Neste mês de maio de 2024 entrou em vigor a Lei Estadual nº 24.755/2024, que acrescentou o artigo 2º-A, na Lei Estadual nº 21.735/2015.
Esta última legislação dispõe sobre a constituição de crédito estadual não tributário, fixa critérios para sua atualização, regula seu parcelamento e institui remissão e anistia, e dá outra providência.
A alteração em questão inclui expressamente na legislação mineira a prescrição intercorrente e acena para a pacificação de intensa divergência jurisprudencial no âmbito do Tribunal de Justiça Estadual.
A prescrição intercorrente é, basicamente, a perda do direito de agir pela inércia do seu exercício no curso de um procedimento.
Nos termos da nova lei, impõe-se o arquivamento dos autos do processo administrativo quando este se mantenha paralisado ou pendente de julgamento por mais de 5 (cinco) anos seguidos por exclusiva inércia da administração pública.
Confira-se:
“Art.
2º-A – Após a notificação do interessado acerca da lavratura de auto de
fiscalização ou de infração ou de outro documento que importe o valor do
crédito não tributário, deverá ser reconhecida a prescrição intercorrente, de
ofício ou a requerimento, desde que o processo administrativo se mantenha
paralisado ou pendente de julgamento por mais de cinco anos seguidos por
exclusiva inércia da administração pública.
Parágrafo único – Reconhecida a prescrição intercorrente de que trata o caput, a administração pública deverá proceder ao arquivamento dos autos.”
A inexistência de regulamentação expressa da incidência da prescrição intercorrente no processo administrativo que discuta a constituição de crédito estadual não tributário resultava forte divergência no âmbito do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais em relação a matéria.
É possível verificar dois posicionamentos distintos, ainda que bem fundamentados pelos Desembargadores Mineiros.
Provocados a enfrentar a incidência da prescrição intercorrente, como um auto de infração ambiental, por exemplo, foi possível verificar divergência de entendimentos [1] dentro da 7ª Câmara Cível do TJMG no seguinte sentido: Consoante assentado no bojo do REsp 1.115.078/RS, afetado como representativo da controvérsia, o parágrafo primeiro, do artigo 1º, da Lei nº 9.873/1999, que regulamenta o instituto da prescrição intercorrente, não se aplica aos processos administrativos em trâmite no âmbito municipal e estadual, já que a referida lei limita-se ao plano federal. Na ausência de norma que regulamente a questão no âmbito dos processos administrativos estaduais, deve ser rejeitada a tese de ocorrência de prescrição intercorrente.
Em
sentido oposto: “Na ausência de regulamentação específica, no âmbito do
Estado de Minas Gerais acerca da prescrição intercorrente da pretensão punitiva
do ente público, decorrente de infração ambiental, adota-se, por analogia, o
prazo de cinco anos previsto no Decreto nº 20.910/32, aplicável às pretensões
em face da Fazenda Pública. Há prescrição intercorrente da pretensão punitiva
quando o procedimento de apuração do auto de infração ambiental fica
paralisado, injustificadamente, por período superior a cinco anos.”
Abaixo, a ementa do referido julgado:
“EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO ANULATÓRIA - AUTO DE INFRAÇÃO AMBIENTAL - MULTA AMBIENTAL - PROCESSO ADMINISTRATIVO - PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE - IMPOSSIBILIDADE - AUSÊNCIA DE REGULAMENTAÇÃO NO ÂMBITO ESTADUAL - RESP nº 1.115.078/RS. - Consoante assentado no bojo do REsp 1.115.078/RS, afetado como representativo da controvérsia, o parágrafo primeiro, do artigo 1º, da Lei nº 9.873/1999, que regulamenta o instituto da prescrição intercorrente, não se aplica aos processos administrativos em trâmite no âmbito municipal e estadual, já que a referida lei limita-se ao plano federal. - De igual sorte, dada a especificidade do instituto da prescrição intercorrente em nosso sistema, não é possível invocar o disposto no artigo 1º, do Decreto 20.910/1932 para suprir a omissão legislativa, já que este diz respeito à prescrição do direito de ação. - Na ausência de norma que regulamente a questão no âmbito dos processos administrativos estaduais, deve ser rejeitada a tese de ocorrência de prescrição intercorrente.
V.v:
APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO ANULATÓRIA - AUTO DE INFRAÇÃO AMBIENTAL - PRESCRIÇÃO
INTERCORRENTE - PROCESSO ADMINISTRATIVO - PARALISAÇÃO - PRAZO QUINQUENAL -
DECRETO Nº 20.910/32.- Na ausência de regulamentação específica, no âmbito do
Estado de Minas Gerais acerca da prescrição intercorrente da pretensão punitiva
do ente público, decorrente de infração ambiental, adota-se, por analogia, o
prazo de cinco anos previsto no Decreto nº 20.910/32, aplicável às pretensões
em face da Fazenda Pública.
- Há
prescrição intercorrente da pretensão punitiva quando o procedimento de
apuração do auto de infração ambiental fica paralisado, injustificadamente, por
período superior a cinco anos. (TJMG - Apelação Cível 1.0000.22.016818-1/002,
Relator(a): Des.(a) Magid Nauef Láuar (JD Convocado), 7ª CÂMARA CÍVEL,
julgamento em 27/02/2024, publicação da súmula em 01/03/2024)
É
possível ainda verificar dissidência recente de entendimentos [2] dentro
da mesma Câmara, como por exemplo, na 19ª Câmara Cível do TJMG, in verbis:
EMENTA:
APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO ANULATÓRIA - CRÉDITO NÃO TRIBUTÁRIO - MULTA AMBIENTAL -
PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE DO PROCESSO ADMINISTRATIVO - INOCORRÊNCIA - AUSÊNCIA
DE PREVISÃO LEGAL - JUROS DE MORA - TERMO INICIAL - NOTIFICAÇÃO DA DECISÃO
ADMINISTRATIVA DEFINITIVA.
1. Os
processos administrativos dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios não
são regidos pelo art. 1º, §1º, da Lei Federal n° 9.873/99, uma vez que esse
dispositivo se limita a estabelecer o prazo prescricional de três anos no
âmbito da Administração Pública Federal direta e indireta.
2. O prazo
previsto no art. 1º do Decreto n° 20.9010/1932 não é aplicável às hipóteses de
prescrição intercorrente do processo administrativo, porquanto não é possível
conferir interpretação extensiva às regras concernentes à prescrição.
Precedentes.
3. O termo
inicial dos juros de mora incidentes sobre a multa aplicada por infração
ambiental corresponde à data da notificação da decisão administrativa
definitiva, nos termos do art. 48 do Decreto Estadual n° 44.844/2008.
V.V - "A regra de prescritibilidade no Direito brasileiro é exigência dos princípios da segurança jurídica e do devido processo legal, o qual, em seu sentido material, deve garantir efetiva e real proteção contra o exercício do arbítrio, com a imposição de restrições substanciais ao poder do Estado em relação à liberdade e à propriedade individuais, entre as quais a impossibilidade de permanência infinita do poder persecutório do Estado" (STF, RE 636886, julgado em 20/04/2020).- Inobstante a ausência de norma específica no âmbito estadual, se constatado que o processo administrativo para imposição de multa ambiental ficou paralisado por mais de cinco anos, deve ser reconhecida a prescrição com fulcro na Lei Federal 9.784/99, sobretudo diante da relevância da matéria ambiental, do dever de decidir da Administração, e porque não se pode admitir que o sujeito passivo permaneça indefinidamente à mercê da atuação estatal, o que gera, inevitavelmente, grande insegurança jurídica. (TJMG - Apelação Cível n. 1.0000.23.182854-2/001, Relator(a): Des.(a) Versiani Penna, 19ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 08/02/2024, publicação da súmula em 16/02/2024).
[1] Apelação Cível n.
1.0000.23.182854-2/001, Relator: Des. Versiani Penna, 19ª CÂMARA CÍVEL,
julgamento em 08/02/2024, publicação da súmula em 16/02/2024).
[2] Apelação Cível 1.0000.22.016818-1/002, Relator: Des. Magid Nauef Láuar (JD Convocado), 7ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 27/02/2024, publicação da súmula em 01/03/2024.