Infraestrutura e ESG: qual impacto desse novo paradigma no setor?


Infraestrutura e ESG: qual impacto desse novo paradigma no setor?


A pandemia do COVID-19 certamente causou impactos gravosos em inúmeros países, mercados e empresas. Passados oito meses do início da pandemia, o que se busca agora é a retomada econômica e, no Brasil, no cenário de pós-pandemia, o setor de Infraestrutura assume papel fundamental. De acordo com o Governo Federal, os investimentos privados nesse setor são essenciais para a retomada econômica e da prosperidade1.  De fato, com a aprovação do “teto de gastos”, o investimento público na infraestrutura ficou limitado e sua expansão depende cada vez mais do setor privado. Isso nos provoca algumas reflexões centrais ao tema proposto nesse artigo: as práticas ESG estão impactando o setor de infraestrutura? O setor privado está mais exigente quanto aos critérios estabelecidos?

É importante que se entenda o papel do setor de Infraestrutura como responsável por estimular o desenvolvimento, atrair investimentos, gerar empregos, aumentar a competitividade e facilitar a logística e a qualidade de vida em um país continental como o Brasil. Por isso, é extremamente importante a participação deste setor nas discussões sobre as práticas ESG.

A BlackRock, maior gestora de ativos do mundo, manifestou voto contrário a diretores de 49 companhias no mundo por falharem no progresso ao combate à crise climática2. A decisão da BlackRock reforça a tendência mundial de valorização das companhias que adotam práticas ESG na sua visão de negócio.

Além disso, a busca por fontes alternativas de energia sustentáveis é cada vez mais valorizada, o que força as empresas dependentes de combustíveis fósseis a se reinventar e buscar medidas para diminuir seu impacto ambiental, como é o caso da Petrobrás, que criou, em 2008, a subsidiária “Petrobrás Biocombustível”, responsável pela produção de biocombustíveis com responsabilidade social e ambiental3. Outro exemplo positivo da adoção de práticas ESG nas empresas do setor de infraestrutura é o da Cosan, que, além das questões ambientais de redução das emissões de carbono4, se preocupou também com as questões ligadas à governança, propondo mais transparência através de uma estrutura societária mais simples, além de dar o mesmo direito de voto a todos os investidores5.

Por outro lado, diante dos escândalos de corrupção conexos à Operação Lava-Jato e envolvendo grandes empresas do setor, se tornou imprescindível valorizar as práticas de boa governança corporativa e compliance, inclusive para mostrar ao mercado as  mudanças relevantes conduzidas pelas empresas. Pensando nisso, o Ministério da Infraestrutura criou, por meio da portaria nº 102/206, o Selo Infra+ Integridade que visa premiar empresas do setor de infraestrutura de transportes que zelem pela integridade institucional e pública, representando assim um avanço na adoção das práticas ESG no setor. Vale ressaltar que essa iniciativa é similar ao Agro+ Integridade, criada pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.

Além dos benefícios internos às empresas e para o mercado, a adoção das práticas ESG pode facilitar financiamentos e empréstimos para projetos de infraestrutura. O Santander, a título de exemplo, criou uma linha de crédito de R$ 5 bilhões para projetos em saneamento básico que cumpram as métricas ESG, o que representa um avanço enorme e um estímulo oportuno na valorização desses critérios7.

O momento mais do que nunca requer investimento em infraestrutura e as empresas não devem perder a oportunidade de modernizar e expandir ativos neste setor sob novos padrões de investimentos ESG. Essa é a sinalização das gestoras de investimento em private equity, como a IG4 Capital, na pessoa do seu CEO, Paulo Mattos.

De modo a orientar e unificar os parâmetros de medição de práticas ESG e criar uma métrica global, como ressaltado no nosso artigo anterior, as quatro maiores empresas de auditoria do mundo (PwC, Delloite, E&Y e KPMG) lançaram, em setembro de 2020, um relatório (White Paper) internacional com os pilares e princípios norteadores que devem ser buscados pelo mercado: Princípios de Governança, Planeta, Pessoas e Prosperidade8.

Pode-se sugerir, para o setor de Infraestrutura, nos termos dos parâmetros fixados no relatório, as seguintes proposições:

1) No pilar de “Prosperidade”, investimentos em infraestrutura e serviços públicos essenciais são indicados como fatores importantíssimos de contribuição econômica para o crescimento do emprego e da geração de riqueza e prosperidade a longo prazo, bem como para a vitalidade social da comunidade. Serão medidos, entre outros fatores, a extensão do desenvolvimento dos investimentos em infraestrutura, os impactos positivos ou negativos correntes e esperados nas comunidades e economias locais.

2) No tema “Planeta”, destaca-se a importância de acesso a água potável e saneamento básico como um direito humano básico e essencial. Também propõe-se a revisão nos planos de descarte de resíduos sólidos, além da adoção de políticas para a diminuição da emissão de gases do efeito estufa e outros, de modo a combater a poluição do ar. Nesse contexto, o novo marco regulatório do saneamento objeto da Lei Federal n. 14.026/2020 (publicada em 16.07.2020) impulsionará o setor e a economia brasileira, com projeções e metas para a infraestrutura e para a universalização de serviços para a população brasileira.  

3) Quanto à governança, sugere-se a adoção de políticas anticorrupção, por meio da promoção de treinamentos internos para os colaboradores, mensuração dos incidentes de corrupção enfrentados pelas companhias e a discussão de iniciativas e engajamento dos acionistas de modo a desenvolver um ambiente interno e externo de combate à corrupção.

4) No aspecto social, especificamente sobre “Pessoas”, aconselha-se a busca pela igualdade de gênero e racial entre os colaboradores, bem como a equidade salarial e a adoção de políticas visando o respeito aos direitos humanos, o combate ao trabalho infantil e o análogo a escravidão.

Sabe-se que os desafios são numerosos, mas é certo que o setor de infraestrutura, pela relevância que protagoniza no cenário nacional e por meio da incorporação da agenda ESG em suas práticas, impulsionará a adoção dessa pauta por outros setores da economia, fomentando o amadurecimento de um novo patamar de mercado, em que o sucesso dos negócios será significativamente influenciado pela materialização de critérios ESG.

Para saber mais sobre as práticas ESG, acompanhem a nossa série de artigos semanais!

  1 GOVERNO FEDERAL – MINISTÉRIO DA ECONOMIA. Retomada Econômica no pós-covid: o investimento em infraestrutura como indutor de prosperidade. Disponível em: https://www.gov.br/economia/pt-br/canais_atendimento/imprensa/artigos/2020/retomada-economica-no-pos-covid-o-investimento-em-infraestrutura-como-indutor-de-prosperidade. Acesso em: 04 nov de 2020. 

  2 THE GUARDIAN. BlackRock votes against 49 companies for lack of climate crisis progress. Disponível em: https://www.theguardian.com/business/2020/sep/17/blackrock-votes-against-49-companies-for-lack-of-climate-crisis-progress. Acesso em 11 nov de 2020.

 3 PETROBRÁS. Produção de Biocombustíveis. Disponível em: https://petrobras.com.br/pt/nossas-atividades/areas-de-atuacao/producao-de-biocombustiveis/. Acesso em 24 out de 2020.

  4 VALOR ECONÔMICO. Cosan define metas de redução de emissão de gás carbônico para Raízen e Rumo até 2030. https://valor.globo.com/empresas/noticia/2020/07/03/cosan-define-metas-de-reduo-de-emisses-de-gs-carbnico-para-razen-e-rumo-at-2030.ghtml

  5 CAPITAL RESET. Na cosan reestruturação societária vem com nova roupa ESG. Disponível em: https://www.capitalreset.com/na-cosan-reestruturacao-societaria-vem-com-nova-roupa-esg/. Acesso em 24 out de 2020.

  6 DIÁRIO OFICIAL DA UNIÃO. Portaria nº 102 de 23 de Julho de 2020. Disponível em: https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-n-102-de-23-de-julho-de-2020 268438097#:~:text=Disp%C3%B5e%20sobre%20o%20%22Selo%20Infra,p%C3%BAblica%2C%20nos%20termos%20desta%20Portaria. Acesso em 24 out de 2020.

  7 VALOR ECONÔMICO. Santander cria linha de 5 bilhões para projetos em saneamento básico. Disponível em: https://valor.globo.com/financas/noticia/2020/07/21/santander-cria-linha-de-r-5-bi-para-projetos-em-saneamento-bsico.ghtml. Acesso em 24 out de 2020.

  8 WE FORUM. Measuring Stakeholder Capitalism Report 2020. Disponível em: http://www3.weforum.org/docs/WEF_IBC_Measuring_Stakeholder_Capitalism_Report_2020.pdf. Acesso em 30 out de 2020.