“Do lixo ao lucro” | Parte I - Economia Circular como caminho estratégico para o setor produtivo


“Do lixo ao lucro” | Parte I - Economia Circular como caminho estratégico para o setor produtivo


Por Bruna Fiche Ferreira Meirelles, Marina Silva Correa, Nathália Valadares Ferreira, Svetlana Maria de Miranda 

A incorporação de práticas de sustentabilidade ambiental, inclusão social e de governança no ambiente corporativo representam princípios basilares do ordenamento jurídico brasileiro, que finca como preceitos a defesa do meio ambiente, a livre iniciativa e respeito às desigualdades/igualdades entre os cidadãos. No ensejo, as empresas brasileiras já demonstram uma visão extra e ultra ao atendimento da legislação, através da inserção e adoção de ações de relevância nessa seara, seja por atitudes voluntárias ou por influência de stakeholders

Percebe-se que já existe uma cultura consolidada que as impede de “cair na tentação” de fazer apenas o óbvio permitido em lei, sem ir além disso. As companhias que dependem de capital externo sabem que, se não adotarem práticas condizentes com as demandas dos stakeholders, podem ter muitas perdas “de rating de investidores, de posição em rankings, de preços de ações”. 

Nesse contexto, a eficiência na gestão de resíduos ganhou, de uma vez por todas, espaço na visão estratégica das empresas, dentro de um modelo econômico de desenvolvimento sustentável. Diante dos desafios enfrentados para a redução de quantidades exorbitantes de resíduos originados do processo produtivo (dos mais diversos setores), foi necessário pensar em projetos inovadores para a otimização da produção e consumo (e por que não a reciclagem e o reaproveitamento?). 

Uma das soluções encontradas para enfrentar esse desafio é por meio de um modelo econômico circular capaz de conjugar o desenvolvimento econômico sustentável, que preserva recursos naturais, potencializa a produção, reduz os impactos pelo acúmulo de resíduos e pela utilização de estoques finitos, seguindo um ciclo renovável. 

Com a evolução tecnológica e alterações/inovações nas demandas de mercado, o que era considerado “resíduo” em um determinado momento do ciclo produtivo ou em uma determinada época, poderá vir a ser considerado como “insumo” ou “subproduto”. 

Nessa lógica, o setor produtivo tem se esforçado e adotado uma postura ambientalmente coerente com as políticas públicas e seus preceitos, mudando paradigmas de forma a superar o modelo atual e incorporar as estratégias ambientais em suas agendas. O tema da vez é Economia Circular! 

Dentre os mecanismos de gestão dos resíduos previstos na Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei n. 12.305/2010), a “logística reversa” é o “instrumento de desenvolvimento econômico e social caracterizado por um conjunto de ações, procedimentos e meios destinados a viabilizar a coleta e a restituição dos resíduos sólidos ao setor empresarial, para reaproveitamento, em seu ciclo ou em outros ciclos produtivos, ou outra destinação final ambientalmente adequada”. 

Assim, a logística reversa constitui-se como um importante instrumento de redução nos custos, uma vez que possibilita a reutilização e o consumo dos resíduos advindos do processo produtivo na operação industrial, gerando novas oportunidades. Por meio da reciclagem, os produtos industriais, depois de consumidos e descartados, retornam à cadeia produtiva. Esse fluxo logístico é uma das propostas da Economia Circular. 

Logo, a ideia da Economia Circular é, justamente, o uso de resíduos no processo produtivo como insumos ou subprodutos, de modo que apenas sejam descartados, de forma ambientalmente adequada, aqueles resíduos que, de fato e até o presente momento, não podem ser reintegrados à cadeia produtiva.  

Consequentemente, além da redução nos custos, haverá o reaproveitamento e reciclagem dos materiais, redução de desperdícios, maior geração de valor, novas oportunidades para investimentos e desenvolvimento de novas tecnologias, com o fomento reiterado em pesquisas nos meios acadêmicos, em busca de soluções técnico-científicas, ambiental e economicamente sustentáveis. 

Um case de sucesso nessa vertente com traços da Economia Circular é a utilização de “insumos circulares”, assim compreendidos como insumos/produtos/resíduos que podem ser ou foram reciclados e, posteriormente, reaproveitados nos próximos ciclos produtivos, aumentando sua longevidade e reduzindo a dependência dos recursos não renováveis. Um grande exemplo a ser citado é a empresa Nexa Resources1, que investe, constantemente, em projetos de inovação, colaboração e tecnologia para otimização de suas operações, crescimento da empresa e redução de custos. De igual forma, a loja Farm Rio adota o modelo de moda responsável e circular e transforma os tecidos de sobras da produção ou peças com defeitos em novas coleções de roupas2

Nessa seara, as perguntas imediatas que se fazem são: como, afinal, a Economia Circular é utilizada enquanto modelo de negócio pelo setor produtivo? Existem fórmulas mágicas e já pré-definidas que possam ser adotadas de forma indiscriminada de frente de produção? 

O primeiro passo para a transição da lógica linear para a circular consiste em analisar as oportunidades de inovação nos modelos de negócios das empresas, possibilitando a criação de melhores processos, produtos e serviços, e expandindo a proposição de valor, capturando valores perdidos por todas as partes interessadas durante todo o ciclo de vida do produto. 

Logo, há diversas formas de se implementar esse mecanismo e que dependem, por óbvio, de uma decisão estratégica da empresa, a partir do entendimento ou da redefinição de seu papel perante a sociedade como um todo. Os benefícios e retornos são facilmente identificados. Contudo, como se verá de forma brevemente discorrida, diversos também são os desafios3 a serem enfrentados à sua efetiva implementação. 

Dentre os benefícios, podemos citar (i) a melhora factível no desempenho financeiro do negócio por meio da implementação de ações mais conscientes na gestão, evitando desperdícios e garantindo um melhor aproveitamento de recursos; (ii) imagem positiva da marca e fidelização do consumidor4; (iii) confiança do investidor5; e (iv) maior engajamento dos colaboradores que buscam, conforme pesquisas setoriais recentes, não só salários adequados, mas também ambientes de trabalho e empregadores que tenham um propósito maior junto à comunidade e ao meio ambiente. 

Diante do exposto, percebe-se que a implementação das medidas vinculadas à economia circular de matéria prima e bens de valor econômico representa uma verdadeira mudança de paradigma nas relações corporativas entre investidores, comunidades, poder público e empresas e, por isso, tem sido considerada como parte da estratégia financeira de muitas organizações, que proporcionarão destaques no mercado e a expansão de novos negócios ou nichos de mercado, bem como a agregação de valor em inúmeros ciclos produtivos, diminuindo a dependência da utilização de recursos naturais não renováveis.

Bibliografia:

NASA Global Climate Change. Causes. 2022. Disponível em: . Acesso em: 05/03/2023. 

Ellen MacArthur Foundation. What is the circular economy? A Guide to Getting Started. 2021. Disponível em: . Acesso em: 05/03/2023 

Gonçalves, R., Ferreira, F., & Costa, L.. Economia circular: conceitos e desafios. Cadernos de Prospecção, 12(1), 1-18. 2019. 

Economia circular: entenda o que é, suas características e benefícios. Disponível em: . Acesso em: 05/03/2023. 

Brasil. Lei nº 12.305, de 2 de agosto de 2010. Institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos e dá outras providências. Disponível em: . Acesso em: 05/03/2023. 

Economia circular: oportunidades e desafios para a indústria brasileira. Confederação Nacional da Indústria. Brasília: CNI, 2018. 

Referências:

1 Informações obtidas do site institucional https://www.nexaresources.com/esg/inovacao/

2 Informações obtidas do site institucional https://adoro.farmrio.com.br/moda/circularidade-na-farm/

3 “Do lixo ao lucro” Parte II - Economia Circular como um novo modelo econômico, sua confluência com as práticas de ESG e seus desafios. 

4 Um estudo publicado pela “First Insight[3]” no início do ano de 2020, constatou que a geração Z, nascida entre os anos de 1995 e 2010, toma suas decisões de compra baseadas em práticas sustentáveis, ou seja, calcadas nos padrões ESG. A pesquisa ainda apontou que 62% dos participantes dessa geração preferem comprar de marcas sustentáveis e 73% esperam que os varejistas e empresas se tornem mais conscientes. Com isso, além de garantir a fidelidade do consumidor, tem-se o acesso a novos mercados e às novas demandas de novos nichos de mercado, diversificando produtos. 

5 As instituições financeiras acompanhando o movimento já começaram a adotar linhas de crédito, programas de financiamento e redução de juros para empresas que adotam práticas sustentáveis, ultra e extra solicitadas pelos órgãos ambientais, como é o caso de Banco Santander, BNDES e Banco Mundial. Um caso famoso noticiado nos últimos meses foi o da mineradora Sigma, que conseguiu um financiamento de US$ 45 milhões com o banco Société Générale, para o seu projeto de lítio, tendo boas condições sido obtidas em virtude da adoção das práticas ESG pela companhia, como por exemplo “Green Mining” e “Local Community”.