Por Fernanda Alvim Ribeiro de Oliveira e Caroline Pereira Lima
A cláusula de limitação de responsabilidade concede às partes a possibilidade de estabelecer um limite ao efeito indenizatório da responsabilidade por descumprimentos contratuais mediante a previsão de um valor máximo de indenização. No Brasil, essa cláusula não possui delimitação legal específica, porém, em razão de sua frequência na prática, foram estabelecidos critérios para a determinação da extensão e dos limites que devem ser observados, para que sejam reputadas como válidas.
Tais limites foram inicialmente previstos pela doutrina - além da impossibilidade de violar preceito de ordem pública - como os seguintes:
(I) bilateralidade de consentimento - a declaração unilateral é considerada inteiramente inválida;
(II) igualdade de posição das partes - vedada sua inclusão em relações de consumo;
(III) inexistência de exoneração do agente em caso de dolo ou culpa grave - não se admite cláusula de exoneração de responsabilidade em matéria delitual; e
(IV) ausência de isenção do contratante pelo pagamento de indenização relativa ao inadimplemento de obrigação principal - a cláusula de não indenizar não pode ser estipulada para afastar ou transferir obrigações essenciais do contratante (WALD, Arnold. A cláusula de limitação de responsabilidade no direito brasileiro. In: Revista de Direito Civil Contemporâneo: RDCC, São Paulo, v. 2, n. 4, jul./set. 2015, pág. 137).
Seguindo essa linha, em recente julgado (Resp. nº 1.989.291/SP), a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) confirmou a legalidade de cláusula limitativa de responsabilidade definida em contrato empresarial entre uma empresa multinacional do ramo de tecnologia (HP) e uma companhia brasileira (RC) que atuava como sua representante no país.
A discussão posta no processo era se a indenização por danos morais pretendida pela representante brasileira, em decorrência de supostos abusos contratuais (estrangulamento do negócio da RC mediante imposição de redução unilateral de margem de lucros, inclusão de concorrência no âmbito de sua atuação, promoção de alterações contratuais sob a drástica pena de extinção total do contrato com tempo exíguo para anuência e alteração do regime contratual etc), ficaria ou não restrita ao valor de US$ 1 milhão, conforme cláusula limitativa de responsabilidade prevista no contrato firmado entre as referidas partes.
O Tribunal de Justiça de São Paulo havia, até então, decidido pela necessidade de se afastar a cláusula em questão “para coibir infração à ordem econômica” posto que haveria aumento arbitrário de lucros e exercício abusivo de posição dominante por parte da HP, impondo-se, na hipótese, “a real apuração dos prejuízos sofridos”. Consideraram, para tal decisão, que o tamanho da empresa multinacional HP, aliado aos danos causados à companhia brasileira RC por condutas abusivas, justificariam o afastamento da cláusula.
O Ministro Ricardo Villas Boas, relator do recurso especial interposto em face do acórdão do TJSP, entendeu como idônea a motivação da Corte Paulistana para o afastamento da cláusula limitativa de responsabilidade, tendo em vista a quebra do equilíbrio contratual causada pelo aumento excessivo da dependência econômica da RC ao longo da relação.
Contudo, o Ministro Moura Ribeiro entendeu de forma diversa e, abrindo divergência no Superior Tribunal de Justiça (posteriormente seguida pelos demais Ministros Julgadores), defendeu que o simples reconhecimento do poderio econômico e técnico da HP e da debilidade da distribuidora RC, retratado nas sucessivas alterações contratuais, seria insuficiente para tornar nula referida cláusula de limitação de responsabilidade. Segundo o Ministro, apesar de certificada a posição dominante da HP, importante consignar que “a distribuidora também era uma empresa de grande porte, que cresceu exponencialmente com a parceria comercial feita com a HP, de modo que não há como concluir que sua vulnerabilidade impedia o conhecimento e a compreensão de uma cláusula limitativa de responsabilidade”.
Trouxe fundamentos no sentido que, na ausência de comprovação de dolo na fixação da dita cláusula penal e também inexistente a previsão no contrato da possibilidade de o credor, no caso a RC, de demandar indenização suplementar, deve prevalecer em sua inteireza o limite imposto no ajuste. Concluiu que eventual infração à ordem econômica (aumento arbitrário de lucros e abuso de poder econômico) pode e deve ser considerada, mas para uma rescisão contratual, não podendo afastar a cláusula de limitação de responsabilidade posto que foi inicialmente prevista e serve, exatamente, para casos em que o contratante deixe de cumprir a obrigação (art. 408, Código Civil), sendo desnecessário que o credor alegue prejuízo (art. 416, Código Civil).
Nesse sentido, em que pese a doutrina apregoar sobre a necessidade de “igualdade de posição entre as partes” como critério limitador da inserção de cláusulas de responsabilidade, o STJ declarou que o simples reconhecimento do poderio econômico e técnico de uma empresa e da suposta debilidade da outra é insuficiente para tornar nula referida cláusula de limitação de responsabilidade, devendo, então, a contratada ficar sempre atenta sobre inserções que se fazem necessárias nos contratos, como, por exemplo, a previsão de cláusula que possibilite ao credor demandar indenização suplementar, acaso provados prejuízos.
Portanto, para a formalização de contratos é indispensável contar com o apoio de um advogado especialista que realizará uma análise criteriosa das cláusulas contratuais antes da formalização do ato, com dicas sobre eventuais inserções que se façam necessárias, para evitar ou mitigar problemas e prejuízos futuros.