Por Caroline Martinez Moura
A “litigância predatória” ou “advocacia predatória” é uma prática que, infelizmente, existe no nosso sistema jurídico e que consiste, basicamente, no ajuizamento de ações em massa, através de petições padronizadas, superficiais e genéricas, em nome de pessoas vulneráveis e com o propósito de enriquecimento ilícito.
Sem dúvida, uma prática que deve recair, também, sobre advogados públicos!
Embora a arrecadação, hoje em dia, seja melhor estruturada, ainda assim é possível constatar a inversão de paradigmas, por meio da atuação positivista do Estado, respaldada no “direito tributário”.
Frequentemente, nos deparamos com registros de condutas arbitrárias praticadas pelos agentes de repartições fiscais em nome do Estado, os quais - valendo-se do axioma da “supremacia do interesse público sobre o particular” e da suposta “debilidade da Fazenda Pública” -, distorcem a essência do direito tributário, a fim de promover e impor um direito arrecadatório.
Não se pretende, aqui, questionar a necessidade de haver tributação; pelo contrário, a tributação é uma necessidade do Estado. Inobstante tal aspecto, a medida arrecadatória não pode ser arbitrária ou desregrada; deve observar as limitações impostas pela Constituição e pelas leis infraconstitucionais.
Do mesmo modo, não queremos questionar a presunção de legitimidade e veracidade inerente aos fatos alegados pela Administração para a prática do ato, mas a inscrição e/ou manutenção indevida do contribuinte no cadastro de mal pagadores acarreta consequências devastadoras!
Empresas são autuadas por supostas dívidas fiscais, débitos inexigíveis são inscritos em dívida ativa e ilegítimas execuções fiscais são ajuizadas pelos procuradores fazendários. O caráter predatório da arrecadação na esfera administrativa se mantém no Judiciário.
Incontáveis são os ajuizamentos de ações fiscais sem o menor cabimento, dando-se a extinção por motivos previsíveis, como a flagrante ilegitimidade passiva, o cancelamento da certidão de dívida ativa ou por estar o crédito prescrito.
A “máquina estatal” – diga-se, aqui, tanto a mecânica quanto a humana – tão dotada de capacidade tecnológica e cognitiva, tem sido utilizada de maneira cada vez mais desidiosa: sistemas informatizados que não se “cruzam”, procuradores mais preocupados em “encher seus bolsos” com honorários advocatícios (além de seus próprios e robustos salários), ao invés de promover uma arrecadação consciente, dentre outras situações igualmente lamentáveis.
E assim, diante da presunção de legalidade e legitimidade do ato administrativo, bem como da liquidez e certeza de que gozam os títulos executivos, o contribuinte se vê obrigado a impetrar incontáveis mandados de segurança, propor ações ordinárias e/ou, até mesmo, opor embargos à execução fiscal, para desconstituir o pretenso crédito tributário. Tais demandas, em regra, são julgadas procedentes por inexistência do fato gerador da obrigação tributária.
É inquestionável a vulnerabilidade do contribuinte bom pagador: “vendido” nas mãos do Estado, mesmo quando busca, tão somente, assegurar direitos e garantias constitucionais (cite-se – por exemplo - a tão requisitada certidão de regularidade fiscal).
A situação experimentada pelo contribuinte supera os limites do mero dissabor, não se fazendo necessária a comprovação de má-fé por parte da Administração Pública para caracterizar a ilicitude de seus atos.
Cabe, aos representantes judiciais das Fazendas Públicas, ser mais diligentes, lançar um olhar mais crítico sobre a viabilidade e a probabilidade de êxito de tais demandas, antes de iniciá-las; até mesmo porque a desídia desses profissionais acaba onerando o cofre de quem lhe remunera (a Fazenda Pública cuja defesa lhes cabe)!
É necessário que os procuradores fazendários, antes de “sair por aí” ajuizando execuções fiscais e/ou contestando demandas “a torto e a direito”, primeiro analisem o caso concreto e ponderem a probabilidade de ganhos e prejuízos, tendo em vista, inclusive, o risco de condenação da Fazenda em sucumbência.
E nem se alegue incapacidade em face da grande demanda, a dificultar o exercício dessa análise mais detalhada. Essa linha de argumentação representa, claramente, um “venire contra factum próprium”, já que o “empecilho” (gigantesco volume de execuções fiscais) é causado pelo próprio órgão fazendário.
Segundo o Conselho Nacional de Justiça (“CNJ”), “as execuções fiscais representam cerca de 30% dos processos pendentes na Justiça Federal, com alta taxa de congestionamento e baixo índice de satisfação da dívida”, sem contar nas demais esferas (estadual e municipal).
Infelizmente, existe sim uma atuação mercenária de procuradores que, embora disponham de excelentes recursos (humanos e tecnológicos), limitam-se a produzir peças genéricas que em nada se relacionam com o objeto da lide, utilizando-as quase como uma “mala-direta” nos processos e sobrecarregando o Judiciário com discussões infundadas, tudo em prol da arrecadação (e honorários advocatícios sobre eventual êxito).
O contribuinte se torna parte vulnerável diante do uso indiscriminado do maquinário estatal, e essa condição deve ser levada em conta, visto que causa prejuízos muitas vezes predatórios para a continuidade da atividade empresarial; afinal, até que a empresa consiga afastar a cobrança ilegítima, muito tempo e recursos já foram dispendidos, prejudicando mortalmente a sobrevivência da empresa. Daí o caráter “predatório” aqui apontado: o contribuinte se torna a “presa” de seu algoz, o fisco.
Portanto, fechar os olhos para essa realidade apenas contribui para que, cada vez mais, demandas frívolas e sem possibilidade de êxito continuem sendo propostas, com o objetivo de “suprir o déficit” (enriquecer) dos cofres públicos.
É tempo de reivindicarmos – como contribuintes bons pagadores – uma litigância mais responsável e ética, em benefício dos princípios da razoável duração do processo e da eficiência da prestação jurisdicional.