Mês da Mulher / Série Comemorativa de Artigos | O direito de laje e descerramento de novas fronteiras


Mês da Mulher / Série Comemorativa de Artigos | O direito de laje e descerramento de novas fronteiras


Por Alessandra Lima Ganz*

“Direito de laje” consiste na possibilidade de coexistência de unidades imobiliárias autônomas de titularidades distintas situadas em uma mesma área, de maneira a permitir que o proprietário ceda a superfície de sua construção a fim de que terceiro edifique unidade distinta daquela originalmente construída sobre o solo.

Desde a promulgação da Lei nº 13.465, de 11 de julho de 2017, muito se discute a respeito da inovação jurídica do ‘direito de laje’. Juristas estão em meio a verdadeiros embates semânticos e hermenêuticos, a fim de encontrar respostas objetivas para as indubitáveis brechas que os legisladores legaram.

Ademais, a debatida lei reacendeu a discussão sobre reordenamento urbano, dos idos de 1990 e 2000, havida entre movimentos sociais – que hasteavam a bandeira da necessária democratização da propriedade – e economistas e sociólogos, sempre atados ao mote que a legalização de comunidades estimularia a economia e promoveria a inclusão social.

Alheio às lacunas, às potenciais impropriedades do texto legal (inclusive da nomeação ‘laje’) e às discussões acerca das sequelas decorrentes do advento da mencionada lei, é evidente que o propósito foi propiciar, senão fomentar, a regularização imobiliária, a menores custos e reduzidas burocracias, especialmente das áreas economicamente desfavorecidas nas quais é praxe construir e negociar sobrelevações.

Porém, mesmo diante desse propósito tão evidente, não é possível desprender o intuito da lei de dinamizar a economia, mesmo através da facilitação do acesso ao crédito que o título jurídico-real ordinariamente confere.

Assim, fica claro que o ‘direito de laje’ pode ser melhor explorado e utilizado como mecanismo e alternativa jurídica para situações diversas, aproveitando-se de processo jurídico simplificado e universal, e, além de tudo, aplicável a bens públicos (notadamente para a instrumentalização de políticas urbanas na construção ou melhoria das edificações existentes).

Importante frisar que o intuito não é de avaliar a natureza do ‘direito de laje’ – se é direito real sobre coisa alheia ou direito real sobre coisa própria – mas sim, trabalhar com sua essência e refletir sobre aplicações práticas interessantes, revelando benefícios dessa inovação e abrindo horizontes de possibilidades.

Nesse sentido, é de extrema relevância a garantia e a segurança jurídica daquele que recebe o ‘direito de laje’ (lajeiro) e a possibilidade que este tem de recuperar o bem, proporcionando um direito seguro, livre de injustiças ou arbitrariedades, sem contar no poder de disposição para alienação, oneração ou sucessão do referido direito.

Como tal, o ‘direito de laje’ não possui caráter meramente obrigacional, como na locação e no arrendamento – no ‘direito de laje’ fala-se em direito real, fala-se em propriedade.

O ‘direito de laje’ também se destaca em relação às várias formas de direito real sobre coisa alheia. Em comparação à servidão, não há parte dominante no ‘direito de laje’, pelo contrário: existe independência e correspondência de direitos.

Do mais, em relação ao usufruto e ao uso, o ‘direito de laje’ diferencia-se por reter valor comercial e, em decorrência, ser passível de transferência ou objeto de garantia – enquanto o usufruto e o uso não podem ser alienados, nem admitem transmissão sucessória, restringindo-se a vitaliciedade do usufrutuário ou usuário. Assim, o ‘direito de laje’ não impede o acesso a financiamentos, pelo simples fato que admite uma hipoteca, exempli gratia.

Tampouco, o ‘direito de laje’ está limitado a um direito temporário e limitado, como o direito de superfície. Ademais, o que é feito na laje (tal como uma construção) incorpora-se ao solo e não é tratado de forma autônoma.

Por fim, face à propriedade em condomínio edilício, o ‘direito de laje’ apresenta proteção dominial mais completa, uma vez que a propriedade sobre a construção é plena e exclusiva do lajeário, não havendo copropriedade (ou ‘sociedade’, na acepção mais genérica) que se estabeleça entre as partes – como no condomínio edilício, em que os proprietários participam da fração ideal do terreno.

Ou seja, o ‘direito de laje’ oferece segurança jurídica, como ocorre com a locação ou o arrendamento, com a enfiteuse, com o condomínio edilício, ou, mesmo, com a concessão de direito de usufruto ou uso, porém com outros benefícios, pois nesses a posse é exercida de forma limitada.

Assim, diante desse cenário, talvez essa seja a ferramenta necessária para trabalhar situações que atualmente encontram entraves, como: a exploração de um imóvel público, sem a perda de sua essência primordial; a realização de várias locações ou garantias sobre áreas delimitadas e localizadas; destinação a vários outros projetos, em definitivo, entre outros.

Em resumo, o ‘direito de laje’ pode ser a resposta à busca da configuração do imóvel como realidade concreta e jurídica, no qual não se pretenda a constituição de condomínio ou não seja possível a divisão convencional, situação em que seja necessária a criação de duas singularidades autônomas, com matrículas e descrições próprias.

De qualquer forma, é inegável que muito ainda se tem a discutir a respeito da Lei nº 13.465/2017, quiçá, até mesmo, aguardar regulamentação ou readequação de seus termos, sem contar a pendência de orientação das prefeituras municipais. Entretanto, o ‘direito de laje’ tem relevo promissor e pioneiro.

* Alessandra Lima Ganz é advogada coordenadora da equipe de Direito Imobiliário do Azevedo Sette São Paulo, que é formada apenas por mulheres, filha de Neuza.

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