Série Saneamento Básico | O Papel da União no Novo Marco do Saneamento


Série Saneamento Básico | O Papel da União no Novo Marco do Saneamento


A reflexão sobre a divisão das competências constitucionais referentes ao tema saneamento é imperativa para que seja possível enxergar com clareza o avanço alcançado no novo marco do setor em relação ao papel da União Federal neste contexto.

A Constituição de 1988 outorga aos municípios a competência constitucional para cuidar dos serviços públicos de interesse local, o que inclui o saneamento básico. Entretanto, quando se encontra em pauta as regiões metropolitanas deve vigorar o interesse comum e, por consequência, uma co-competência estadual. Ademais, não há como inexistir o envolvimento da União Federal quando o assunto também envolve recursos hídricos, saúde pública, meio ambiente, entre outros temas que devem ou deveriam ser cuidados conjuntamente pelos municípios, estados e União nos termos da própria Constituição Federal. Trata-se, portanto, de um tema que requer atuação holística, planejamento integrado e coordenação eficiente justamente para que não existam disputas desnecessárias entre os entes competentes, dificuldades regulatórias e insegurança jurídica. 

É justamente neste ponto que se consegue verificar a relevante função organizadora transferida à União Federal no novo marco. O que hoje (ainda se aguarda a sanção do novo marco) parece uma falha sistêmica da nossa Carta Republicana, posto que em nosso entendimento deveria ter desde o início deixado o assunto saneamento em seu amplo aspecto como competência exclusivamente federal, com o novo arcabouço legal poderá ser o veículo de harmonização que dará sustentação à regulação do setor e à segurança jurídica que se busca incansavelmente alcançar, como forma de viabilizar a realização dos vultuosos investimentos necessários para o desenvolvimento do setor, sobretudo pela iniciativa privada.

No atual cenário, o apoio Federal é bastante relevante na esfera financeira, por meio de financiamentos concedidos pelos bancos de capital público, como a Caixa Econômica Federal e o Banco do Brasil, assim como pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES. Também se fomenta o incremento do mercado de capitais no âmbito do setor de infraestrutura por meio de determinados benefícios fiscais para os investidores, como no caso das debêntures incentivadas.

Essa atuação, contudo, não se revela suficiente e não impediu que (i) a grande maioria das companhias estaduais chegassem a situação financeira caótica e com enorme dificuldade para prosseguir realizando investimentos; (ii) municípios deixassem de alcançar metas de universalização dos serviços de saneamento; e (iii) a iniciativa privada, embora demonstre interesse, incremente os seus investimentos no setor., Sabe-se que, sem o apoio da iniciativa privada, os objetivos do País em relação ao saneamento não serão alcançados.

Parece estranho um setor não ter prosperado como deveria contando com a participação obrigatória da União, estados, municípios, recursos financeiros para alavancagem de investimentos, pessoas ávidas pelos serviços (mercado consumidor), carência de estrutura (demanda reprimida), possível ganho de escala (País com dimensão continental), problemas crônicos de saúde pública decorrentes da falta de saneamento, entre outros aspectos que nos forçam a concluir ser este um mercado perfeito para se investir e colher resultados no curto, médio e longo prazo (retorno de diferentes aspectos, posto que conhecemos o longo período de maturação do investimentos para se alcançar o devido retorno em termos econômicos).

A solução desta equação parece ser bastante simples e óbvia, mas até a aprovação do novo marco não existiam condições normativas para viabilizá-la.

Falta coordenação ao setor, sobretudo no âmbito da regulação, da padronização, da fiscalização e nas definições estratégicas, tudo de forma integrada para atender aos interesses da sociedade no Brasil e não apenas dos municípios ou dos estados. Tudo isto, sem invadir o rol das competências constitucionais.

Essa difícil missão parece ter sido alcançada no novo marco quando se colocou nas mãos da União a definição dos principais pilares a serem seguidos nacionalmente no setor do saneamento básico. A União passa a ser, definitivamente, a principal coordenadora, organizadora e incentivadora do setor, ditando de forma macro as normas e metas, oferecendo um norte a todos os demais entes integrantes da engrenagem do saneamento, comprometendo-se a prosseguir direcionando recursos financeiros para investimento no setor e definido taxativamente os compromissos a serem seguidos por municípios e estados para contarem com o seu apoio. 

Com o novo marco, por exemplo, caberá a União elaborar, sob a coordenação do Ministério do Desenvolvimento Regional, o Plano Nacional de Saneamento que conterá “a proposição de programas, projetos e ações necessários para atingir os objetivos e as metas da política federal de saneamento básico, com identificação das fontes de financiamento, de forma a ampliar os investimentos públicos e privados no setor”.

Um outro exemplo claro da nova forma de atuar da União está retratado na ampliação das funções da Agência Nacional de Águas – ANA, que passará a definir normas de referência para o setor em diversos aspectos, os quais resumimos aqui como regulatórios, sem entretanto obrigar municípios e estados a seguir, mas sim os incentivando a adotar as regras referenciais com maior apoio da União em contrapartida. Acreditamos que será possível alcançar-se um ambiente com melhor padronização e segurança para se investir. Exceto, talvez, por razões políticas, não acreditamos que as mais de seis dezenas e agências reguladoras atualmente atuantes no setor deixarão de seguir as diretrizes da ANA.

Apesar de constar na nova legislação em vias de ser sancionada um rol representativo de ações que poderão e deverão ser praticadas pela União Federal, o importante a ser constatado foi a preocupação do legislador em encontrar um novo formato de organização para todo o setor do saneamento. E o fez com maestria, embora ainda dependendo de comprovação prática.

Não se pode dizer que o novo marco já coloque os atores de forma alinhada, até mesmo porque com a estrutura de competências constitucionais em vigor isto não seria possível. Contudo, a nova cartilha transforma a União no “técnico” do time, a quem caberá coordenar os trabalhos, mostrar claramente a direção a ser seguida, os objetivos a serem alcançados e a conduta a ser adotada. Tudo lastreado por um sistema de incentivos. Acreditamos existir potencial para se alcançar o principal resultado almejado, qual seja, a universalização da prestação dos serviços de saneamento.