Extensão ou Recarregamento de Alienações Fiduciárias e Hipotecas


Extensão ou Recarregamento de Alienações Fiduciárias e Hipotecas


Por Alessandra Lima Ganz e Lorena de Medeiros 

O Marco Legal das Garantias (Lei 14.711/2023) trouxe uma série de alterações para os regramentos das garantias imobiliárias em geral, objetivando atualizar e dinamizar os procedimentos, envolvendo principalmente a hipoteca e a alienação fiduciária.

Neste artigo, trataremos do tema do recarregamento da garantia real, uma nova possibilidade para facilitação, do ponto de vista registral, da formalização e atualização das hipotecas e alienações fiduciárias realizadas entre as mesmas partes, aproveitando-se de um imóvel que já havia sido oferecido em garantia.

Vale frisar que, em razão de sua recentíssima edição (30/10/2023), ainda não há orientação específica dos Tribunais para os Cartórios (nem decisões a respeito), nem mesmo os próprios Cartórios de Registro de Imóveis sabem como enfrentar os temas novos.

Diferença macro entre hipoteca e alienação fiduciária

Antes de adentrar no conceito do recarregamento da garantia real, é importante diferenciar, de forma geral, as hipotecas e as alienações fiduciárias imobiliárias.

À luz dos artigos 1.473 a 1.505 do Código Civil, a hipoteca é a garantia real por meio da qual o devedor disponibiliza, como garantia de uma determinada obrigação, um bem imóvel que será gravado em favor do credor. Nesta modalidade, a propriedade do bem continua com o devedor, que poderá perde-la em caso de inadimplência, após excussão judicial da garantia.

No caso da alienação fiduciária, introduzida no nosso sistema pela Lei 9.514/97, o proprietário do imóvel e devedor (chamado de devedor fiduciante), transfere ao credor a propriedade resolúvel do imóvel, em caráter fiduciário, isto é, em confiança, temporariamente. Uma vez paga a dívida, a propriedade plena volta ao devedor. Porém, caso o devedor não pague a dívida, a propriedade plena consolida-se no credor fiduciário, bastando procedimentos extrajudiciais para tanto.

Por sua praticidade, a alienação fiduciária tornou-se preferível à hipoteca, sendo amplamente utilizada especialmente pela maior agilidade no momento de sua execução. Contudo, com o advento do Marco Legal das Garantias, existe a possibilidade de a hipoteca ser revitalizada, tendo em vista as novas dinâmicas apresentadas.

Definição e características do recarregamento das garantias imobiliárias

O Marco Legal das Garantias, por meio de modificações ao art. 1.487-A, do Código Civil, artigos 9º-A a 9º-D, da Lei da Alienação Fiduciária (nº 9.514/1997), e no item “33” do inciso II, do art. 167 da Lei de Registros Públicos (nº 6.015/1973), inovou ao trazer o conceito do recarregamento da garantia real.

Tomando por base o direito francês¹, o recarregamento, também chamado de extensão, compartilhamento, objetiva a formalização mais ágil e compacta de novas operações de crédito, aproveitando as mesmas partes e o mesmo imóvel envolvido em operação anterior². 

Metaforicamente e em linhas gerais, o recarregamento seria como um refill de refrigerante: só se pode recarregar até a capacidade máxima do copo. Isso porque a Lei deixa claro que há de respeitar o prazo e o valor previstos no registro para a dívida originária. A extensão não pode alterar esses dados. A ideia é que a nova obrigação irá ‘preencher’ o tempo e o valor não ocupados pela dívida originária (art. 1.487-A, §§ 1º, 2º e 3º, Código Civil; e art. 9º-B, § 4º, da Lei 13.476/2017).

Ou seja, por meio do recarregamento da garantia real, a hipoteca ou a alienação fiduciária de imóveis em garantia podem ser estendidas para garantir novas obrigações contraídas pelo mesmo credor (art. 1.487-A, caput, Código Civil; e art. 9º-A, inciso I, Lei 9.514/1997).

Por exemplo, temos um imóvel hipotecado para garantir o Empréstimo 1, no valor de R$ 1 milhão, a ser pago em 30 anos. Suponha que já foram pagos 20 anos, sendo o saldo devedor da dívida R$ 100 mil. Nesse caso, surgindo o interesse em contratar o Empréstimo 2, com o mesmo credor, o devedor poderá fazer o refill da hipoteca, desde que seja respeitado o prazo faltante de 10 anos e o valor total de R$ 1 milhão (disponível R$ 900 mil). Em outras palavras, o prazo de pagamento do Empréstimo 2 deve estar dentro dos 10 anos faltantes, assim como o imóvel será destinado a garantir apenas R$ 1 milhão no todo, para os dois Empréstimos – sendo que o Empréstimo 1 terá prioridade em ser satisfeito no caso de pagamento regular.

Antes, para que se pudesse renovar qualquer garantia sobre imóveis, as partes precisavam fazer um registro de uma hipoteca de segundo grau, ou mesmo enfrentar verdadeira dificuldade para tornar eficaz uma alienação fiduciária de segundo grau (cuja viabilidade jurídica era duvidosa e discutível). 

Contudo, vale dizer que essa extensão da garantia não funciona como a alteração do limite garantido (que a nosso ver continua ainda a ser configurada como uma novação da obrigação, passível de segunda garantia ou garantia substitutiva).

Da formalização do título para recarregamento da garantia real

A formalização do recarregamento segue a regra já existente: no caso da alienação fiduciária, pode ser feita através de instrumento particular, sem necessidade de reconhecimento de firma (art. 9º-B, §§ 2º e 3º, Lei 13.476/2017); no caso de hipoteca, é necessária escritura pública, para valor superior a 30 salários mínimos (art. 108, Código Civil, e art. 221, II, Lei de Registros Públicos).

Em qualquer dos formatos, o documento deverá conter as seguintes informações³: 

(i) o valor principal da nova operação de crédito, 

(ii) a taxa de juros e os encargos incidentes, 

(iii) o prazo e as condições de reposição do empréstimo ou do crédito do credor fiduciário, 

(iv) cláusula com previsão de que o inadimplemento e ausência de purgação da mora de que tratam os arts. 26 e 26-A da Lei 9.514/97, em relação a quaisquer das operações de crédito, faculta ao credor fiduciário considerar vencidas antecipadamente as demais operações de crédito garantidas pela mesma AFG, hipótese em que será exigível a totalidade da dívida para todos os efeitos legais – ‘cross default’ e 

(v) os demais requisitos previstos no art. 24 da Lei 9.514/97.

Outrossim, necessário esclarecer que o recarregamento deverá respeitar o prazo e o valor previstos no registro para a dívida originária. A extensão não pode alterar esses dados. A ideia é que a nova obrigação irá ‘preencher’ o tempo e o valor não (mais) ocupados pela dívida originária (art. 1.487-A, §§ 1º, 2º e 3º, Código Civil; e art. 9º-B, § 4º, Lei 13.476/2017).

Considerações finais

Como explorado neste artigo, o recarregamento ou extensão das garantias reais é uma novidade que veio para facilitar a vida das pessoas em geral, bem como das instituições financeiras e oficiais de Registros de Imóveis. Diante da possibilidade de expandir e utilizar hipotecas e alienações fiduciárias imobiliárias já constituídas em novas transações, reduzem-se os custos e a burocracia, possibilitando um incentivo adicional ao mercado imobiliário.

Contudo, como exposto, em razão de sua recente inserção no sistema jurídico brasileiro, ainda não há orientação específica nas Normas da Corregedoria dos estados, não havendo diretrizes sobre como os Oficiais de Registros de Imóveis irão agir especificamente.

Neste momento, devemos acompanhar a recepção do instituto e observar o seu desenrolar na prática, não deixando de notar as oportunidades que ele apresenta para o mercado.

² OLIVEIRA. Carlos E. Elias de. Lei das Garantias (Lei 14.711/2023): Uma Análise Detalhada. Artigo publicado na Coluna Migalhas Notariais e Registrais. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/coluna/migalhas-notariais-e-registrais.
³ DESVENDANDO O MARCO LEGAL DAS GARANTIAS – ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA DE BEM IMÓVEL EM GARANTIA. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/arquivos/2023/12/0A759CA455090F_ApresentacaoIvana.pdf.