casos sensíveis é que advogados especialistas garantem o sigilo profissional. Tal medida impede que terceiros e o sistema judiciário demandem acesso a detalhes do caso, assegurando, assim, uma maior proteção às informações tratadas.

Essa inclusão visa à criação de um ambiente onde todas as vítimas se sintam verdadeiramente seguras e respeitadas ao compartilhar suas experiências, contribuindo para uma cultura organizacional de integridade e respeito mútuo.

Assim, reconhecer a singularidade da contribuição de cada profissional, independentemente do gênero, fortalece a capacidade das organizações de lidar com questões sensíveis de forma mais eficaz e humana.