Destravando licitações nas concessões de saneamento


Destravando licitações nas concessões de saneamento


Por Bruno Vianna Espirito Santo e Nathalia Borges Machado Azevedo Leitão 

Seguidamente, licitações para a outorga de concessões de serviços de saneamento são revogadas, anuladas ou questionadas perante o Poder Judiciário e/ou os Tribunais de Contas. Pretende-se, aqui, discorrer sobre alguns entraves verificados em casos concretos e como superá-los. 

Durante o Painel de Referência “Implementação do novo Marco do Saneamento”, realizado em 12/05/2022, o Tribunal de Contas da União (TCU) afirmou ver indícios de atraso na implementação de medidas voltadas ao atingimento das metas de universalização dos serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário previstas pela Lei Federal nº 14.026/2020 (“Novo Marco do Saneamento Básico”). As declarações dadas pelo representante da Secretaria de Infraestrutura Urbana do TCU demonstram haver preocupação do órgão com o atingimento das metas e, ainda, com uma possível frustração nas expectativas do setor e menor adesão dos atores envolvidos na modelagem e prestação dos serviços em questão. 

Como se sabe, desde a publicação do Novo Marco do Saneamento Básico, ocorrida em 15 de julho de 2020, o setor de saneamento assumiu uma posição de protagonismo na temática da infraestrutura, recebendo grande atenção da mídia, dos órgãos de controle, e dos agentes públicos e privados envolvidos na elaboração e implementação de projetos. Isso porque a obrigação de universalização dos serviços de saneamento a toda a população até o ano de 2033 demanda uma gigantesca aplicação de investimentos no setor em um horizonte temporal relativamente curto. Além disso, o julgamento das Ações Diretas de Inconstitucionalidade nº 6.492, 6.536, 6.882 e 6.583 pelo Supremo Tribunal Federal teve o condão de pacificar os principais temas controvertidos da nova lei, conferindo maior segurança jurídica para a implementação dos projetos necessários e para a realização de investimentos privados no setor. 

Diante desse cenário, tem-se verificado um considerável aumento de licitações para concessão dos serviços de saneamento básico em diversos municípios do país, que buscam no modelo concessório a captação de investimentos privados capazes de fazer frente às necessidades locais. Essa acentuada promoção de licitações pode ser observada tanto em cidades de grande porte e regiões metropolitanas – geralmente em projetos com estruturação coordenada pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social - BNDES e promovidos no âmbito do Programa de Parcerias e Investimentos da Presidência da República (PPI) – quanto em municípios pequenos e distantes das capitais de seus Estados, comumente em projetos com menor vulto e que tendem a passar debaixo do radar da mídia e do público em geral. Possivelmente em razão da pouca atenção dedicada a tais projetos, tem-se percebido a frequente publicação de editais com baixa qualidade, eivados de inconsistências, omissões, obscuridades e até mesmo ilegalidades. 

Um caso típico desse tipo de entrave é a exigência da apresentação de propostas técnicas por parte dos licitantes. E ele é autoimposto. 

Destaca-se que a legalidade de tal exigência é, no mínimo, passível de questionamento, uma vez que, segundo o disposto no artigo 46 da Lei Federal nº 8.666/93, a utilização de propostas técnicas como critérios de julgamento deve se dar exclusivamente para serviços de natureza predominantemente intelectual . Em que pese a complexidade inerente a qualquer atividade de infraestrutura, é forçoso reconhecer que, ainda que existam aspectos de cunho intelectual, claramente não são preponderantes como o seriam, por exemplo, na concessão de uma usina nuclear ou num sistema de telefonia de última geração. 

Chama a atenção, ainda, o fato de que os recentes projetos de grande vulto (dotados de maior complexidade técnica-operacional e cuja execução afetará, sem sombra de dúvidas, uma parcela consideravelmente maior da população) não exigirem a apresentação de nenhum tipo de proposta técnica dos licitantes. Exemplo disso são os editais de concorrência publicados pela Companhia Riograndense de Saneamento (CORSAN), pela Companhia de Saneamento de Alagoas (CASAL), pelo Estado do Rio de Janeiro (CEDAE) e pelo Estado do Amapá . Nos editais em questão, verifica-se que o critério de julgamento se dá apenas pela apresentação de proposta econômica, tendo o Poder Concedente assumido toda a responsabilidade pela elaboração do projeto técnico operacional do sistema de saneamento. 

Além da possível ilegalidade, verifica-se que os critérios de julgamento fixados para a avaliação das propostas técnicas nas concessões promovidas por municípios menores, frequentemente, apresentam chavões de aspecto técnico, mas cheios de subjetividade, carecendo de qualquer tipo de parâmetro objetivo para a seleção das propostas. Exemplo disso é o uso recorrente de termos como “satisfatório” e “completo” para classificar as propostas técnicas apresentadas pelos licitantes, sem indicação precisa de quais elementos uma proposta deveria conter para ser considerada como tal.  

Esses fatores acabam culminando, com preocupante frequência, na suspensão dos certames pelo Poder Judiciário ou pelos Tribunais de Contas, o que, de forma contraproducente, apenas faz agravar a situação da população que ainda não possui acesso aos serviços de saneamento básico. Além disso, essas suspensões ainda acabam gerando sérios prejuízos ao erário, nas ocasiões em que os municípios são forçados a assumir, emergencialmente, os serviços ou, ainda, ou resultam na perpetuação de uma situação irregular em que empresas estatais de saneamento continuam prestando os serviços mesmo após o encerramento da vigência dos instrumentos de delegação (contratos de concessão ou de programa). 

O que se conclui é que, ironicamente, a modelagem precipitada desses projetos de concessão, desprovida de estudos e reflexões mais aprofundadas, acaba por atrasar a sua implementação, em razão dos constantes adiamentos e republicações. Essa conjuntura acaba, ainda, dificultando e atrasando o atingimento das metas instituídas pelo marco do saneamento, o que resulta no encarecimento da implementação de projetos essenciais à universalização dos serviços. A consequência imediata disso é o risco de se criar um sentimento público contrário aos projetos e, consequentemente, maior insegurança jurídica aos potenciais licitantes e aos governos locais.

Ressalta-se, por fim, que o sucesso na provisão dos serviços nessas localidades constitui elemento chave para o atingimento das metas de universalização instituídas pelo Novo Marco do Saneamento Básico. Isso porque, por se tratarem de municípios de pequeno porte e distantes dos grandes centros econômicos, tais localidades representam parte considerável das áreas com sistemas precários – tanto do ponto de vista jurídico quanto qualitativo – situação que a nova lei visa solucionar. Conclui-se, portanto, pela patente necessidade de reorientação dos editais publicados por cidades de pequeno porte, para que o atingimento das metas de universalização não seja comprometido por desajustes como o exemplificado acima. 

A equipe de Infraestrutura do Azevedo Sette Advogados está à disposição para prestar demais esclarecimentos sobre o tema.