Série Saneamento Básico | Resíduos sólidos no Novo Marco do Saneamento


Série Saneamento Básico | Resíduos sólidos no Novo Marco do Saneamento


Há muito debate sobre o tema saneamento tratando-se apenas de água e esgoto. Pouco se fala sobre resíduos sólidos. Entretanto, fruto de um grande esforço legislativo para consolidar a regulamentação de todo o setor, o Novo Marco Legal do Saneamento também tratou sobre a regulamentação para as atividades de limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos, integrando a legislação e trazendo importante avanço normativo.

Por ter sido editada posteriormente à atual Lei de Saneamento (Lei Federal 11.445, de 05.01.2007), ainda que em linha com os princípios fundamentais intrínsecos desta norma, muitos elementos da Política Nacional de Resíduos Sólidos (“PNRS”), instituída pela Lei Federal 12.305, de 02.08.2010, não se encontravam inteiramente articulados com o sistema e com as exigências impostas pelas diretrizes gerais do setor.

A PNRS tem como objetivo principal a prevenção e a redução na geração de resíduos, estabelecendo medidas como a educação social para consumo sustentável, criando instrumentos que priorizam a reciclagem e a reutilização dos resíduos sólidos e impondo a destinação ambientalmente adequada de rejeitos. Nesta linha, e como forma de proteger a saúde pública e preservar a qualidade ambiental, a PNRS determina que o Governo Federal, isoladamente ou em regime de cooperação com Estados, Distrito Federal, Municípios ou particulares, deverá promover a destinação final ambientalmente adequada dos resíduos sólidos.

O Novo Marco de Saneamento, ao tratar da PNRS, incluiu adaptações de menor complexidade, mas – como anteriormente afirmado – essenciais para a constituição de um ordenamento íntegro e coeso. São exemplos: (i) a imposição à Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico – ANA de contribuir para a articulação entre o Plano Nacional de Saneamento Básico (“Plansab”), a PNRS e o Plano Nacional de Recursos Hídricos; (ii) a inclusão, no Plansab, dos princípios e estratégias da PNRS; (iii) a integração do Sistema Nacional de Informações sobre a Gestão dos Resíduos Sólidos – SINIR, criado pela PNRS; e (iv) a inclusão das instalações integrantes dos serviços públicos de manejo de resíduos sólidos na regra que trata dos requisitos para licenciamento ambiental.

Alguns pontos trazidos pelo Novo Marco do Saneamento, entretanto, merecem especial atenção: 

A desvinculação da revisão dos Planos Municipais ao período de vigência do Plano Plurianual do município; 

A elaboração dos planos municipais de gestão integrada de resíduos sólidos sempre foi tema de bastante preocupação para os atores do setor. Embora a elaboração destes planos tenha sido imposta pela PNRS como condição para que os municípios tivessem acesso a recursos da União, ou para serem beneficiados por incentivos ou financiamentos de entidades federais de crédito ou fomento para tal finalidade, até a presente data, poucos municípios elaboraram seus planos. Alheio a esta discussão, todavia, o Novo Marco do Saneamento estabelece exclusivamente que, para fins de revisão de seus planos de gestão de resíduos sólidos, os municípios deverão observar o prazo máximo de 10 anos, anteriormente fixado pela PNRS, como, prioritariamente, o período de vigência do plano plurianual municipal.

A prorrogação do prazo para adoção das medidas referentes à disposição ambientalmente adequada imposta pela PNRS; 

Outro ponto de atenção é a obrigatoriedade de adoção de mecanismos para a disposição final ambientalmente adequada a todos os resíduos sólidos coletados. 

É a própria PNRS que define o conceito de “destinação final ambientalmente adequada”, ao determinar que não mais poderão ser depositados em aterros sanitários todo e qualquer resíduo sólido decorrente das atividades humanas em sociedade, mas apenas os rejeitos que são o resultado dos resíduos sólidos, após terem sido submetidos aos processos de reutilização, reciclagem, compostagem, recuperação e aproveitamento energético previstos na PNRS.

O Novo Marco do Saneamento estendeu – como regra geral – para 31 de dezembro de 2020 o prazo para a adoção destes mecanismos de disposição final ambientalmente adequada, inicialmente fixado em quatro anos da sua promulgação, ou seja, agosto de 2014, prevendo que a União e os Estados devem conceder apoio técnico e financeiro para que os municípios atendam o prazo estabelecido em lei. 

Os municípios que já tenham elaborado plano intermunicipal de resíduos sólidos ou plano municipal de gestão integrada de resíduos sólidos, contudo, terão prazos diferenciados para cumprimento desta determinação, definidos entre 02 de agosto de 2021 e 02 de agosto de 2024, e aplicáveis de acordo com critérios como tamanho e localização do município, inclusão deste em região metropolitana, entre outros.

A criação de exceção à obrigação de disposição ambientalmente adequada; 

Adicionalmente, o Novo Marco do Saneamento determinou que, nos casos em que a disposição de rejeitos em aterros sanitários seja economicamente inviável, poderão ser adotadas outras soluções, desde que observadas normas técnicas e operacionais estabelecidas pelo órgão competente. Essas soluções deverão, igualmente, buscar evitar danos ou riscos à saúde pública e à segurança e a minimizar os impactos ambientais. Esta medida visa auxiliar municípios nos quais seja constatada a inviabilidade do ponto de vista econômico, frente aos benefícios ambientais gerados. Para estes municípios, a formação de arranjos regionais e consórcios intermunicipais demonstra-se fundamental – se não imprescindível – para viabilizar a implementação das medidas impostas pela PNRS.

A cobrança pelos serviços de limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos;

Por fim, destaca-se também a possibilidade da cobrança pelos serviços de limpeza urbana e manejo de resíduos, que, historicamente, segundo a própria exposição de motivos do Projeto de Lei que resultou no novo marco legal, tem enfrentado problemas para seu financiamento. Ainda que sua autorização já constasse da Lei 11.445/2007, a cobrança pela prestação de serviço de limpeza urbana e de manejo de resíduos sólidos, por meio de taxas ou tarifas, sempre foi bastante contestada sob o argumento de incompatibilidade dos instrumentos tributários delimitados e da indivisibilidade do serviço.

Nesse contexto, observado entendimento há muito já firmado pelo Supremo Tribunal Federal, o Novo Marco do Saneamento reforça as regras para a formação dessa cobrança, que deverá considerar a destinação adequada dos resíduos coletados e o nível de renda da população da área atendida para sua definição.

Um ponto de atenção aos municípios, ademais, é a determinação de que a não proposição dessa cobrança, no prazo de 12 meses do Novo Marco do Saneamento, configurará a renúncia de receita para fins da Lei de Responsabilidade Fiscal. Desta forma, o município que optar por não cobrar – ou falhar na implementação da cobrança – deverá demonstrar que a renúncia foi considerada na sua lei orçamentária e que não afetará suas metas de resultados, ou, alternativamente, adotar medidas de compensação, por meio do aumento de receita, proveniente da elevação de alíquotas, ampliação da base de cálculo, majoração ou criação de tributo ou contribuição.

Ainda sobre o tema, o Novo Marco do Saneamento autoriza a cobrança na fatura de consumo de outros serviços públicos e prevê a obrigação do titular dos serviços de demonstrar a existência de recursos para a sustentabilidade econômica, em caso de delegação dos serviços. 

Como apontamento final, destacamos a necessidade de se aprofundar a análise da utilização de contratos de programas para contratações de longo prazo entre municípios e empresas estatais na seara dos resíduos. A linha mestra da nova norma está claramente demonstrada no seu art. 1º (“vedar a prestação por contrato de programa dos serviços públicos de que trata o art. 175 da Constituição Federal”), mas o tema merece maior reflexão.

O Novo Marco do Saneamento surge, portanto, como um efetivo mecanismo de consolidação e integração de todo o setor de saneamento, abordando e solucionando, em teoria, importantes lacunas em relação à regulação das atividades envolvendo resíduos sólidos.