Arbitragem e a Cláusula de Earn-out em M&A


Arbitragem e a Cláusula de Earn-out em M&A


Por Stéphannye de Pinho Arcanjo, Eduarda Teixeira Martins e Deborah Avelar Freitas

No contexto prático das operações de M&A, um dos pontos focais de discussão entre as partes está no preço de aquisição da sociedade-alvo, o qual tende a gerar diversos impasses e até mesmo levar ao fim das tratativas. Isto porque o vendedor tende a entender que o ativo vale mais do que o comprador, o que, inclusive, é explicado pela teoria da economia comportamental. É nesse cenário que surgem os mecanismos contratuais que aproximam as expectativas das partes, viabilizando não só a conclusão das transações, mas também o seu sucesso, como a cláusula de earn-out

Ocorre que, mesmo agindo como um mecanismo de solução de tal impasse entre as partes, a cláusula de earn-out pode vir a gerar conflitos no futuro, e é nesse cenário que a arbitragem se mostra como instrumento ideal para a resolução do conflito, tendo em vista sua flexibilidade em se adequar às necessidades e vontades das partes. 

De modo geral, o earn-out, também conhecido como “cláusula de determinação contingente de preço”, estabelece que parte do montante estipulado no contrato de compra e venda ficará condicionado ao atingimento de determinadas metas pela empresa negociada. 

Conforme define a professora Judith Martins-Costa “O Earn-out é uma forma de pagamento para o qual parcela do preço de determinado bem é remetida para o futuro, estando sujeita em sua existência e determinação a certas condições previamente estabelecidas pelas partes contratantes, em regra ao cumprimento de metas empresariais e financeiras futuras e predefinidas”. 

Assim, a adoção do referido mecanismo pode ser motivada por diferentes fatores, a fim de alinhar as expectativas das partes quanto ao preço de venda, adotando, na negociação, dados objetivos acerca da perspectiva de crescimento da empresa, exatamente por condicionar parte do preço de aquisição à performance desta.   

O mecanismo de Earn-out é, muitas vezes, utilizado para aproximar as diferentes visões em relação à avaliação da empresa e à projeção de sua performance para o futuro. Isso porque, para se chegar ao closing da operação de M&A, é necessário que o valor atenda às expectativas tanto do vendedor, que projeta uma rentabilidade futura otimista dos negócios, quanto do comprador, que tem em vista os históricos financeiros passados. 

Logo, se as expectativas do vendedor quanto à rentabilidade futura da sociedade se concretizarem, consequentemente as metas estipuladas na cláusula de earn-out serão satisfeitas e ele fará jus ao valor total acordado. Esse cenário, em regra, representa uma situação win-win para as partes, por evidenciar que o comprador adquiriu uma empresa com perspectiva de crescimento. 

Além disso, a cláusula de earn-out desempenha um importante papel na alocação de riscos do contrato, por vezes mitigando a natural assimetria de informações entre comprador e vendedor sobre as condições da empresa target, assimetria muitas vezes não equalizada durante a auditoria prévia. Nesses casos, é comumente estipulado que o comprador poderá, inclusive, utilizar parte do preço contingente para abater perdas incorridas pela empresa até a data do pagamento adicional. 

Ainda, destaca-se que a adoção da cláusula de earn-out pode também ser influenciada por fatores subjetivos, como nas empresas em desenvolvimento, nas quais o crescimento está conectado à expertise dos sócios e administradores na área de negócio, bem como ao relacionamento destes com clientes e colaboradores. Diante desse cenário, é comum que o comprador condicione a conclusão da operação à permanência do vendedor na empresa durante um período de transição, oferecendo, em contrapartida, o pagamento de valor adicional ao fim do prazo. 

O mecanismo de earn-out configura-se, portanto, como uma importante ferramenta para a conclusão de operações de M&A em diferentes cenários. 

No entanto, dada sua complexidade, a cláusula de earn-out atrai uma litigiosidade intrínseca, pois a sua exequibilidade está condicionada a eventos futuros incertos e que, por vezes, fogem ao controle das partes. Afinal, ainda que as partes tenham adotado todos os cuidados necessários na elaboração do contrato, não é possível prever todas as possíveis futuras situações, dada a dinamicidade das relações empresariais. 

Desse modo, é comum o surgimento de disputas, exemplificadas nas seguintes principais categorias: (i) as que ocorrem quando as metas estipuladas não foram atingidas e o vendedor acredita que a verificação foi impedida por atos do comprador; (ii) as que ocorrem quando as metas estipuladas foram alcançadas, mas o comprador se recusa a realizar o pagamento por atos do vendedor; e (iii) as que ocorrem quando as metas são parcialmente atingidas e as partes não chegam a um consenso quanto ao valor apropriado.  

A título de exemplo, cite-se o caso Perstorp v. Silver Lining, julgado pelo Instituto de Arbitragem da Câmara de Comércio de Estocolmo no procedimento V (115/2007), no qual as partes estipularam, no contrato de compra e venda, o pagamento de preço adicional por três anos contados a partir da transferência das ações, preço este que seria calculado anualmente de acordo com um modelo baseado nos resultados da companhia. A cláusula de earn-out previa que o valor total do preço adicional seria devido, independentemente dos resultados da companhia, caso houvesse a transferência das ações a um terceiro antes do fim dos três anos. Ocorre que, ao final dos dois primeiros anos, as partes não conseguiram acordar a forma de cálculo do preço adicional e ainda discordaram quanto à aplicação da penalidade por transferência de ações a terceiros. 

É devido a tal cenário que se recomenda que as partes estabeleçam uma cláusula compromissória no contrato de compra e venda, a fim de determinar que qualquer disputa relacionada à transação será dirimida por arbitragem. 

Isso porque conflitos de tamanha sofisticação e complexidade, que abordam matérias como a conduta dos administradores, aspectos de gestão empresarial, parâmetros econômicos, financeiros e contábeis, requerem um julgamento especializado e aprofundado por profissionais com vasto conhecimento nesses setores, expertise que os juízes, em geral, não possuem. 

A especialização necessária pode ser encontrada na arbitragem, dada a autonomia de vontade concebida por ela, permitindo que as partes escolham, para dirimir o conflito, profissionais reconhecidamente conhecedores da matéria, câmaras apropriadas e, até mesmo, a legislação que será aplicada à resolução da disputa. 

Além disso, a arbitragem permite o sigilo do procedimento, desde que não envolva empresas públicas ou de economia mista. Nas operações de M&A, a confidencialidade se caracteriza como um elemento primordial para a resolução satisfatória dos conflitos societários, tendo em vista o impacto econômico e mercadológico que a divulgação de certas informações poderia causar. 

Ademais, vale destacar que, em comparação com o Poder Judiciário, a arbitragem é um método de solução de conflitos mais célere: um procedimento arbitral dura em média 1 ano e 8 meses, enquanto o tempo médio de tramitação de um processo na Justiça Comum é de 5 anos e 6 meses. A decisão proferida pelo árbitro possui caráter vinculante e não poderá ser reanalisada pelo Judiciário.  

Temos, portanto, que a cláusula de earn-out é uma ferramenta essencial para a conclusão de diversas operações, mas que, por outro lado, não está livre de futuros desentendimentos entre as partes, para os quais a arbitragem é a forma mais adequada de solução.