Por Ana Paula Terra, Sofia Padrão e Laura Sena
Desde meados do século XVIII, a sociedade tem sido marcada por uma série de revoluções industriais, cada uma, com suas peculiaridades, modificando as estruturas socioeconômicas. Atualmente, estamos na chamada 4ª Revolução Industrial, caracterizada pelo avanço da Inteligência Artificial (IA) e da automação, que estão transformando radicalmente a forma como vivemos, nos relacionamos e trabalhamos. A IA tem suas raízes no século XX, com Alan Turing e seu "Jogo da Imitação", e foi cunhada por John McCarthy, antecipando o desenvolvimento de sistemas inteligentes capazes de desempenhar tarefas humanas.
No dinâmico mundo corporativo, as transações de fusões e aquisições (M&A) desempenham um papel fundamental na estratégia de crescimento e expansão das empresas. Por trás dessas transações, há um processo complexo e minucioso chamado de due diligence, no qual as partes envolvidas examinam cuidadosamente os aspectos legais, financeiros e operacionais da empresa-alvo. Tradicionalmente conduzido por seres humanos, esse processo consome tempo e recursos significativos dos profissionais envolvidos. No entanto, com o advento da IA e da automação, os paradigmas estão mudando rapidamente, trazendo consigo uma série de desafios e oportunidades para as operações de M&A.
A due diligence é um processo essencial para prever os riscos e oportunidades de uma transação, conforme reconhecido pelo Guia da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) para Empresas Multinacionais, e a IA pode otimizar esse processo. Com algoritmos de aprendizado, os softwares podem analisar dados de forma rápida e precisa, identificando padrões, documentos faltantes e inconsistências nos registros financeiros, por meio do banco de dados preexistente e criado de forma simultânea a análise dos contratos.
A IA pode auxiliar na análise de contratos, identificando cláusulas críticas e variações em contratos supostamente padrões, análise de demonstrações financeiras, emissão de certidões, tradução de documentos, bem como na identificação de processos judiciais envolvendo a empresa alvo, entre outras tarefas usuais em uma due diligence.
A eficiência e a velocidade aumentaram consideravelmente. Com o uso de algoritmos sofisticados, é possível analisar grandes volumes de dados em uma fração do tempo necessário anteriormente. Ferramentas de processamento de linguagem natural (NLP) e reconhecimento óptico de caracteres (OCR) permitem a rápida identificação e extração de informações relevantes de contratos, relatórios financeiros e outros documentos.
Apesar dos benefícios evidentes, a implementação da IA e da automação na due diligence não está isenta de desafios, e um dos principais é a qualidade dos dados. A eficácia das ferramentas de IA depende da qualidade e integridade dos dados disponíveis. A falta de padronização ou má qualidade dos documentos, além de uma base de dados precária, pode comprometer a precisão dos resultados obtidos por esses sistemas.
Além disso, a interpretação e o contexto também representam desafios significativos. Embora a IA seja capaz de identificar informações específicas nos documentos, ela pode ter dificuldade em compreender o contexto mais amplo em que essas informações estão inseridas. Isso ressalta a importância da supervisão humana durante o processo de due diligence, sendo certo que seu resultado deve ser o produto de uma análise crítica e estratégica conduzida pelos advogados, interpretando e contextualizando os resultados fornecidos pela IA.
É evidente que os produtos existentes ainda apresentam alguns erros e precisam se desenvolver significativamente para atingir um alto padrão de qualidade, mas antecipamos que esse movimento será rápido.
Sem prejuízo, a nosso ver, a IA não substituirá a inteligência humana, a capacidade de análise crítica, a experiência real de gestão e integração de pessoas, valores subjetivos e pessoais imponderáveis em alguns negócios, a empatia e o jogo de cintura em uma negociação, mas sim complementará o trabalho dos advogados, permitindo que se dediquem a atividades de maior valor agregado e estratégico para o cliente. Dados coletados, sem processamento crítico, são como “mise en place”, apenas bons ingredientes postos em seu lugar. É necessário um bom chef para torná-los um prato delicioso.
Saber interpretar o resultado da due diligence é o diferencial para as empresas em momentos chaves da negociação de uma operação de M&A, desde impacto no valuation, negociação de garantias, mudanças de condutas em Joint Ventures, regras e limites de indenização e estrutura do negócio, entre outros aspectos. A ferramenta da IA não deve ser utilizada apenas para cumprir tabela em operações de M&A. Deve ser um fator aliado para as análises críticas dos resultados. A due diligence é uma etapa essencial no cumprimento do dever de diligência para uma conduta empresarial responsável e para a própria responsabilização dos administradores. Por isso, deve ser tratada com toda a importância. E a aliança entre a inteligência artificial e a capacidade humana promete elevar a eficiência e a qualidade dos serviços jurídicos, impulsionando as operações de M&A para um novo nível de excelência e inovação.