Agilidade e criatividade para solução de conflitos judiciais: descomplicando o papel do atual profissional de contencioso


Agilidade e criatividade para solução de conflitos judiciais: descomplicando o papel do atual profissional de contencioso


Por Lucielly Matos Oliveira

De acordo com o Conselho Nacional de Justiça, o Poder Judiciário do Brasil finalizou o ano de 2022 com 81,4 milhões de processos em tramitação¹. Esse estudo também aponta relevante crescimento no número de demandas judiciais desde 2020, fato atribuível, dentre outras causas, à pandemia de COVID-19 vivenciada em todo o mundo. Se considerarmos que em 2022, segundo o IBGE, a população brasileira era de 203.062.512 habitantes², é possível estimar, com base nesses dados, uma média de mais de 2.000 processos por pessoa. 

Não é difícil concluir que este cenário reflete diretamente no tempo de espera para solução de um caso. No Brasil, um processo que tramita em meio físico demora em média 10 anos para ser solucionado, enquanto uma ação que tramita em meio eletrônico demora cerca de 3 anos e meio³. 

O mundo dinâmico que experienciamos exige respostas rápidas. Assim, a capacidade de responder rapidamente às inúmeras interações que esse dinamismo traz impõe necessária reflexão sobre alternativas à indesejável morosidade da Justiça. Especialmente nos negócios, aliás, isso é uma questão de sobrevivência das empresas. 

Embora, até aqui, nada do que foi dito seja inédito e, justamente por isso, os meios alternativos à solução de conflitos estejam ganhando cada vez mais espaço, nossa proposição neste artigo visa abordar as habilidades pessoais do profissional de direito na solução do conflito judicial. 

Há situações em que a judicialização é inevitável e, para isso, faz-se indispensável a competência técnica do profissional que representará os interesses das partes. Mas as partes não podem mais contar com o modelo tradicional de assessoria jurídica para detectar ameaças e oportunidades no contexto do processo judicial. 

O aconselhamento jurídico adequado ao mundo moderno pressupõe pensamento estratégico alinhado com a necessidade de respostas rápidas (agilidade) e, ainda, de adaptação às mudanças (adaptabilidade). 

A observação dos advogados de contencioso para o conflito judicial exige habilidades pessoais – as chamadas soft skills – para que, separando-se da visão estritamente técnica e processual, possa visualizar soluções ágeis e criativas. E essas habilidades são treináveis, ou seja, os interessados podem aprender e desenvolver suas competências pessoais.

Exemplos práticos de soluções ágeis e criativas podem ser associados ao compartilhamento das decisões estratégias e à cocriação. É extremamente relevante a comunicação contínua com o cliente, a renovação da indagação e a reflexão sobre o motivo pelo qual um determinado assunto foi judicializado, o quanto ele afetou ou afeta o negócio do cliente, tudo para identificar como o processo judicial ainda pode ser útil, a despeito de eventuais mudanças nas respostas para aqueles questionamentos. 

Em grande escala, o gerenciamento estratégico dos conflitos judiciais a partir da identificação das suas causas e o mapeamento das opções de soluções pode trazer significativo resultado para a operação de um negócio, bem como auxiliar na redução sustentável da judicialização e dos seus respectivos custos.

O profissional de direito deve agir com enfoque prospectivo, auxiliando as partes a enxergarem o processo judicial para além de uma ferramenta de realização do direito material, como oportunidade de resolução efetiva, com maior chance de adesão e cumprimento das soluções construídas nesse espaço. 

A busca pela consciência e sensibilidade constitui exercício prático para estimular a criatividade. Essa sensibilidade, contudo, não é de ordem subjetiva ou emocional.  A sensibilidade, como vetor da criatividade, aplicável à solução de um conflito judicial, é uma habilidade que pode ser praticada, de modo palpável, e que se traduz em resultados materiais. 

O aperfeiçoamento das habilidades pessoais é, ainda, imprescindível para garantir a indispensabilidade do profissional de direito frente à otimização de suas funções com ferramentas tecnológicas. 

Sem sombra de dúvidas, a assessoria jurídica em contencioso no mundo moderno exige respostas rápidas para grandes desafios e conhecimento multidisciplinar para soluções criativas aos conflitos judiciais. 

Quanto mais os advogados e as advogadas expandirem o repertório sociocultural e econômico, não perseguindo apenas conhecimento técnico, mais desenvolverão os processos mentais racionais que, associados à capacidade humana de sentir, multiplicam as percepções sobre o mesmo fato e potencializam a criatividade, tornando-a grande aliada para a solução dos conflitos judiciais que, no Brasil, ainda levam muito tempo para serem resolvidos pelo Estado Juiz.

¹ https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2024/02/justica-em-numeros-2023-16022024.pdf, acesso em 24/03/2024. 

² https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/37237-de-2010-a-2022-populacao-brasileira-cresce-6-5-e-chega-a-203-1-milhoes, acesso em 24/03/2024.

³ https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2024/02/justica-em-numeros-2023-16022024.pdf, acesso em 24/03/2024.