No Brasil, crime tributário dá cadeia?


No Brasil, crime tributário dá cadeia?


Por Caroline Martinez Moura

Os crimes tributários estão previstos em diversos diplomas legais, sendo o principal deles a Lei nº 8.137/1990, que, mais especificamente no capítulo I, define os crimes contra a ordem tributária.

Além da mencionada lei, há delitos da mesma natureza tipificados no artigo 168–A (apropriação indébita previdenciária), no artigo 334, caput (descaminho) e no artigo 337-A (sonegação de contribuição previdenciária), todos do Código Penal.

Tais crimes classificam-se em crimes materiais (crimes de resultado) e crimes formais (crimes de mera conduta) e, independentemente do tipo, para sua caracterização a fraude é elemento essencial. 

A lei prevê penas de multa e de reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, para os crimes materiais e, para os formais, as penas são de multa e detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos. Todavia, a lei assegura o direito ao regime aberto e, se em regime semiaberto, o direito à suspensão condicional da pena ou sua substituição por serviços à comunidade, salvo se a pena for superior a quatro anos, o que costuma ser muito raro.

Nos casos dos crimes materiais, deve-se demonstrar que a fraude teve a finalidade de suprimir (deixar de pagar) ou reduzir (pagar a menos) o pagamento de tributos; no caso dos crimes formais, basta a demonstração da fraude, mesmo que não tenha resultado em supressão e/ou redução de tributo. 

O Supremo Tribunal Federal vem proferindo uma série de decisões relacionadas a tais delitos, cujo conjunto, uma vez sintetizado, permite inferir a existência de um referencial norteador relativo ao tema. 

Embora as penas de reclusão e/ou detenção estejam previstas na lei penal, a Lei nº 9.249/95, de natureza essencialmente tributária (trata do Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas e da Contribuição Social sobre o Lucro), estabelece que o pagamento do tributo antes do recebimento da denúncia leva à extinção da punibilidade.

No mesmo sentido, a Lei nº 10.684/03 (também tributária, vez que dispõe sobre parcelamento de débitos junto à Secretaria da Receita Federal e à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional) estabelece que o parcelamento do débito fiscal suspende a pretensão punitiva estatal, ou seja, enquanto o contribuinte estiver cumprindo com o parcelamento não poderá ser processado, muito menos condenado, criminalmente, sendo extinta a punibilidade assim que concluir os pagamentos. 

Em termos procedimentais, o “crime tributário” só se caracteriza com a ocorrência do fato típico, que, por sua vez, tem início com o lançamento fiscal e subsequente processo administrativo fiscal. Ao fim desse trâmite, o Ministério Público poderá ser oficiado – o que é feito através da "representação fiscal para fins penais" – para investigar a existência (ou não) de crime contra a ordem tributária. 

A necessidade de se aguardar o desfecho do processo administrativo fiscal, para só depois iniciar as etapas relativas ao “crime tributário”, foi objeto de longa discussão no Poder Judiciário – as autoridades fiscais pretendiam já seguir com a instauração de inquérito criminal logo após constatarem a “fraude” e sem oportunizar a defesa do contribuinte (que, em tese, pode demonstrar a não-existência da alegada “fraude”).

O embate foi finalizado no Supremo Tribunal Federal em favor dos contribuintes, sob o entendimento de que o início dos procedimentos penais (inquérito e denúncia) antes do encerramento do procedimento administrativo fiscal (e do consequente lançamento definitivo do crédito tributário) caracteriza vício processual que não permite correção. 

O próprio Código Tributário Nacional prevê que o lançamento tributário (ato administrativo que “faz nascer” o crédito tributário) pode ser alterado após a notificação e possível defesa do contribuinte, quando se instaura o processo administrativo tributário e, apenas ao final deste, é que o lançamento se torna definitivo para fins de cobrança.

Dessa forma, não aguardar o término da discussão na esfera administrativa seria um retrocesso à segurança jurídica e ao próprio direito de defesa do contribuinte, pois, diante da gravidade em responder por uma ação penal (há seríssimas consequências desse cenário), é comum que o contribuinte se sinta coagido e opte por pagar o débito, para requerer a devolução em momento posterior, procedimento extremamente custoso e demorado.

Está consolidado, portanto, o entendimento a respeito do momento em que a investigação por crimes tributários pode se iniciar, com raras exceções. 

Outro aspecto importante no aspecto penal-tributário é o chamado “princípio da consunção” (ou da absorção), pelo qual, sempre que uma conduta (que, por si só, configuraria um crime) for considerada “preparatória” para a prática de outro crime, aquela primeira conduta considera-se “absorvida” pela segunda. Ou seja, o tipo penal mais abrangente (“crime-fim”) absorve o menor (“crime-meio”).

Exemplificando: o STF tem decidido que o crime de falsidade (material ou ideológica), quando utilizado como “instrumento” para a prática do crime de sonegação fiscal, deve ser absorvido por este, desaparecendo o concurso de crimes (quando há mais de um crime decorrente da mesma conduta.

A Suprema Corte tem aplicado, também, o “princípio da insignificância” para eliminar o crime tributário nas hipóteses em que a própria Administração Pública dispensa os atos de cobrança (Execução Fiscal) do tributo “sonegado”, pelo valor ser ínfimo. 

Enfim, em linhas gerais, o crime tributário tem similitudes com os crimes em geral, mas suas peculiaridades são relevantes e exigem uma análise multidisciplinar. É o único caminho seguro para responder à indagação que consta no título deste texto.