Série Saneamento Básico | Vetos no Novo Marco Legal do Saneamento


Série Saneamento Básico | Vetos no Novo Marco Legal do Saneamento


Após dois anos de tramitação e muitas negociações políticas, o novo marco legal do saneamento finalmente foi aprovado e sancionado pelo Presidente da República, na forma da Lei Federal nº 14.026/2020. No intervalo entre a aprovação pelo Senado e a sanção em 15/07/2020, muito se especulou a respeito de possíveis vetos presidenciais decorrentes não apenas de questões constitucionais e de interesse público, mas, também, de entendimentos com o Congresso Nacional para garantir uma aprovação pelo Senado que não demandasse o retorno do projeto de lei à Câmara dos Deputados.

Publicada a lei no Diário Oficial da União, verificaram-se os seguintes vetos com impacto mais relevante no futuro desenvolvimento de projetos:

• Reconhecimento e prorrogação de contratos de programa: talvez o mais importante – e surpreendente – veto diz respeito à possibilidade de, até 31/03/2022, (i) serem reconhecidas as situações de fato da prestação de serviços de saneamento (nos caos em que contratos não foram assinados ou que a sua vigência já tivesse expirado) como contratos de programa, e (ii) a renovação destes contratos e dos contratos de programa regularmente celebrados e em vigor pelo prazo máximo de 30 (trinta) anos. A justificativa atribuída ao veto foi de que a prorrogação por 30 (trinta) anos postergaria por prazo demasiado o status quo, indo de encontro ao propósito do marco de permitir a competitividade no setor de saneamento por meio de licitações e formalização de contratos de concessão. O tópico já está sendo discutido pelas estatais de saneamento e certamente levará a embates no âmbito político e judicial;

• Equalização entre o saneamento básico e resíduos sólidos: foram vetados dispositivos que limitavam a aplicação de dispositivos relativos à contratação de consórcios públicos e diretrizes nacionais do saneamento apenas aos serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitários, com a exclusão das atividades de limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos. Com isso, buscou-se equalizar os dispositivos aplicáveis aos setores mencionados, reduzindo a insegurança jurídica e fomentando a atração de investimentos com o foco de permitir a universalização de serviços de qualidade; 

• Licenciamento ambiental: foram vetados dispositivos que conferiam aos Municípios a competência para promover o licenciamento ambiental de atividades de saneamento básico, bem como conferiam a tais pedidos de licença tratamento prioritário. Em ambos os casos os vetos decorreram de questões formais, notadamente o descompasso com dispositivos de Lei Complementar nº 140/2011.

• Autonomia municipal: a faculdade conferida aos Municípios para participar, ou não,  na prestação regionalizada (modalidade em que os serviços abrangem o território de mais de um município, seja em região metropolitana ou agrupamentos de municípios limítrofes ou não) foi vetada, considerando dispositivos constitucionais sobre a interação obrigatória entre os municípios em regiões metropolitanas, microrregiões e aglomerações urbanas;

• Flexibilização dos limites da subdelegação: dispositivo que ainda será objeto de análises profundas e – possivelmente, discussões doutrinárias e judiciais – diz respeito à faculdade conferida aos prestadores de serviços, mediante aprovação expressa do titular, de subdelegar o objeto de seu contrato, observado limite de 25% do valor do contrato. Entre as exceções previstas no projeto de lei, foi vetado dispositivo que dispensava a observância do mencionado limite nos casos em que o prestador se comprometesse a reverter o valor recebido a título de subdelegação para investimentos na universalização do saneamento ou para pagamento de incentivos aos servidores públicos das estatais que aderissem ao programa de desligamento voluntário; e

• Pagamento de indenização em caso de privatização: o novo marco permite que os contratos de concessão ou de programa celebrados com as estatais de saneamento permaneçam em vigor mesmo no caso de sua privatização, inclusive sem a necessidade de anuência prévia dos titulares dos serviços caso não seja necessário fazer ajustes em tais contratos. Foi vetado dispositivo que tratava da hipótese de ajustes serem necessários sem que houvesse concordância dos titulares dos serviços. As regras vetadas permitiam a assunção dos serviços pelos titulares, mediante o pagamento de indenização pelos investimentos em bens reversíveis ainda não amortizados. O argumento para o veto foi o possível conflito com os dispositivos sobre esse tema já constantes da Lei Geral de Concessões, bem como impossibilidade prática do cálculo da indenização nos moldes previstos na lei.

Outros dispositivos vetados são dignos de nota, porém apresentam um impacto reduzido na finalidade da universalização dos serviços de saneamento, sendo voltados, primordialmente, para questões internas da União: 

• Apoio com recursos federais e estaduais: dispositivos que obrigavam a União e os Estados a apoiar os Municípios técnica e financeiramente tanto com a universalização do saneamento básico quanto com a disposição ambientalmente adequada de rejeitos foram vetados por motivos formais, sendo dado destaque ao fato de que o apoio obrigatório da União previsto na lei já vinha sendo oferecido muito antes da sua aprovação;

• Conselho Nacional de Recursos Hídricos: a outorga de novas competências ao Conselho Nacional de Recursos Hídricos, notadamente de acompanhar a execução do Plano Nacional de Saneamento Básico e acompanhar a regulação do saneamento no Brasil foi vetada por questões meramente formais;

• Preferência a fornecedores: dispositivo que permitia que os contratos de distribuição de água pudessem prever a vinculação a determinados fornecedores para solucionar questões de atendimento inadequado foi vetado por incompatibilidade com a Constituição Federal, em especial com os princípios da isonomia, vantajosidade e impessoalidade; e

• Alteração de títulos de cargos: foi vetada a alteração de nomenclatura de cargos públicos relacionados aos serviços de saneamento em virtude da insegurança jurídica resultante da alteração da redação de normas que diziam respeito a gratificações que posteriormente foram transformadas em subsídios.

Em razão da relevância de alguns dos vetos, não é possível afirmar que a redação final da Lei Federal nº 14.026/2020 já é conhecida. Assim, espera-se que os vetos presenciais sejam debatidos no Congresso Nacional e que ações judiciais questionando a constitucionalidade de dispositivos aprovados e vetados sejam apresentadas ao Supremo Tribunal Federal.