Por Eleonora Quadros, Natália Meirelles e Carolina Alves Dias de Souza
O agronegócio tem tido um crescimento acelerado nos últimos 20 anos: ainda em 2022, o PIB agrícola atingiu a marca de US$ 500 bilhões, contra US$ 122 bilhões apurado em 2002, e representou, em 2023, cerca de 30% do crescimento do PIB brasileiro total¹. Este crescimento também se deve a políticas públicas e privadas desenvolvidas para este fim, bem como à solidez apresentada por este mercado.
Não raro se veem anúncios de linhas de crédito especiais para o agronegócio, políticas públicas visando ao incentivo e isenções fiscais para o setor, como é o caso do Plano Safra, do Pronaf (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar) e do Pronamp (Programa Nacional de Apoio ao Médio Produtor Rural).
A despeito do longo período de importância do setor para a economia brasileira, a diversificação das formas de financiamento das produções agrícolas é relativamente recente. Os recursos advindos dos empréstimos e financiamentos convencionais se tornaram, ao longo dos anos, menos capazes de atender ao mercado do agronegócio brasileiro, abrindo espaço para a busca de fontes alternativas de captação de recursos e um esforço para fomentar o crédito privado no setor.
Esforço este que resultou a edição da Lei 13.986/2020 (“Lei do Agro”), que aprimorou mecanismos de crédito já consolidados, como a Cédula de Produto Rural (“CPR”), e criou títulos de crédito e garantias para facilitar a captação de recursos, como Fundo Garantidor Solidário (“FGS”), Patrimônio Rural em Afetação (“PRA”) e Cédula Imobiliária Rural. O conjunto de medidas foi, posteriormente, aperfeiçoado com a edição da Lei 14.421/2022 (“Lei do Agro 2”), que ampliou o alcance das CPRs e alterou as regras concernentes às garantias do agronegócio. Ademais, mais de 13 anos após a criação do instrumento, a partir da Lei 11.076/2004, os Certificados de Recebíveis do Agronegócio (“CRA”) passaram a dispor de marco regulatório próprio, com a edição da Instrução CVM 600/2018, posteriormente revogada pela Resolução CVM 60/2021.
A diversidade de medidas público e privadas, acima mencionada, foi essencial para que as formas de financiamento tradicionais fossem dando lugar a mecanismos mais sofisticados no mercado do agro. O CRA, por exemplo, é um título de renda fixa lastreado em recebíveis do agronegócio. Nestas operações estruturadas, as sociedades do agro cedem recebíveis originados de negócios entre produtores rurais ou cooperativas e terceiros, para uma securitizadora, que emitirá o CRA e o disponibilizará ao mercado de capitais. Assim, o setor consegue antecipar valores que tem a receber, por taxas consideravelmente menores quando comparadas ao financiamento tradicionalmente ofertado.
Observa-se um crescimento importante na captação de recursos pelas ofertas de CRA que, conforme dados divulgados pela ANBIMA, saltaram de um total de R$ 6.673 milhões em 2018, para R$ 43.124 milhões em 2023². A expectativa de retorno dos investidores, apesar dos riscos climáticos inerentes à atividade, é pautada nas safras, sendo tal critério relativamente estável e com risco mitigado quando comparado com outros investimentos.
Não há como falar das alternativas de financiamento para o agronegócio sem mencionar o Fundo de Investimento em Cadeias Agroindustriais (“Fiagro”), fundo composto por ativos de investimento do agro, sejam de natureza imobiliária rural ou de atividades relacionadas à produção do setor, podendo se estruturar como FIDC, FIP e FII. O Fiagro foi criado pela Lei 14.130/2021 e, apesar dos poucos anos desde a criação, movimentou cerca de R$ 8.805 milhões em 2023³. Os players do agro recebem investimento por meio da aquisição dos ativos pelo Fiagro e, em contrapartida, os investidores recebem os rendimentos gerados pelos ativos.
Importante mencionar que as alternativas de financiamento da atividade do agronegócio, como CRA e Fiagro, não são ferramentas exclusivas para uso de grandes corporações do setor, os pequenos produtores rurais também podem se valer de tais mecanismos. As ações de disseminação de informação destas formas de financiamento têm sido bastante direcionadas para este último grupo, os pequenos produtores e para grupos familiares.
O agro enfrentava barreiras de acesso ao mercado de capitais, especialmente pela ausência de uma maior robustez administrativa. Tais barreiras refletiam efeito nas duas pontas: (i) aos olhos do mercado poderia não ser considerado um investimento atrativo e seguro e (ii) para os próprios beneficiários do financiamento, que não exploravam a possibilidade de financiamentos alternativos, fosse por ausência de conhecimento, fosse por considerar que, pela sofisticação, seria algo distante da realidade. Cenário este que vem mudando com a modernização do setor e investimentos na profissionalização e eficiência almejados e cobrados pelo mercado financeiro.
Vê-se um efeito cascata, quanto mais o agronegócio investe em modernização da atividade, gestão financeira e administrativa, tecnologia e aplicação das melhores práticas do mercado, mais o mercado financeiro se abre a esses players, oferecendo oportunidades de financiamento e, mais, olhares são atraídos às possibilidades no mercado de fusões e aquisições do país (“M&A”).
Desde 2015, registrou-se uma média de 30 operações de M&A no período de janeiro a agosto. Já em 2023, a marca para análise do mesmo período, fora de 56 operações registradas?. O número de operações quase dobrou em comparação com os últimos anos, evidenciando que o investimento direto no setor do agronegócio tem atraído a atenção.
Dentre as operações realizadas no período 2023 / 2024, destacam-se as aquisições realizadas pelo Pátria Investimentos, líder na América Latina no setor, especialmente a aquisição do controle acionário da TMF Fertilizantes, companhia especialista em fertilidade e produtividade para o solo, operação na qual o Azevedo Sette Advogados atuou como assessor jurídico da companhia e dos sócios originais da target.
Outro protagonista no setor do agronegócio são as agfintechs, sociedades especializadas que buscam a convergência entre agronegócio e tecnologia, ao criar e oferecer mecanismos mais ágeis e inteligentes de financiar os agricultores e pecuaristas. Considerando este segmento, no ano de 2023, houve significativa atividade de captação de recursos, com destaque para o investimento realizado pela XP, no valor de R$ 300 milhões, na Superbac, uma companhia brasileira de desenvolvimento de soluções utilizando bactérias para otimizar processos de produção no agronegócio.
Não obstante o protagonismo que o agronegócio possui na economia brasileira e as importantes operações implementadas em 2023, o setor ainda representa apenas 7% do mercado de M&A?, mas a expectativa é de que o mercado de M&A apresente, no curto prazo, um salto semelhante ao salto que mecanismos financeiros especializados no agronegócio tiveram. Isso porque uma maior adesão do mercado desperta os olhares para investimento diretos ou de dívidas conversíveis.
Não há dúvidas, portanto, quanto à relevância do agronegócio para a economia mundial e a posição estratégica do Brasil neste cenário atrai e deverá atrair ainda mais a atenção do mercado de capitais e de investimento para o setor. O que se espera é que as produções rurais se profissionalizem ainda mais, contando com apoio jurídico e financeiro para estruturarem operações.
Referências:
[2] e [3] Boletim Mercado de Capitais Anbima Fev/2024