Nova regulamentação dos Fundos de Investimento: novas possibilidades de investimentos, mais flexibilidade, transparência e parametrização de ativos digitais e “produtos verdes”


Nova regulamentação dos Fundos de Investimento: novas possibilidades de investimentos, mais flexibilidade, transparência e parametrização de ativos digitais e “produtos verdes”


Modernização da regulação dos fundos de investimento no Brasil. Essa é a promessa da nova Resolução da CVM 175, que entra em vigor no dia 2 de outubro de 2023, já alterada pela Resolução 187. O objetivo é destravar obstáculos para o avanço da indústria de fundos e aproximar o país de mercados internacionais. 

Para o mercado, a nova regulação permitiu maior flexibilidade e competitividade:

  • Os fundos, incluindo aqueles destinados aos investidores de varejo, poderão investir até 100% do patrimônio líquido no exterior, desde que cumpram requisitos adicionais;
  • Dois mecanismos de gestão de liquidez foram introduzidos para trazer maior liquidez para as carteiras: o side pocket permite dividir a carteira entre ativos líquidos e ilíquidos; e a barreira aos resgates (gate) define regras para determinados períodos de resgate;
  • Os FIDCs (Fundos de Investimento em Direitos Creditórios) poderão ser comercializados para o público do varejo (antes apenas para investidores profissionais e qualificados);
  • Ativos digitais, como criptoativos, e ativos financeiros são equiparados, desde que negociadas em exchanges autorizadas no Brasil ou no exterior, com limite de 10% do patrimônio líquido em fundos voltados ao varejo;
  • Também houve a equiparação de créditos de carbono e CBIO (créditos de descarbonização) a ativos financeiros.

Do ponto de vista jurídico-societário, uma das principais mudanças foi a criação de estrutura multiclasses. A criação das “classes” e “subclasses” de fundos de investimento, que proporciona segmentar o patrimônio dos cotistas dentro de uma única classe, permite que as gestoras não precisem criar veículos separados para diferentes plataformas. 

Esta mudança pode afetar a forma como as operações de M&A são estruturadas e avaliadas, uma vez que diferentes classes de cotistas podem ter interesses e impactos concorrenciais diferentes. Além disso, a existência de classes e subclasses permite que a gestora ajuste a estrutura do fundo de acordo com as necessidades dos investidores e do mercado. Isso pode tornar a negociação de uma transação de M&A mais flexível, uma vez que as partes envolvidas podem ter a capacidade de adaptar a estrutura do fundo para atender aos requisitos da transação ou determinar como certos ativos e passivos de cada classe serão alocados durante a transação.

Outro impacto importante da estrutura multiclasses foi a permissão de declaração de insolvência e responsabilidade limitada de determinadas classes, que reduz a exposição e mitiga risco para cotistas de demais classes de fundo.

A nova resolução também traz novidades sobre a responsabilidade dos prestadores de serviços essenciais. Gestor e administrador agora dividem essa responsabilidade.

Relacionado à responsabilização dos prestadores de serviços essenciais e em linha com as práticas mais modernas de regulação internacional, a nova resolução exigiu maior transparência na divulgação de informações para os cotistas, notadamente em relação a remuneração, exigindo que as taxas de administração, gestão e máxima de distribuição sejam indicadas separadamente. Ou seja, não se trata apenas de dar transparência na informação, mas da melhor forma de divulgação para melhor entendimento, o que pode afetar as negociações de preços e as expectativas de retorno sobre o investimento.

Também na linha da transparência, os fundos com propósito ESG passam a ter requisitos próprios de identificação, visando maior parametrização e prevenção ao ESG-washing1, bem como favorecendo a comparabilidade na análise de riscos. Não há definição do que seriam produtos “verdes” ou “sociais”, mas a CVM introduziu parâmetros mais descritivos para evitar o simples uso da sigla ESG para carimbar um produto como “verde”. 

Agora, o regulamento do fundo cuja denominação contenha referência a fatores ambientais, sociais e de governança, tais como “ESG”, “ASG”, “ambiental”, “verde”, “social”, “sustentável” ou quaisquer outros termos correlatos às finanças sustentáveis, deve estabelecer: (i) quais os benefícios ambientais, sociais ou de governança esperados e como a política de investimento busca originá-los; (ii) quais metodologias, princípios ou diretrizes são seguidas para a qualificação do fundo ou da classe; (iii) qual a entidade responsável por certificar ou emitir parecer de segunda opinião sobre a qualificação, se houver, bem como informações sobre a sua independência em relação ao fundo; e (iv) especificação sobre a forma, o conteúdo e a periodicidade de divulgação de relatório sobre os resultados ambientais, sociais e de governança alcançados pela política de investimento no período, assim como a identificação do agente responsável pela elaboração do relatório. 

Chamou atenção que a norma fixou que caso a política de investimento integre fatores ambientais, sociais e de governança às atividades relacionadas à gestão da carteira, mas não busque originar benefícios socioambientais, fica vedada a utilização dos termos ESG, devendo o regulamento dispor acerca da integração dos referidos fatores à política de investimento.

O Anexo C da Resolução CVM nº 160 que dispõe sobre prospecto em ofertas públicas de distribuição primária ou secundária de valores mobiliários também foi alterado pela nova regulamentação dos fundos para incluir que se o título ofertado for qualificado pelo emissor como “verde”, “social”, “sustentável” ou termos correlatos, a emissora deve informar: a) quais metodologias, princípios ou diretrizes foram seguidos para a oferta; b) qual a entidade responsável pela averiguação acima citada e tipo de avaliação envolvida; c) obrigações que a oferta impõe quanto à persecução de objetivos “verdes”, “sociais”, “sustentáveis” ou termos correlatos, informando metodologias, princípios ou diretrizes; d) especificação sobre a forma, a periodicidade e a entidade responsável pelo reporte acerca do cumprimento de obrigações impostas pela oferta quanto à persecução de objetivos “verdes”, “sociais”, “sustentáveis” ou termos correlatos, conforme a metodologia, princípios ou diretrizes.

Ademais, a nova norma introduziu a possibilidade do regulamento do fundo destinar parcela da taxa de administração ou gestão para doações para entidades sem fins lucrativos, a serem efetuadas diretamente pelo fundo, para uso em programas, projetos e finalidades de interesse público, desde que as referidas entidades possuam demonstrações contábeis anualmente auditadas por auditor independente registrado na CVM, estimulando o engajamento real do propósito do fundo “verde” ou “social”.

Dada a assimetria de informações, a regulamentação desses produtos digitais e “verdes” tende a trazer mais segurança para os investidores, inclusive quanto a titularidade, existência e propósito destes. 

Portanto, o regulador está alinhado e atento com as práticas e tendências internacionais e com o mercado, integrando ações que visam mais competitividade e performance de mercado, mas com responsabilização e segurança. 

A nossa equipe de Consultoria Societária está atenta e à disposição para maiores esclarecimentos sobre a nova regulamentação e seus impactos.

Ana Paula Terra é sócia da área de M&A em Belo Horizonte e contou com a contribuição da advogada Ana Luiza de Deus Mendonça e do estagiário Gabriel Santiago Carneiro Figueiredo*

Referências:

1 ESG-washing é a adoção de práticas superficiais de sustentabilidade, responsabilidade social e governança apenas para melhorar a imagem pública da empresa.