Série Saneamento Básico | Como ficam contratos vigentes e licitações em curso?


Série Saneamento Básico | Como ficam contratos vigentes e licitações em curso?


A preocupação com a segurança jurídica tem sido ponto recorrente nas proposições de alterações legislativas recentes, já que sua ausência é um dos maiores receios enfrentados pelos investidores. Como a tônica do momento é a criação de ordenamentos jurídicos capazes de fomentar a atração de investimentos para os setores de infraestrutura, o novo marco legal de saneamento – como não poderia deixar de ser – tratou de propor disposições voltadas à universalização dos serviços e capazes de dar ao setor uma maior estabilidade regulatória e clareza legislativa quando à titularidade, metas e obrigações, sem, contudo, deixar de resguardar a estabilidade dos contratos vigentes. Seria incoerente buscar conferir maior segurança jurídica ao setor de saneamento, ferindo-a nos contratos atuais. 

De acordo com o novo marco legal, os contratos de programa vigentes, desde que regularmente celebrados entre o titular dos serviços públicos de saneamento e a empresa pública ou sociedade de economia mista prestadora dos serviços, permanecerão em vigor até o advento do seu termo contratual. Esta mesma regra aplica-se aos contratos de concessão em vigor. 

A preservação desses contratos, no entanto, não se dá em prejuízo das exigências de cumprimento das metas de universalização dos serviços que garantam o atendimento de 99% da população com água potável e de 90% da população com coleta e tratamento de esgoto, até 31 de dezembro de 2033, de forma que se condicionou a manutenção da vigência desses contratos em vigor à comprovação da capacidade econômico-financeira da contratada para alcançar as referidas metas. 

Os contratos de programa e de concessão em andamento que não possuam obrigações para o atingimento das metas de atendimento, de cobertura e de prazo acima deverão ser aditados, até 31 de março de 2022, para viabilizar não só essa inclusão, mas também a inserção de metas quantitativas de não intermitência do abastecimento, de redução de perdas e de melhoria dos processos de tratamento. Nestes casos, é mandatório observar-se a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos.

Ademais, o legislador, atentamente, sabendo da realidade dos serviços de saneamento e que não se faz possível consertar as mazelas da situação atual do dia para noite, possibilitou aos titulares dos serviços traçar suas estratégias e definir, dentro de uma gama de alternativas legais, a forma da prestação dos serviços adequada ao o alcance das metas de universalização estabelecidas. 

Com isso e considerando as dificuldades práticas, o novo marco legal facultou às partes dos contratos de programa regularmente celebrados renovar a vigência destes contratos pelo prazo máximo de 30 anos, desde que isso seja feito até 31 de março de 2022, mediante acordo e com a devida comprovação da capacidade econômico-financeira da contratada para cumprir as obrigações e metas de universalização estabelecidas. 

Dentro dessa linha e observadas as mesmas condições colocadas acima, o novo marco legal também permitiu que os serviços públicos de saneamento básico que hoje prestados por empresa estatal de forma precária (isto é, sem lastro em contrato de programa ou cuja vigência esteja expirada), sejam reconhecidos e formalizados ou renovados, por meio da celebração ou renovação de contratos de programa.

Estas faculdades de renovação dos contratos e/ou de formalização das prestações irregulares também não se dão à revelia das metas de universalização. Por determinação legal, os reconhecimentos e as renovações estão condicionados à comprovação da capacidade econômico-financeira da contratada de cumprir as obrigatórias metas contratuais de atendimento de 99% da população com água potável e de 90% da população com coleta e tratamento de esgoto até a data de 31 de dezembro de 2033.

Importa notar aqui que a metodologia para comprovação da capacidade econômico-financeira da contratada ainda deverá ser regulamentada por decreto do Poder Executivo, e deverá considerar de alguma forma, em nossa visão, eventuais necessidades de recomposição do equilíbrio destes contratos. Situação interessante e que vale a menção diz respeito aos contratos já firmados, com lastro em procedimentos licitatórios, que tratem, individualmente, de água ou de esgoto. Nestes casos, a lei parece permitir a ampliação do escopo, por aditivo, para permitir a inclusão do serviço não prestado, se assim desejar o titular dos serviços, desde que em comum acordo com contratada e observado o equilíbrio econômico-financeiro do contrato.

Por fim, importa dizer que o novo marco do saneamento também tratou de conferir segurança jurídica às relações existentes e formalizadas, mesmo na hipótese de privatização das companhias estaduais de saneamento. 

Caso haja a alienação do controle acionário da companhia prestadora de serviços, os contratos de programa ou contratos de concessão por ela detidos poderão ser substituídos por novos contratos de concessão, observando-se o Programa Estadual de Desestatização, quando aplicável. Neste caso, especula-se se a questão relativa à dispensa de anuência prévia para a alienação da companhia estadual pelos entes públicos que formalizaram o contrato de programa, quando este não sofrer quaisquer alterações de escopo, regras contratuais ou prazo, será ou não objeto de veto pelo Presidente da República. 

Também em prol da segurança jurídica, o novo marco legal do saneamento determina que, em caso de alienação de controle das empresas estatais ou sociedades de economia mista, os contratos de parceria público-privada e as subdelegações por elas celebrados devem ser mantidos pelo novo controlador, devendo o titular dos serviços públicos de saneamento manter os prazos e condições do contrato de PPP ou de subdelegação, mediante sucessão contratual.

Um último ponto que merece atenção diz respeito à incidência do novo marco legal sobre as licitações em curso ou em planejamento ao tempo da publicação da lei. Muito embora a nova norma seja complexa e demande cuidadosa análise por parte de todos os stakeholders quanto à sua aplicação, não foi determinado um intervalo entre a sua publicação e o início de sua vigência. Com isso, entende-se que os editais já publicados e em vias de o serem, deverão ser adequados aos preceitos do novo marco – caso não tenham sido preventivamente ajustados considerando o texto em discussão no Congresso Nacional.

Há uma notável exceção, no entanto. O novo marco permitiu que os prestadores de serviços públicos de saneamento com lastro em contrato realizem licitações para subdelegar os serviços ou celebrar parcerias público privadas, observando-se um limite de 25% do valor contratado. Tal limitação, todavia, de acordo com o novo texto legal, pode ser ignorada pelos Municípios pertencentes a uma região metropolitana, com estudos em curso, desde que o contrato seja assinado em até um ano. 

Em suma, o novo marco regulatório do saneamento demanda análise e aplicação cuidadosa por todos os entes federados, agências reguladoras, e prestadores de serviços – sejam eles públicos ou privados – e seguramente demandará extensa regulamentação. Não obstante, é possível afirmar que o legislador teve êxito ao balancear a segurança jurídica dos prestadores atuais com a inovação e modernização do setor necessária para atrair novos atores, sempre com o objetivo de prestar serviços públicos de qualidade para a população, visando à universalização.