Impactos da COVID-19 para contratos em geral e, em especial, contratos de locação


Impactos da COVID-19 para contratos em geral e, em especial, contratos de locação


A pandemia de COVID-19 já tem trazido impacto direto às operações de diversos segmentos do varejo no Brasil. Este primeiro momento vem sendo marcado pela indispensável priorização da segurança dos clientes e dos colaboradores, o que tem levado diversos lojistas e shopping centers à adoção de medidas para minimizar a disseminação do vírus, dentre as quais a redução do horário de funcionamento, horário especial para o atendimento a idosos ou até mesmo o fechamento das lojas, essa última decorrente da imposição de algumas prefeituras e/ou governos estaduais.

O momento pelo qual estamos passando não encontra precedentes na história recente e certamente acarretará uma das maiores crises econômicas globais, ameaçando a viabilidade de inúmeras empresas. Tal cenário exige sensibilidade e razoabilidade de todos os envolvidos na cadeia econômica, de modo a garantir a sustentabilidade dos negócios, a manutenção dos empregos e o pagamento de tributos.

E isto é especialmente relevante no que diz respeitos aos contratos de locação, pois se tratam de relações continuadas, que representam um dos maiores custos fixos das operações de varejo.

Ocorre que a situação nova que se apresenta em razão da pandemia da COVID-19 não encontra, à primeira vista, solução pré-concebida no direito brasileiro, já que demanda, tão somente, um reequilíbrio pontual dos contratos até o restabelecimento do cenário de normalidade.

À primeira vista, seria possível cogitar o manejo da ação revisional típica, prevista nos arts. 68 a 70 da Lei de Locações. Todavia, tal procedimento se destina ao reequilíbrio das obrigações de médio prazo, haja vista que o art. 19 da Lei 8.245/91 prevê que a ação revisional somente pode ser proposta “após três anos de vigência do contrato ou do acordo anteriormente realizado”.

Logo, a adoção estrita da ação revisional poderá inviabilizar demandas de locatários que não preencham o requisito de três anos de vigência do valor do aluguel ou de um último ajuste de aluguel, ao mesmo tempo em que o locador estará sujeito a fixação de um aluguel abaixo do padrão de mercado por período superior ao necessário para o reequilíbrio contratual.

Em outras palavras, a ação revisional típica pode gerar iniquidades tanto para locadores como para locatários, de modo que não se revela como meio hábil à resolução dos novos desafios trazidos pela pandemia.

De igual modo, além de a pandemia da COVID-19 se enquadrar perfeitamente no conceito de acontecimento extraordinário e imprevisível, a queda de faturamento (e, sobretudo, a sua cessação, no caso de fechamento de lojas) é suficiente para a demonstração de que o valor do aluguel se tornou excessivamente oneroso para o locatário, com extrema vantagem para o locador.

Afinal, se a função social da locação comercial é o desenvolvimento de uma atividade empresarial no imóvel locado, parece inevitável a conclusão de que a redução das atividades do locatário acarreta perda de receitas necessárias para viabilizar o pagamento dos custos e das despesas da operação, o que inclui, por óbvio, o aluguel. 

Consequentemente, não se mostra razoável que o locador possa exigir integralmente o cumprimento do contrato quando o locatário se vê impossibilitado de exercer plenamente suas atividades, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis.

Não obstante, mesmo em tal hipótese, a resolução do contrato nos termos do que prevê o art. 478 do Código Civil é solução desproporcionalmente gravosa para uma situação em que o desequilíbrio é pontual. Ademais, a regra contida no art. 479 do Código Civil merece temperamento, pois se mostra excessivamente rigorosa a conclusão de que somente o réu (locador) poderia evitar a resolução, oferecendo a modificação equitativa dos termos do contrato.

A situação excepcional decorrente da pandemia recomenda espírito conciliador no tratamento das demandas entre locadores e locatários, de modo a evitar litígios desnecessários.

Todavia, na ausência de consenso, a própria constituição aponta um norte para questão, ao estabelecer no art. 5º, XXXV, que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. Assim, como não há uma solução prevista a priori na lei, cabe ao juiz o dever de reconstruir o sistema, adaptando o procedimento conforme as exigências do caso concreto, a fim de garantir a unidade e a coerência do ordenamento jurídico.

Nesse passo, se a Lei de Locações permite a revisão do aluguel para períodos de, no mínimo, três anos, com mais razão ainda deve-se admitir a revisão do aluguel para a superação de um período meramente transitório de desequilíbrio.

Na mesma esteira, se o Código Civil permite ao réu evitar a resolução do contrato por onerosidade excessiva propondo a modificação equitativa das obrigações, também parece óbvio que o próprio autor da demanda possa pedir de plano tal providência, sobretudo quando inexiste o interesse da parte no desfazimento da locação.

Assim, diante do presente cenário de pandemia, não recomendamos o ajuizamento da ação revisional e nem a de resolução por onerosidade excessiva. Todavia, conquanto o diálogo e a solução amigável sempre sejam o melhor caminho, entendemos cabível o ajuizamento de ação atípica com o objetivo de reduzir temporariamente o valor dos aluguéis em locações comerciais, até o restabelecimento do cenário de normalidade.