A possibilidade de condenação da Fazenda Pública em danos morais causados à pessoa jurídica


A possibilidade de condenação da Fazenda Pública em danos morais causados à pessoa jurídica


Por Caroline Martinez Moura 

Há muito se discute acerca da possibilidade de a Fazenda Pública ser condenada em danos morais, além dos danos materiais, causados aos contribuintes pessoa jurídica. Isso porque, com frequência, empresas são autuadas por supostas dívidas fiscais, débitos inexigíveis são inscritos em dívida ativa e ilegítimas execuções fiscais são ajuizadas. 

Diante das presunções de legalidade e legitimidade do ato administrativo, bem como de liquidez e certeza de que gozam os títulos executivos, as empresas são obrigadas a propor ações declaratórias/anulatórias, muitas vezes cumuladas com repetições de indébito, até mesmo embargos à execução fiscal, a fim de desconstituírem o pretenso crédito tributário; sem contar os incontáveis mandados de segurança impetrados para obter a tão desejada certidão de regularidade fiscal. 

Geralmente, tais demandas tributárias são julgadas procedentes por ausência de fato gerador, inexistência de relação jurídico tributária, condutas arbitrárias e abusos de poder praticados pela fiscalização, redirecionamentos precipitados de execução fiscal, inconsistências do sistema de tecnologia utilizado, omissões de agente público etc. 

Não se pretende questionar a presunção de legitimidade e veracidade inerente aos fatos alegados pela Administração para a prática do ato. Todavia, a inscrição e/ou manutenção indevida da empresa na condição de devedora acarreta consequências devastadoras!  

Por exemplo, a ausência de certidão de regularidade fiscal impacta diretamente no regular desenvolvimento das atividades empresariais, por inviabilizar as operações comerciais. A irregularidade fiscal causa inúmeros transtornos e prejuízos, tais como: (i) paralisação do fornecimento de produtos e/ou serviços; (ii) bloqueios de operações (créditos, empréstimos e financiamentos) perante instituições financeiras; (iii) impedimento para a participação de licitações e concorrências; (iv) retenção de pagamentos, além do constrangimento em face dos clientes e fornecedores.  

Destaque-se que os parágrafos 5º e 6° do artigo 37 da Constituição Federal são plenamente aplicáveis às demandas tributárias, pois, de um lado, à Administração é conferido o direito (imprescritível) ao ressarcimento civil pelos danos que lhe forem causados por seus agentes e, de outro, aos contribuintes cabe a indenização por prejuízos advindos da atuação viciada do agente público.  

A Constituição estabelece que a responsabilidade civil do Estado independe de dolo ou culpa; uma vez comprovados o nexo de causalidade e o dano, surge o dever de indenizar do Estado. Sobretudo, basta a inscrição e/ou manutenção indevida na dívida ativa, CADIN, SERASA ou cartórios de protestos, para que a responsabilização pela reparação do dano moral causado ao contribuinte lesado - seja ele pessoa física ou jurídica - recaia sobre Poder Público. 

No que se refere à proteção da imagem, o Código Civil não faz distinção entre pessoas física ou jurídica; pelo contrário, seu artigo 52 assegura às pessoas jurídicas a proteção dos direitos da personalidade. Ressalta-se que, a proteção é em favor da preservação da imagem abstrata, e não visual, da pessoa jurídica, fator essencial para o desenvolvimento de suas atividades empresariais.  

De fato, embora a pessoa jurídica não seja passível de sofrer dano moral em sentido estrito (ofensa à dignidade), por ser este exclusivo da pessoa humana, pode sofrer dano moral em sentido amplo (violação de algum direito da personalidade), porque é titular de honra objetiva, fazendo jus a indenização sempre que seu bom nome, credibilidade ou reputação (imagem) forem atingidos por algum ato ilícito. No caso, o apontamento irregular é ilícito! 

A situação experimentada pelo contribuinte supera os limites do mero dissabor, não se fazendo necessária a comprovação de má-fé por parte da Administração Pública, para caracterizar ato ilícito, bastando que decorra de conduta negligente (ação ou omissão), praticada por qualquer um de seus agentes, em razão da responsabilidade objetiva do Estado. 

Por onde quer que se analise a questão, qualquer apontamento e/ou inscrição em dívida ativa mantidos indevidamente pela Administração Pública, nas esferas municipal, estadual, e federal, é ilegal e inconstitucional. O próprio Superior Tribunal de Justiça já pacificou o tema acerca da possibilidade de a pessoa jurídica sofrer dano moral (Súmula 227: “A pessoa jurídica pode sofrer dano moral”). 

A jurisprudência dos Tribunais de Justiça também considera que o protesto de título, a inscrição na dívida ativa ou o ajuizamento de execução fiscal de forma indevida configuram modalidades de dano moral presumido (“in re ipsa”), causado pela Fazenda Pública, ou seja, independe de prova específica do dano, sendo certa a obrigação de repará-lo.  

Inobstante o dano moral seja presumido, o valor de indenização tende a levar em consideração as circunstâncias do caso concreto, quais sejam: a) o grau de reprovabilidade da conduta ilícita; b) a intensidade e duração do sofrimento experimentado; c) a capacidade econômica do ofensor e; d) as condições pessoais do ofendido. Em regra, o Poder Judiciário se utiliza dos critérios da razoabilidade e proporcionalidade para mensurar o dano, especialmente por envolver condenação que onera os cofres públicos. 

Em suma, o quantum indenizatório do dano moral deve condizer com a extensão dos transtornos causados à pessoa jurídica, mostrando-se adequado e suficiente ao atendimento do binômio que norteia sua fixação, qual seja, razoabilidade e proporcionalidade. Isso porque, o valor da indenização objetiva reparar economicamente a empresa lesada, sem implicar no seu enriquecimento sem causa, bem como desestimular a reincidência na prática do ato danoso.  

Portanto, é plenamente cabível, à luz dos entendimentos doutrinários e jurisprudenciais, o acesso do contribuinte pessoa jurídica ao Poder Judiciário para buscar a compensação por danos morais indevidamente sofridos, com grandes chances de êxito!