Vai-e-vem da vigência da LGPD e desafios de sua implementação


Vai-e-vem da vigência da LGPD e desafios de sua implementação


A relevância e a importância da Lei Geral de Proteção de Dados brasileira (Lei nº 13.709/18 – “LGPD”) vem sendo reforçada nos últimos tempos, principalmente em face da atual pandemia do novo coronavírus (COVID-19), que aumentou exponencialmente a vulnerabilidade de sistemas de informações de empresas e órgãos públicos, causando a ocorrência de incidentes de segurança e exposição de dados pessoais dos cidadãos. Ademais, a utilização de novas tecnologias para a prestação de serviços remotos – como a telemedicina e inovações no e-commerce – lança luz sobre a necessidade de se realizar o tratamento de dados pessoais de maneira legítima e adequada, com base em arcabouço regulatório robusto e preparado.

A recente crise, entretanto, também trouxe maiores desafios à implementação da LGPD, principalmente relacionados à data de sua entrada em vigor. Isso porque, em razão da pandemia, diversos projetos de lei da Câmara dos Deputados e do Senado Federal pretenderam adiar a vigência da LGPD – inicialmente prevista para 16 de agosto de 2020 –, sob o argumento de que sua aplicação poderia prejudicar a situação financeira das empresas brasileiras, que já se encontravam numa situação agravada devido à COVID-19 e que não seriam capazes de arcar com as possíveis sanções administrativas previstas pela norma.

Dentre as principais medidas de adiamento da vigência da LGPD, podemos mencionar, por exemplo, o Projeto de Lei nº 1.179/2020, que dispunha sobre o Regime Jurídico Emergencial e Transitório das relações jurídicas de Direito Privado (RJET) no período da pandemia da COVID-19. O projeto foi transformado na Lei nº 14.010/2020 e, de acordo com seu texto legal, somente a vigência dos artigos da LGPD relacionados à aplicação de sanções administrativas serão adiados, prorrogando sua aplicação para o dia 1º de agosto de 2021 – um ano depois do prazo originalmente aprovado. 

Além do referido projeto, é necessário frisar que a Medida Provisória nº 959/2020 (MP 959/20) prorrogou a vacatio legis da LGPD para o dia 03 de maio de 2021. Pela natureza do instrumento, que gera efeito imediato, a vigência da LGPD, atualmente, foi prorrogada, na generalidade de seus dispositivos, para maio de 2021, com exceção da aplicação de sanções administrativas às violações da lei, que só passarão a vigor em agosto de 2021. 

Entretanto, esse cenário poderá mudar drasticamente quando do enfrentamento e deliberação final da MP 959/20 e, a depender do caminho seguido, diversas possibilidades poderão surgir: 

1) Se a MP for aprovada, a vigência da LGPD será adiada para o dia 03 de maio de 2021; 

2) Se a MP for reprovada, a LGPD entrará em vigor em agosto de 2020; e 

3) Se a MP não for nem aprovada nem reprovada, a MP caducaria e o prazo inicial de vigência – ou seja, 16 de agosto de 2020 – passaria a valer. E, aqui, teríamos uma volta ao tempo, vez que o prazo para aprovação da MP é posterior a 16 de agosto. 

Cumpre mencionar, ainda, que o Ato nº 71/2020, publicado no dia 29 de junho no Diário Oficial da União, prorrogou a MP 959/20 pelo prazo de 60 (sessenta) dias, fazendo com que sua apreciação possa ocorrer até 26 de agosto de 2020 (sem computar o recesso de julho). Caso a segunda ou terceira hipóteses acima referidas se concretizem ao final do prazo de 60 dias – ou seja, se a MP for reprovada ou caducar –, teremos um cenário de vigência retroativa da LGPD, causando estranheza e insegurança jurídica ao panorama regulatório brasileiro.

Outro desafio para a implementação da LGPD se relaciona à ausência de efetiva operacionalização da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), responsável por zelar, implementar e fiscalizar o cumprimento da LGPD em todo o território nacional. Ainda que o órgão tenha sido criado pela Lei nº 13.853/2019, a falta de sua composição prejudica a compreensão de lacunas legislativas por setores regulados e pela sociedade em geral, que aguarda pela regulação de pontos específicos, capazes de incentivar a adequação e o cumprimento de limites específicos no tratamento de dados pessoais. 

Por fim, a recente proposição do Projeto de Lei nº 2.630/2020 (“PL das Fake News”) também pode representar novos obstáculos para a implementação da LGPD. O projeto, aprovado no Senado Federal e que seguirá para discussão na Câmara dos Deputados, visa instituir medidas em meios digitais (sobretudo nas redes sociais) para impedir a veiculação de fake news, através de medidas relacionadas ao compartilhamento de dados pessoais entre plataformas e operadoras de telefonia, à identificação e armazenamento de informações pessoais dos usuários de aplicações na internet e ao monitoramento e rastreamento preventivo desses titulares de dados – medidas essas que confrontam, em primeira análise, com a privacidade dos usuários e os princípios da necessidade/minimização de dados e da finalidade, salvaguardados pela LGPD.

Vale apontar que, em um cenário completamente distinto do Brasil, a Lei de Proteção da Privacidade do Consumidor da Califórnia (California Consumer Privacy Act – CCPA) entrou em vigor em 1º de julho, independentemente das repercussões e efeitos da COVID-19. Ao mesmo tempo, no Brasil, vivemos um cenário de inseguranças e incertezas jurídicas, em que a falta de direcionamento sobre a entrada em vigor da LGPD e as barreiras para sua implementação afetam negativamente não apenas a eficácia da proteção de dados no País, desamparando os titulares de dados no caso de abusos no tratamento de informações pessoais, mas também as relações transfronteiriças de compartilhamento internacional de dados e os próprios agentes de tratamento, no que concerne à alocação de recursos pelas empresas para a realização de adequação à LGPD, por exemplo. 

A retomada da economia após a crise da COVID-19, sustentada primordialmente pelo empreendedorismo digital a nível nacional e internacional, depende intrinsecamente de privacidade e segurança da informação nas relações comerciais dos atores globais nos próximos anos. Caberá ao Brasil descobrir o que o futuro lhe reserva, mas espera-se que siga a tendência mundial e caminhe firmemente rumo à ordem e progresso da evolução digital. 

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