Entenda o posicionamento do STF sobre a retomada, sem a necessidade de processo judicial, de imóvel financiado gravado por alienação fiduciária


Entenda o posicionamento do STF sobre a retomada, sem a necessidade de processo judicial, de imóvel financiado gravado por alienação fiduciária


No dia 26/10/2023, o Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria (8 a 2)¹ para declarar constitucional a execução extrajudicial nos contratos firmados por meio do Sistema Financeiro Imobiliário (SFI), gravados com alienação fiduciária de imóvel, nos termos da Lei 9.514/97. 

O posicionamento adotado pela Suprema Corte do país causou bastante repercussão na mídia especializada e no cenário jurídico. 

  • O que é alienação fiduciária? 

A alienação fiduciária é uma operação que gera um direito real de garantia sobre bens imóveis ou móveis. A alienação fiduciária é uma modalidade antiga, regulada no Código Civil de 2002, mas com previsão na legislação desde a década de 60, bem como na Lei 9.514/97, que trata especificamente da alienação fiduciária de coisa imóvel, cuja constitucionalidade foi analisada pelo STF.

Segundo a doutrina:

Como negócio jurídico bilateral, perfaz-se a alienação fiduciária quando o credor fiduciário adquire a propriedade resolúvel e a posse indireta de bem móvel (excepcionalmente de imóvel), em garantia de financiamento efetuado pelo devedor alienante - que se mantém na posse direta da coisa -, resolvendo-se o direito do credor fiduciário com o posterior adimplemento da dívida garantida.

O objetivo da propriedade fiduciária e garantir uma obrigação assumida pelo alienante em prol do adquirente. O credor fiduciário converte-se automaticamente em proprietário, tendo no valor do bem dado em garantia o eventual numerário para satisfazer-se na hipótese de inadimplemento do débito pelo devedor fiduciante.² 

Em outras palavras, um bem é alienado fiduciariamente para um credor, o Credor Fiduciário. 

O devedor é chamado de Devedor Fiduciante. O Devedor toma recursos, adquire um bem e este é alienado / transferido para a propriedade do Credor. 

O Devedor entrega o bem ao Credor na fidúcia, ou seja, na confiança de que, realizados os pagamentos, terá o bem de volta. 

Com a operação de alienação fiduciária, o Credor passa a ser o proprietário do bem enquanto durar a transação. Isto é: o Credor passa a ter a propriedade fiduciária do bem e a posse indireta sobre ele, ao passo que o Devedor fica com a posse direta da coisa.

O Credor assume a obrigação de não alienar a coisa, enquanto o Devedor contrai a obrigação de pagar a dívida nos termos acordados, sendo responsável ainda pelos encargos, tributos, taxas condominiais, conservação e demais ônus e deveres que recaiam sobre aquele bem, mesmo não sendo o seu respectivo proprietário. 

  • O que acontece em caso de inadimplência?

Parte das consequências e o procedimento para quitação forçada do débito estão previstas nos artigos 26 a 33, da Lei 9.514/97.

Basicamente e de maneira bem objetiva, tem-se que, vencida e não paga a dívida, o Devedor será constituído em mora pelo Credor, consolidando a propriedade do imóvel em nome do Credor Fiduciário (art. 26, da Lei 9.514/97).

Em seguida, a pedido do Credor, será intimado o Devedor pelo oficial do Registro de Imóveis, a pagar, no prazo de quinze dias, a prestação vencida e as que se vencerem até a data do pagamento, os juros e os demais encargos contratuais, legais, tributos, as contribuições condominiais imputáveis ao imóvel, além das despesas de cobrança e de intimação cartorárias. 

Caso o Devedor não purgue a mora (quite a dívida), o Credor realizará leilão público para a alienação do imóvel e quitação dos débitos, tudo isso sem a necessidade de acionar o Poder Judiciário. 

  • Qual a discussão jurídica e constitucional no âmbito do STF?

Como demonstrado, o procedimento instituído pela Lei 9.514/97 autoriza a quitação da dívida sem a participação imediata do Poder Judiciário. Diante disso, várias foram as ações ajuizadas por devedores questionando a constitucionalidade desta legislação, alegando afronta aos direitos da ampla defesa e à proteção constitucional do direito fundamental à moradia.

Entendendo que a discussão é relevante, o STF afetou o julgamento do Recurso Extraordinário (RE n.º 860.631) interposto por um devedor que questionou a constitucionalidade da dinâmica prevista na Lei 9.514/97 quanto à satisfação do crédito.

Segundo aquele devedor, a execução extrajudicial assegurada pela legislação específica permitiria uma espécie de autotutela, posto que, sem a participação do Poder Judiciário, estariam sendo infringidos os princípios constitucionais do contraditório, da ampla defesa, da inafastabilidade da jurisdição e do devido processo legal. 

  • Qual o entendimento dos Ministros que compuseram o julgamento?

Para o Relator, Ministro Luiz Fux, “o tema apreciado veicula questão não apenas economicamente relevante, mas que também envolve aspectos sociais de alta monta.” Para tanto, também destacou em seu voto o parecer econômico da Federação Brasileira de Bancos - FEBRABAN:

Ao reduzir tanto o custo quanto a incerteza da possibilidade de obtenção das garantias imobiliárias, a alienação fiduciária permitiu uma verdadeira revolução no mercado de crédito imobiliário brasileiro. De 2007 até 2017, o volume de crédito imobiliário cresceu de forma expressiva, saltando do patamar de 2% do PIB para um valor próximo de 10% do PIB. Esse movimento, ao levar ao aumento da demanda por imóveis, permitiu o desenvolvimento do setor de construção civil, que gerou mais de um milhão de vagas de trabalho entre 2007 e 2013, beneficiando especialmente os trabalhadores menos qualificados.

(...)

Essas observações confirmam a teoria econômica ao mostrar que a qualidade das garantias está diretamente ligada ao volume e ao preço (taxa de juros) do crédito ofertado pelas instituições financeiras. Além disso, o comportamento do mercado de crédito mostra que os credores também respondem aos incentivos que são colocados pelas regras do jogo: quanto mais rápida a retomada da garantia, maior o esforço para se manter adimplente.

Quanto ao mérito, destacou que a execução extrajudicial prevista na Lei nº 9.514/1997 não afasta e não obsta o controle judicial, ao passo que o devedor pode se valer do Poder Judiciário para proteger seus direitos. 

Ou seja, se porventura os juros e encargos são cobrados de forma distinta do contratado, o Devedor pode ingressar em juízo para discutir a regularidade da cobrança. De igual maneira, pode o Devedor acionar o Poder Judiciário para questionar eventual violação da Lei 9.514/1997 pelo Credor, acaso, por exemplo, não tenha sido obedecida a regra estipulada para alienação do bem ou, mesmo, não tenha sido oportunizada a purga da mora em seu favor; dentre várias outras hipóteses. 

Acompanhando o voto do Relator, o ministro Luís Roberto Barroso assinalou que a previsão legal diminui o custo do crédito e a demanda a um Poder Judiciário já sobrecarregado³.

Por outro lado, divergiram do Relator o ministro Edson Fachin e a ministra Cármen Lúcia. Para Fachin, o procedimento de execução extrajudicial, além de afrontar os princípios do devido processo legal e da ampla defesa, não seria compatível com a proteção do direito à moradia (4).

Finalizado o julgamento pelo Plenário do STJ, foi fixada a seguinte tese: “É constitucional o procedimento da Lei nº 9.514/1997 para a execução extrajudicial da cláusula de alienação fiduciária em garantia, haja vista sua compatibilidade com as garantias processuais previstas na Constituição Federal”.

Assim, independente do posicionamento individual adotado por um ou outro Ministro, espera-se que o julgamento da matéria promova segurança jurídica, notadamente nas relações contratuais com a instituição da alienação fiduciária de coisa imóvel.

¹ Entenderam pela Constitucionalidade da legislação o Ministro Luiz Fux (Relator), Luís Roberto Barroso, André Mendonça, Cristiano Zanin, Dias Toffoli, Nunes Marques, Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes. Divergiram da maioria a Ministra Carmem Lúcia e o Ministro Edson Fachin. 

² FARIAS, Cristiano Chaves; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil n.º 5 - Reais. 11ª ed. São Paulo: Atlas, 2015, p. 458.

³ https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=517240&ori=1

(4) https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=517240&ori=1