Não cumulatividade no atual Sistema Tributário Brasileiro e a abrangência plena no contexto da Reforma Tributária


Não cumulatividade no atual Sistema Tributário Brasileiro e a abrangência plena no contexto da Reforma Tributária


A não cumulatividade é um conceito fundamental nos sistemas tributários de diversos países, incluindo o Brasil, onde é aplicada em alguns tributos, e nos países que adotam o Imposto sobre o Valor Adicionado (IVA), onde geralmente é utilizada em sua forma “plena”.

O princípio da não cumulatividade busca evitar a incidência do tributo sobre o mesmo valor em diferentes etapas da cadeia produtiva, e se operacionaliza por meio da compensação em escrita fiscal ou pelo ressarcimento. Dessa forma, os tributos pagos nas etapas anteriores podem ser compensados, permitindo que o tributo seja calculado apenas sobre o valor agregado em cada fase do processo produtivo, ou, em caso de excesso de créditos em relação aos débitos, ressarcidos aos contribuintes.

Contudo, a não cumulatividade aplicada no Brasil destoa do modelo aplicado nos demais países na medida em que a legislação nacional traz delimitações em relação às hipóteses de aproveitamento do tributo pago na cadeia anterior na forma de crédito, bem como à metodologia de cálculo do tributo “por dentro”, exclusivamente prevista pela legislação do Brasil.

Assim, é preferível afirmar que a não cumulatividade característica do sistema brasileiro é “parcial”, devido aos resíduos tributários que se acumulam ao longo da cadeia de consumo, em detrimento do modelo de não cumulatividade plena, idealizado pela Reforma Tributária.

A partir da substituição dos atuais tributos incidentes sobre o consumo (PIS, COFINS, IPI, ICMS e ISS) pela Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e pelo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) baseados no modelo de Imposto sobre o Valor Adicionado (IVA), a PEC 45-A pretende garantir a não cumulatividade plena, em linha com o modelo adotado por muitos países ao redor do mundo.

No modelo de IVA dual proposto, o tributo é calculado apenas sobre o valor adicionado em cada etapa da cadeia produtiva, permitindo uma compensação integral dos tributos pagos nas etapas anteriores. Isso torna o sistema mais simplificado e eficiente, evitando distorções setoriais, eliminando as nuances preconizadas pelas legislações de cada tributo sobre o consumo, e eliminando a chamada "cascata de tributos" ao longo da cadeia produtiva. Isso pode ser observado no texto do artigo nº 156-A, §1º, inciso VIII do texto submetido:

Art. 156-A. Lei complementar instituirá imposto sobre bens e serviços de competência dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

§ 1º O imposto previsto no caput atenderá ao seguinte:

(...)

VIII – com vistas a observar o princípio da neutralidade, será não cumulativo, compensando-se o imposto devido pelo contribuinte com o montante cobrado sobre todas as operações nas quais seja adquirente de bem, material ou imaterial, inclusive direito, ou serviço, excetuadas exclusivamente as consideradas de uso ou consumo pessoal, nos termos da lei complementar, e as hipóteses previstas nesta Constituição;

O Parecer do Relator frisou que “a intenção derivada desta Emenda Constitucional é garantir a não cumulatividade plena, isto é, o direito de o contribuinte compensar do IBS e da CBS devidos o montante desses tributos cobrado em todas as operações que concorram para sua atividade econômica, independentemente se ligadas à função administrativa ou à atividade fim da empresa”.

Entretanto, como se pode verificar no texto acima, foram excetuadas da não cumulatividade as operações com bens, direitos ou serviços considerados de uso ou consumo pessoal, nos termos da lei complementar, sem, entretanto, esclarecer o conceito trazido. Essa omissão pode ensejar a interpretação e aplicação equivocada ou deturpação do conceito em lei complementar, gerando cumulatividade prejudicial.

Aliás, esse receio é justificado se revisitarmos a edição da Lei Complementar 87/86 (Lei Kandir) que, ao regulamentar a não cumulatividade prevista para o ICMS pelo artigo 155, §2º, inciso I, cerceou o direito de crédito do imposto recolhido anteriormente a partir dos critérios determinados pelo legislador infraconstitucional.

Vale destacar que, por meio da adoção do princípio de tributação no destino, a Reforma Tributária preserva a imunidade das exportações e o acumulo de créditos pelo exportador, bem como sinaliza que lei complementar regulamentará mecanismo de ressarcimento de créditos acumulados nessa hipótese.

Não obstante, importa salientar que o Imposto Seletivo (IS), também inaugurado pela PEC 45-A, escapa ao modelo da não cumulatividade plena, de forma que a sua incidência implicará o acumulo tributário que tanto se busca evitar ao longo da cadeia.

Ademais, o texto prevê que a não cumulatividade “plena” não alcançará as isenções e demais imunidades (com exceção das exportações), pelo que deverão ser anulados os créditos relativos às operações anteriores, salvo, na hipótese da imunidade, quando determinado em contrário em lei complementar.

Esses conceitos deixados em aberto trazem incertezas a respeito do poder de cerceamento concedido ao legislador complementar.

Como se observa, a implementação de um sistema de não cumulatividade plena, como o IVA dual, requer uma estrutura tributária sólida e bem coordenada, além de uma capacidade administrativa eficiente para garantir a correta aplicação das regras. Além disso, a transição de um sistema tributário já estabelecido para a adoção do IVA dual proposto pode ser complexa e requerer um planejamento cuidadoso para evitar impactos negativos sobre a economia, principalmente em relação ao alcance da tão idealizada não cumulatividade plena.