As Estatais de Saneamento hoje e amanhã


As Estatais de Saneamento hoje e amanhã


Pilares estruturais do setor de saneamento desde a sua organização pelo Plano Nacional de Saneamento – PLANASA, instituído e implementado na década de 70, as companhias estaduais de saneamento constituem tema fulcral na discussão do novo marco legal do saneamento básico, especialmente quando se leva em consideração a atual situação (operacional, técnica, econômica, financeira e estratégica para o País) e o seu futuro a partir do início da vigência das novas balizas do setor, tão logo ocorra a sanção do novo marco pela Presidência da República.

Desde seu início, as companhias estaduais atuaram no processo de universalização dos serviços de distribuição de água, o seu tratamento e a coleta de esgoto, beneficiando muita gente. Formaram um corpo técnico competente, qualificaram mão-de-obra e atuaram durante muitos anos como realizadoras dos investimentos necessários. Foram, portanto, de extrema importância para o País.

Com o passar dos anos e constantes mudanças no cenário político nacional, reiteradas crises econômicas, má gestão e falta de capacidade para investimentos, a grande maioria das companhias estaduais de saneamento, sobretudo aquelas localizadas em estados com menor desenvolvimento econômico, tornaram-se empresas deficitárias, endividadas, obsoletas, administradas com forte influência política e, por consequência, tornaram-se incapazes de realizar os vultuoso investimentos necessários para se alcançar a universalização dos serviços de saneamento em benefício da população.

Esta carência de capacidade das companhias estaduais foi, inclusive, uma das principais razões indutoras para se colocar em pauta há muitos anos a discussão acerca da necessidade de um novo marco legal para o saneamento.

Após a realização de alguns movimentos de privatização de determinados ativos no setor no final da década de 1990, modelados sob um cenário jurídico ainda imaturo na área do saneamento, rapidamente veio à tona a preocupação do setor privado em relação à segurança jurídica. Temas como a titularidade da competência para tratar do assunto, os serviços de saneamento em regiões metropolitanas, a relação dos municípios com as companhias estaduais, entre outros, passaram a ser um entrave na continuidade e incremento do interesse privado no setor.

Um pouco mais adiante, a partir do advento da lei das Parcerias Público Privadas - PPPs, uma nova janela se abriu para o setor privado, que enxergou na celebração de contratos de PPPs com as companhias estaduais uma alternativa viável para aproveitar determinadas oportunidades de investimento no setor de saneamento, além de concessões outorgadas diretamente por municípios que optaram por não firmar contrato de programa com as companhias estaduais. Neste cenário, alguns contratos foram licitados, celebrados e seguem vigentes, o que encorpou a discussão sobre a necessidade de um novo marco regulatório para o setor.

Muitas são, contudo, as dificuldades relativas à regulação dos contratos, diante das inúmeras entidades reguladoras (sem coordenação nacional), discussão sobre tarifas, garantias, processos de reequilíbrio econômico e financeiro, metas de investimentos, questões hidro-geográficas, políticas e ideológicas, entre outros temas que geram elevado nível de insegurança jurídica na visão da iniciativa privada, comprometendo, deste modo, o incremento da sua importante participação neste setor que requer bilhões de investimentos para que se alcance a universalização.

De forma resumida, este é o contexto que gerou o ambiente para se chegar recentemente a tão aguardada aprovação do novo marco do saneamento, sem, entretanto, ser respondida claramente a seguinte pergunta: 

Qual será o futuro das companhias estaduais de saneamento?

A resposta a essa questão é sempre polêmica e recheada de pressão política, ideológica e corporativa. Existe muito receio com os movimentos de privatização, principalmente, porém colocados de forma genérica, como a venda das companhias estaduais de saneamento para a iniciativa privada, o que, argui-se, acarretaria demissões, elevação de tarifas e a “mercantilização” da água. São colocações bastante comuns, enfrentadas em praticamente todos os processos de modelagem de projetos que envolvam contratos com a iniciativa privada, antes mesmo de se concluir qual será o modelo adequado à situação prática. Estes pontos também foram muito discutidos no curso do processo legislativo para a aprovação do novo marco.

No arcabouço legal que passará em breve a vigorar, resta claro o incentivo à participação da iniciativa privada no setor, por exemplo, quando extingue os contratos de programa e insere as companhias estaduais em igualdade de condições com as empresas privadas nos processos competitivos de concessão de serviços de saneamento.

Entretanto, o novo marco não deixou de tutelar e dar condições para as companhias estaduais se reestruturarem e sobreviverem, quando, entre outros aspectos, permitiu a regularização de contratos e a prorrogação dos contratos de programa atualmente existentes por até 30 anos, desde que atendidas determinadas metas.

Os legisladores, atendendo aos anseios da sociedade, mas sem deixar de interagir com todos os stakeholders, talvez não tenham chegado a uma solução definitiva para todos os problemas do setor, ao pleno atendimento das necessidades e pleitos da iniciativa privada ou a uma equação para se manter o modelo de plena manutenção de um setor com a eternização da prevalência de companhias estaduais. Alcançaram o que foi possível e, aparentemente, de forma equilibrada. Esta pode ser a grande virtude deste novo marco, uma Mediania Aristotélica aplicada ao setor do saneamento.

E é justamente nesse equilíbrio que enxergamos o futuro das companhias estaduais de saneamento.

Não acreditamos em um número elevado de privatizações no seu sentido estrito de alienar o controle de companhias estaduais de saneamento básico, diante dos grandes desafios envolvidos neste modelo, como, por exemplo, o tratamento a ser dado ao grande passivo existente nestas companhias, a resistência política, ideológica e social em determinadas regiões, a situação econômica e financeira deficitária e, até mesmo, a sua viabilidade e continuidade.

Apesar de não existir um único modelo a ser seguido, visualizamos no setor, a partir da sanção do novo marco, a intenção de as companhias estaduais firmarem maior número de contratos de parceria público privadas, o que provavelmente será bem recebido pela iniciativa privada, como já vinha ocorrendo, tendo em vista principalmente o fato de as PPPs comportarem diferentes modelagens (produção de água bruta, tratamento de água, coleta e tratamento de esgoto, com ou sem a gestão comercial, etc).

Por outro lado, é possível que determinadas companhias estaduais tenham contratos rescindidos se deixarem de atingir as metas de ampliação e universalização da cobertura dos serviços públicos de saneamento básico.

Ocorrerá a repaginação de todo o setor. Haverá companhias estaduais que conseguirão passar por processo de reestruturação e competir com a iniciativa privada e/ou contratar PPPs, reduzindo o seu escopo de atuação, tornando-se eficientes, enquanto outras poderão ser privatizadas integral ou parcialmente (cisões). Não ocorrerá, entretanto, o desaparecimento das companhias estaduais.