Restrições à aquisição de imóveis rurais no Brasil por pessoas jurídicas estrangeiras e brasileiras equiparadas: Alternativa de regularização da propriedade pelo terceiro adquirente de boa-fé


Restrições à aquisição de imóveis rurais no Brasil por pessoas jurídicas estrangeiras e brasileiras equiparadas: Alternativa de regularização da propriedade pelo terceiro adquirente de boa-fé


Coautoria da estagiária Bruna Medina da Silva*

Desde a emissão do Parecer AGU/2010, aprovado em 19/08/2010 pelo Advogado-Geral da União (Parecer nº LA-01), muito se tem discutido acerca da aplicação das restrições previstas na Lei Federal nº 5.709/71, a aquisição e arrendamento de imóveis rurais no Brasil por pessoas jurídicas estrangeiras ou brasileiras com controle estrangeiro (as ‘equiparadas’), dentre as quais estão limitações de área e de atividades econômicas, sem contar a imposição de autorização estatal. 

Diante da insegurança jurídica instaurada, muitas tentativas ocorreram ao longo dos anos para estabilizar as relações jurídicas, como a expedição da Portaria Interministerial 04/2014, voltada a regularização de certas operações imobiliárias feitas por pessoa jurídica nacional equiparada à estrangeira, entre 07 de junho de 1994 e 22 de agosto de 2010. 

Mais recentemente, passou a merecer atenção especial a tramitação do Projeto de Lei nº 2.963/2019, de iniciativa do Senador Irajá Silvestre Filho (PSD-TO), que propõe a não aplicação das restrições supracitadas às pessoas jurídicas brasileiras com controle estrangeiro, o que colocaria fim às discussões. No mesmo sentido, vale a pena acompanhar a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 342, ajuizada pela Sociedade Rural Brasileira no Supremo Tribunal Federal, visando a declaração de não recepção, pela Constituição Federal de 1988, do art. 1º, parágrafo 1º, da Lei nº 5.709/71, que dispõe acerca da extensão das limitações às pessoas jurídicas brasileiras com controle estrangeiro.

Diante das polêmicas que cercam a temática e da divergência de entendimentos, verifica-se que, se por um lado a legislação tenciona proteger a soberania nacional, por outro lado, a restrição pode diminuir a liquidez de ativos imobiliários e dificultar o ingresso de investimentos de maior monta, especialmente no agronegócio. 

Não obstante, fato é que, em razão do atual entendimento, afora as hipóteses cercadas pela Portaria Interministerial 04/2014, aquisições ou arrendamentos de imóveis rurais realizados sem a observância das restrições legais, por estrangeiros ou pessoas jurídicas brasileiras de controle estrangeiro, são considerados nulos de pleno direito, afetando, inclusive, toda a cadeia de filiação do imóvel.

Por esse motivo, e sobretudo com o intuito de proteger o terceiro de boa-fé, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) publicou a Instrução Normativa INCRA nº 88 de 13/12/2017, que, além de regulamentar as condicionantes e procedimento para aquisição e arrendamento de imóveis rurais por estrangeiros ou pessoas jurídicas brasileiras de controle estrangeiro, tratou também de excepcionar a nulidade do ato praticado se atingir terceiro de boa-fé que tiver preenchido as condições para usucapião.

Nesta ordem de ideias, importante destacar que, nenhuma ressalva tivesse sido feita, uma vez declarada a nulidade de uma aquisição, todos os atos posteriores seriam prejudicados, alcançando inclusive terceiros de boa-fé. Dessa forma, a possibilidade de regularização da propriedade do imóvel rural trazida pela IN 88/2017 consiste em efetiva solução para que uma aquisição tipicamente nula deixe de afetar terceiros de boa-fé. 

Referida exceção à nulidade mantém coerência com a própria restrição trazida pela lei federal em comento, de forma que a usucapião só poderá ser realizada por pessoas que não estejam restritas à aquisição de imóveis rurais. Ou seja, as restrições impostas pela Lei nº 5.709/71, para aqueles a que se destinam, também alcançam o instituto da usucapião, uma vez que não há a diferenciação das formas de aquisição de propriedade, se originária ou derivada.

Nesse diapasão, é importante ressalvar que não há segurança plena da propriedade do terceiro de boa-fé até que se comprove o preenchimento dos requisitos para a convalidação de posse em propriedade, qual seja, animus domini, pelos prazos e formas definidos na legislação. Em outras palavras, até que as condições para a usucapião sejam alcançadas, inclusive temporal, o risco de perda do imóvel, em vias administrativa ou judicial, persiste. 

Assim, como a IN 88/2017 dispõe acerca de uma exceção à regra geral contida na Lei Federal nº 5.709/71 e uma vez que, por se tratar de ato puramente administrativo (cujo objetivo é servir de ferramenta de trabalho do órgão administrativo), jamais poderia inovar o ordenamento jurídico ou colidir com leis ou decretos, pariam dúvidas e questionamentos se, ao permitir a regularização da propriedade mediante usucapião, se estaria diante de inovação.

No entanto, uma vez que, ao tempo da publicação da IN 88/2017, a Lei nº 6.015/73 já determinava que a nulidade de pleno direito do registro não será decretada se atingir terceiro de boa-fé que já tiver preenchido as condições de usucapião de imóvel (disposição incluída pela Lei nº 10.931/2004), é razoável crer que o ato administrativo exarado pelo INCRA encontra amparo na lei federal específica, que dispõe acerca dos registros públicos. 

Concluímos, portanto, que diante de toda a polêmica que cerca o assunto, o mais adequado é que negócios que envolvam imóveis rurais e, próxima ou longinquamente, estrangeiros ou pessoas jurídicas brasileiras com controle estrangeiro, seja feita uma análise pormenorizada para que se encontre a melhor solução jurídica, de acordo com as especificidades do caso concreto. 

Referência bibliográfica:

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5709.htm

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/agu/prc-la01-2010.htm

https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2268070

http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=4756470

https://antigo.incra.gov.br/media/docs/legislacao/instrucao-normativa/in_88_2017.pdf

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6015compilada.htm