Os distratos e o impacto no mercado imobiliário


Os distratos e o impacto no mercado imobiliário


Por: *Adriana Zalewski, Alessandra Lima Ganz e Leonardo Moreira Costa de Souza

Entre 2008 e 2010, a economia brasileira apresentava sinais de prosperidade. O cenário era de uma economia fortalecida e estável, com melhor empregabilidade, maior renda e confiança do consumidor, e com o crédito imobiliário em franca expansão. Essas características garantiram condições propícias para o investimento em imóveis.

Contudo, nos idos de 2013, a economia brasileira começou a dar sinais de desaquecimento. Em 2014, mesmo com as várias obras de infraestrutura nas cidades-sede da Copa do Mundo, já se ouvia falar em supervalorização dos preços dos imóveis e desaceleração da construção para se adequar à queda de demanda.

Desde 2015, a situação do mercado imobiliário brasileiro agravou-se diante do enfraquecimento da economia nacional, das incertezas na política, sem contar o aumento das taxas de juros para financiamento de imóveis decorrente da grande retirada da caderneta de poupança e depósitos mais limitados nesta, que é a maior fonte de financiamento imobiliário do país.

Assim, o resultado não poderia ser outro: graças ao endividamento de grande parte da população por força de aumentos de preços, problemas econômicos e desemprego, a inadimplência aumentou consideravelmente, a consequência direta no setor imobiliário foi o aumento do número de tentativas de cancelamentos de contratos de venda e compra de imóveis, em especial de futuras unidades residenciais (imóvel na planta), denominados erroneamente de “distratos”.

Para avaliação desse tema, é imprescindível manter em relevo um dos princípios norteadores da relação contratual: a função social do contrato, como forma limitadora da autonomia da vontade das partes contratantes, a impedir o confronto com o interesse social. A aplicação desse princípio pode revestir-se de intervenção estatal na confecção e interpretação dos instrumentos contratuais, para que esses tenham além da função de promover os interesses dos contratantes, importância para toda a sociedade, a qual vem sendo interpretada, de maneira não homogênea, pelo Poder Judiciário.

Quem contrata visa segurança, estabilidade e previsibilidade, porém em toda a contratação existe o risco de inadimplência. E, exatamente em cenários de descrença econômica, foram criadas icônicas alternativas jurídicas e exemplos da aplicação da função social do contrato – como o crédito consignado, a alienação fiduciária em garantia e o patrimônio de afetação – que permitiram a concessão de crédito e a diminuição da inadimplência.

Os “distratos” carecem de regulamentação, já que: se por um lado, na situação atual, são necessários aos consumidores que não têm condições de arcar com os valores contratados, por outro, realizados em larga escala influenciam diretamente nos resultados dos incorporadores, afetando, em médio e longo prazo, o consumidor em potencial e capaz de se manter adimplente, na medida em que os preços fatalmente serão aumentados e o crédito disponível restará reduzido, com elevação da taxa de juros.

Isso acontece porque, mesmo antes do início da obra propriamente dita, os empreendimentos imobiliários implicam em custos. Por exemplo, na fase pré-marketing, após a formatação do produto imobiliário, inicia-se um trabalho prévio de apresentação aos corretores e eventuais clientes, que dura em média até 3 mmeses e representa custos à razão de 3% a 6% do valor do empreendimento. Durante o lançamento, que pode levar até 12 meses, o incorporador busca o máximo de vendas, a fim de reduzir o impacto dos elevados custos de obra, porém incidem diversas despesas, especialmente de corretagem, que representam de 3% a 5% do valor de venda das unidades do empreendimento.

Normalmente, em casos de “distrato”, verifica-se nos contratos de compra e venda a possibilidade do incorporador descontar os custos havidos até então, antes de devolver as parcelas pagas ao consumidor. Ocorre que, muitas vezes, as parcelas pagas não são suficientes sequer para cobrir os custos relativos à venda da unidade em questão. Assim, um “distrato” isolado, via de regra, não afeta a situação financeira do empreendimento, porém uma avalanche de “distratos” pode refletir no preço das futuras unidades e causar um impacto negativo na própria economia.

Nesse sentido, deve-se encontrar um equilíbrio: a cláusula de perdimento de valores não pode prever retenção manifestamente excessiva, devendo ser determinada a redução da cláusula penal quando extremamente desvantajosa ao consumidor; porém o “distrato” também não pode funcionar como mero direito de arrependimento do consumidor, às custas do incorporador, implicando em efeitos econômicos adversos.

É necessário buscar a harmonização dessa relação, para que não haja um número excessivo de “distratos”, resultando em instabilidade contratual e, até mesmo jurídica, que indubitavelmente prejudica a economia no geral. Assim, enquanto não há a tão aguardada normatização a respeito do tema, a função social do contrato precisa ser ponto de atenção tanto de incorporadores, no momento de elaborar os contratos, como de consumidores ao avaliar a abrangência da cláusula penal, ainda que recorrendo ao Poder Judiciário.

A equipe especializada em Direito Imobiliário do Azevedo Sette encontra-se à disposição dos seus clientes para auxiliar na realização dessa avaliação e assessoramento nas questões contratuais e processuais relacionadas.

*Adriana Zalewski e Alessandra Lima Ganz são advogadas da área Imobiliária e Leonardo Moreira Costa de Souza é sócio no Azevedo Sette Advogados.