A utilização da Arbitragem na Resolução de Disputas envolvendo M&A


A utilização da Arbitragem na Resolução de Disputas envolvendo M&A


Por Gabriela Lima Nogueira e Stéphannye de Pinho Arcanjo 

O mercado de M&A - Mergers and Aquisitions, ou Fusões e Aquisições, cresce exponencialmente no Brasil desde 2021, ano em que operações dessa natureza atingiram recorde no país, crescendo 59% em relação ao ano de 2019 – segundo pesquisa realizada pela KPMG1 - e movimentando bilhões de reais2

A complexidade destas operações não se limita ao aspecto econômico, mas também às peculiaridades nas questões jurídicas de cada caso. Ademais, este tipo de operação frequentemente demanda a celebração de diferentes instrumentos jurídicos, a depender do que o contexto exigir, os quais possuem cláusulas complexas, específicas para cada circunstância. Além disso, não raras vezes, o sucesso de uma operação está vinculado a expectativas e projeções futuras e, por essa razão, podem depender de fatores externos que podem fugir do controle de uma das partes. 

Nesse cenário, tem-se que as disputas de M&A mais frequentemente resolvidas por Arbitragem são questões relacionadas com cláusulas de declarações e garantias, envolvendo parcelas do preço, earn-out, Material Adverse Change (MAC) – Efeito Material Adverso em português, dentre outras.  

Quanto às declarações e garantias, frequentemente verificam-se alegações de que teria ocorrido descumprimentos contratuais ou omissões em relação ao escopo, que, por sua vez, pode representar uma constatação de divergência entre a realidade e aquilo que foi declarado. Isso acaba por motivar pretensões indenizatórias de acordo com as disposições contratuais.  

No tocante às disputas sobre o preço, comprador e vendedor possuem perspectivas e interpretações contratuais diferentes, inclusive sobre método de avaliação ou de cálculo de determinadas parcelas, o que pode ensejar conflitos. Em relação à cláusula de earn-out, tem-se que a sua natureza de sujeitar parte do pagamento ao desempenho futuro da sociedade, embora possa representar mecanismo interessante sob a ótica de condução dos negócios, mantendo o engajamento dos vendedores, ao mesmo tempo suscita naturalmente a existência de divergências. E, por fim, a respeito de cláusulas disciplinando MAC, por estarem intimamente ligadas à ocorrência de mudança adversa relevante na empresa objeto da operação, comumente poderá ensejar disputas sobre a sua aplicação em determinadas hipóteses.  

A principal forma de minimizar a possibilidade de divergências que naturalmente decorrem da complexidade e imprevisibilidade de certas operações é por meio de adequada assessoria jurídica em todas as fases da operação e, em caso de disputa, na sua resolução. É fundamental contar com profissionais que possuam expertise para lidar com os aspectos técnicos e práticos que cada transação exigirá, a depender de sua natureza e fase. Neste sentido, deve-se considerar, tanto quanto possível, a conveniência de harmonizar todos os contratos envolvidos e relacionados com a operação de M&A, guardando coerência e correspondência de uns com os outros, principalmente no que tange às cláusulas de resolução de disputas. 

Partindo das considerações a respeito dos desdobramentos que uma operação de M&A pode ter, é inegável que a escolha do método adequado para as resoluções de possíveis conflitos advindos desses Contratos deverá ser objeto de cuidadosa análise das partes, em conjunto com seus advogados e assessores, momento no qual a arbitragem pode se tornar peça fundamental, caso exista determinada disputa. Isso porque esse método se mostra cada vez mais adequado às resoluções desses conflitos, o que explica o fato de matérias societárias deste tipo terem se tornado um dos temas mais relevantes nas principais câmaras de arbitragem brasileiras e estrangeiras. 

Os principais fatores que justificam a escolha da arbitragem como método de resolução de conflitos dessa natureza são, dentre outros, a celeridade, a confidencialidade e a especialidade dos árbitros.  

A celeridade e economia processual são características marcantes na Arbitragem, impulsionadas também pela flexibilidade do método, que permite que as Partes definam os prazos procedimentais mais eficientes para o caso.  

Ademais, destaca-se que, nos casos que envolvem operações de M&A, é comum que as Partes não queiram que as condições daquele contrato sejam conhecidas, porque essas operações usualmente envolvem a celebração de instrumentos que podem conter informações confidenciais sobre as companhias envolvidas, bem como sobre os respectivos sócios e3 acionistas. 

É neste contexto que a confidencialidade se torna um dos maiores atrativos para as partes que optam pela inclusão da cláusula compromissória nos Contratos. A massiva maioria das câmaras arbitrais inserem em seus regulamentos a confidencialidade como possibilidade nos procedimentos. O alcance desse sigilo pode ser pactuado pelas partes e pode se relacionar com diferentes categorias de informações, seja a existência da arbitragem e suas características chave, os materiais não públicos submetidos no curso da arbitragem ou até mesmo as deliberações dos árbitros e as decisões tomadas pelo tribunal, por exemplo4.  

Por fim, ainda em relação aos fatores que motivam a escolha da arbitragem, verifica-se o relevante aspecto da especialidade dos árbitros. As discussões relacionadas aos contratos envolvidos em operações de M&A são complexas, envolvendo interpretação de cláusulas contratuais especificas e de temas técnicos. Logo, a especialidade do julgador contribui diretamente para a adequada interpretação e resolução do litígio. 

Importante ressaltar, entretanto, que, para que as vantagens da arbitragem sejam congruentes com as necessidades dos contratantes, é importante que as Partes atentem na redação da convenção arbitral não apenas no SPA (Sales and Purchase Agreement) – Acordo de Compra e Venda, em português, mas também em todos os demais instrumentos que embasem a operação, sob pena de controvérsia a respeito da competência do Tribunal Arbitral nestes outros Contratos. Isso porque a escolha adequada da arbitragem – o que passa pela redação das cláusulas – é fundamental para que as vantagens do método sejam totalmente aproveitadas e, sobretudo, “para que não pairem dúvidas sobre a escolha das partes e sobre a efetividade dos métodos escolhidos”5

Referências:

1 Operações de Fusões e aquisições em 2021 alcançaram melhor desempenho dos últimos 25 anos, KPMG (Jul. 21, 2022). Acesso em 22 fev 2023. 

2 VAUGHN, Gustavo Favero. Apontamentos sobre Arbitragem e Operações de M&A. Institute for Transnational Arbitration, in Review, Volume 4, Issue 2. 2019. p.155. 

3 BRAGHETTA, Adriana; CRAVEIRO, Mariana Conti. Pontos de atenção para arbitragens em M&A. Acesso em: 25 fev 2023. 

4 GOELER, c. Third-Party Funding in International Arbitration and its Impact on Procedure, International Arbitration. Wolters Kluwer, jan. 2016a. cap. 2. Acesso em: 10 fev 2023.  

5 MORAES, Felipe Ferreira Machado; NEVES, Raquel Marangon Duffles. A escolha dos métodos adequados de resolução de disputas em contratos de M&A. In: Asdrubal Franco Nascimbeni; Maria Odete Duque Bertasi; Ricardo Borges Ranzolin (Org.). Temas de Mediação e Arbitragem V. 5 ed. São Paulo: LEX, 2021, v. V, pp. 131/132.