A Sociedade Empresarial x o Casamento: A importância da Resolução de Conflitos


A Sociedade Empresarial x o Casamento: A importância da Resolução de Conflitos


Por Júlia Alves, Malu Visco Gordiano e Stéphannye de Pinho

Assim como o casamento, a sociedade empresarial é uma união de indivíduos que buscam um objetivo comum. Ambos envolvem compromisso, colaboração e, inevitavelmente, desafios. Neste artigo, exploraremos a analogia entre sociedade e casamento, destacando a importância de prever formas eficazes de resolução de conflitos nas relações empresariais.

No casamento, o pacto pré-nupcial e o regime de bens estabelecem como o patrimônio será administrado durante a união e também depois da sua dissolução (que poderá se dar por meio do divórcio ou falecimento de um dos cônjuges), evitando desgastes futuros. Da mesma forma, na sociedade empresarial, o contrato/estatuto social e o acordo de sócios desempenham um papel semelhante, definindo as regras, obrigações, direitos e deveres dos sócios entre si e em relação aos bens e recursos da empresa.

Como no casamento, onde podem surgir diferenças de opiniões e interesses, na sociedade empresarial também existem potenciais áreas de desacordo. Por isso, uma das cláusulas mais relevantes nos documentos societários é a cláusula de resolução de conflitos.

Tradicionalmente, os conflitos nas relações empresariais são resolvidos por meio do sistema judiciário. No entanto, nos últimos anos, a arbitragem tem se mostrado uma opção cada vez mais atrativa e eficiente para a resolução de disputas no âmbito empresarial. A pesquisa “Arbitragem em Números” 1, coordenada pela especialista no tema Selma Ferreira Lemes, aponta que, no Brasil, a utilização da arbitragem na resolução de disputas societárias liderou o ranking de matérias tratadas nas arbitragens entrantes em 2022.

A arbitragem oferece vantagens como confidencialidade, celeridade e especialização dos árbitros. Por isso, incluir uma cláusula compromissória nos documentos societários da empresa pode ser uma excelente alternativa para estabelecer um método eficaz de resolução de conflitos.

A flexibilidade do procedimento arbitral permite que as partes definam prazos procedimentais de forma mais eficiente, o que é essencial em casos de conflitos societários que podem interromper as atividades empresariais e causar prejuízos a longo prazo. Além disso, a possibilidade de seleção de árbitros com base em sua especialização em determinada área também contribui para a qualidade das decisões proferidas.

A arbitragem também oferece maior confidencialidade em relação às disputas, o que pode ser crucial para preservar a imagem da sociedade e proteger informações sensíveis ou estratégicas. No entanto, é importante observar que, no caso das companhias abertas, a divulgação ao mercado de

informações sobre os procedimentos arbitrais em que estão envolvidas é obrigatória, de acordo com a Instrução nº 480 da Comissão de Valores Mobiliários (CVM).

Expostas as diversas vantagens da cláusula compromissória, apresentamos argumentos acerca da sua validade. A inclusão da cláusula compromissória nos estatutos sociais é respaldada pela legislação brasileira. A possibilidade que já era clara a partir da interpretação da Lei n° 9.307/1996 (“Lei da Arbitragem”), ganhou ainda mais força com a inclusão do § 3º, no art. 109, da Lei nº 6.404/1976 (“Lei das S/A”), que dispõe o seguinte: “O estatuto da sociedade pode estabelecer que as divergências entre os acionistas e a companhia, ou entre os acionistas controladores e os acionistas minoritários, poderão ser solucionadas mediante arbitragem, nos termos em que especificar”.

Superadas as questões atinentes à validade da inclusão da cláusula no estatuto social, surgiram discussões em relação ao seu alcance e vinculação. Questionou-se: estariam todos os acionistas indistintamente vinculados ou apenas aqueles que votaram a favor da inclusão da cláusula no estatuto?

Em 2015, com vistas a superar as controvérsias sobre a vinculação dos acionistas à cláusula compromissória presente em estatuto social, foi publicada a Lei nº 13.129/2015 que incluiu o artigo 136-A na Lei das S/A e disciplinou que, diante da aprovação da inserção de uma cláusula compromissória no estatuto social, observado o quórum necessário, todos os acionistas estarão vinculados, o que se estende para os acionistas ausentes, futuros e dissidentes, sendo ressalvado ao acionista o direito de se retirar da companhia mediante o reembolso do valor de suas ações na hipótese de não concordância.

Não obstante a maior parte das divergências em relação à cláusula compromissória estatutária tenham sido superadas, garantindo segurança jurídica para as partes envolvidas, é importante mencionar que ainda existem controvérsias em relação à vinculação do administrador.

De um lado, estão doutrinadores como Modesto Carvalhosa e Marcelo Adamek que entendem que o administrador somente estará vinculado à cláusula compromissória estatutária se houver a adesão por instrumento em separado. De outro lado, profissionais como Nelson Eizirik e Pedro Batista argumentam que a vinculação à cláusula compromissória pode decorrer do comportamento das partes como, por exemplo, a assinatura do termo de posse pelos administradores sem que seja levantada qualquer objeção em relação à referida cláusula.

A analogia apresentada ressalta a importância de prever mecanismos eficazes de resolução de conflitos nas relações empresariais. A inclusão da cláusula compromissória nos estatutos sociais, respaldada pela legislação brasileira, oferece uma alternativa atraente e eficiente, por meio da arbitragem, para resolver disputas de forma célere, especializada e confidencial. Embora algumas controvérsias tenham sido superadas, é aconselhável obter assessoria jurídica especializada para lidar com questões específicas, como a vinculação dos administradores e outras situações

particulares em que poderia haver alguma contra recomendação. No geral, a inclusão dessa cláusula nos estatutos sociais é uma estratégia valiosa para promover a estabilidade e a continuidade das atividades empresariais.


Bibliografia

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CARVALHOSA, Modesto. Comentários à lei de sociedades anônimas – 2º Volume – Artigos 75 a 137. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 367.

EIZIRIK, Nelson. A Lei das S/A Comentada. V. 2. 2ª edição. São Paulo: Quartier Latin, 2015. P. 170.

LEMES, Selma (Coord.). Arbitragem em Números: Pesquisa 2021 /2022. Canal Arbitragem. São Paulo, 2023.

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