Responsabilidade tributária dos herdeiros de empresas com dívidas tributárias


Responsabilidade tributária dos herdeiros de empresas com dívidas tributárias


Por Clarissa Viana, Mariana Santos de Abreu Lima

É muito recorrente a dúvida no que tange à responsabilidade tributária dos sucessores, que herdam, de pais contribuintes que venham a falecer, empresas com dívidas tributárias “pré-constituídas”, as quais se acumulam com débitos que venham a se formar após o falecimento do administrador proprietário, pela própria ausência de expertise da família para a assunção, muitas vezes repentina, dos negócios herdados.

Não é incomum execuções fiscais serem redirecionadas para as pessoas físicas dos filhos que nunca administraram a empresa do pai no momento do fato gerador e vencimento do tributo executado, ou para pessoas jurídicas de que sejam sócios, tão somente pelo fato de serem filhos do contribuinte devedor falecido.

No entanto, esse redirecionamento não é legítimo, se fundado tão somente na sucessão por causa mortis.

De acordo com a legislação e com a jurisprudência, o redirecionamento da execução fiscal somente pode se dar em razão da responsabilidade do sócio por dissolução da sociedade ou da responsabilidade pessoal do sócio administrador por excesso de poderes ou infração à lei e ao contrato (arts. 134 e 135 do CTN), ou, no caso de terceiros que não integram a CDA, quando verificada a existência responsabilidade solidária (art. 124 do CTN), em que haja a participação conjunta do terceiro no fato gerador do tributo exigido ou, ainda, a prática de fato que configure ato ilícito (fraude, confusão patrimonial ou esvaziamento de patrimônio). 

Nas situações em que o herdeiro é sócio da empresa devedora originária e esse consta na Certidão de Dívida Ativa, o redirecionamento pode ocorrer no caso de liquidação da sociedade (art. 134 do CTN) ou, no caso de sócio administrador, se demonstrado que esse participava da administração à época do fato gerador da obrigação tributária e, portanto, foi responsável pessoalmente pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos (art. 135 do CTN). Nesses casos, a demonstração de eventual situação que enseje a exclusão da responsabilidade tributária – como a sua retirada da sociedade antes da dissolução ou da não atuação como sócio administrador à época dos fatos geradores -, deve ser provada pelo herdeiro, mediante apresentação dos fatos e provas que demonstrem a impossibilidade de sua responsabilização tributária e, portanto, da ilegitimidade do redirecionamento da cobrança. 

Já nos casos em que o herdeiro não é sócio da empresa originalmente devedora, o redirecionamento da cobrança deve respeitar a norma que prevê os requisitos para configuração da responsabilidade solidária (art. 124 do CTN), cuja interpretação da jurisprudência pátria exige que tenha havido participação conjunta do terceiro na situação que constitua o fato gerador do tributo exigido ou a prática de fato que configure ato ilícito com o intuito de se esquivar do pagamento da obrigação tributária (como por exemplo, fraude, confusão patrimonial ou esvaziamento de patrimônio da empresa devedora). Nesse último caso, há jurisprudência no sentido de que é necessário que o redirecionamento a terceiro seja, ainda, precedido da instauração de incidente de desconsideração da personalidade jurídica.

Vale ressaltar que na ânsia arrecadatória, é possível se deparar, não com pouca frequência, com casos em que a Fazenda Pública requer a responsabilização e o redirecionamento das execuções fiscais inclusive para pessoas jurídicas terceiras das quais sejam sócios os herdeiros (e não apenas a pessoa física dos herdeiros), geralmente sob o argumento de formação de grupo econômico familiar de fato. Contudo, além de muitas vezes não haver prova de que se formou um grupo econômico, mesmo nas situações em que haja a formação, não é suficiente para legitimar a responsabilização tributária de terceiros, sendo imprescindível a configuração de uma das situações de previstas na lei para a configuração da responsabilidade, tal como interesse no fato gerador fraudado.

Nesse contexto de abusos do Fisco e de uma postura muitas vezes permissiva do Judiciário, no sentido de acatar os pedidos de redirecionamento das execuções fiscais a herdeiros apenas em razão da relação de parentesco ou de sucessão causa mortis, na maioria dos casos sem justificativa jurídica plausível ou mesmo sem qualquer motivação, especialmente quanto à verificação/apresentação de evidências quanto à participação destes no fato gerador ou à ocorrência de atos ilícitos, a definição pelo STJ em Recurso Especial Repetitivo quanto aos parâmetros temporais para o redirecionamento nos casos em que há alegação de prática de ato ilícito trouxe balizas importantes para, de um lado, assegurar o direito da Fazenda Pública de buscar a satisfação do crédito nas situações em que realmente se verifica a prática de ato ilícito como tentativa de esquiva do contribuinte ao pagamento de tributos devidos ao Fisco e, de outro, coibir excessos em que esse redirecionamento vinha sendo requerido a qualquer tempo, simplesmente diante da inviabilidade da cobrança dos créditos em face da empresa devedora originária.

De acordo com o entendimento firmado pelo STJ no Tema 444 (RESP 1.201.933/SP), o prazo de 5 anos para redirecionamento da execução fiscal, contados da citação da pessoa jurídica, é aplicável quando o ato ilícito destinado a fraudar a execução (como, por exemplo, dissolução irregular, confusão patrimonial, etc.) for anterior à citação. Todavia, quando o ato de ilícito for posterior à citação do devedor original da obrigação tributária, o termo inicial do prazo prescricional para a cobrança do crédito dos sócios-gerentes infratores é a data da prática de ato inequívoco indicador do intuito de inviabilizar a satisfação do crédito tributário já em curso de cobrança executiva promovida contra a empresa contribuinte, a ser demonstrado pelo Fisco.

Em qualquer hipótese, o STJ entende que a decretação da prescrição para o redirecionamento impõe que tenha havido a inércia da Fazenda Pública nos 5 anos que se seguiu à citação da empresa originalmente devedora ou ao ato ilícito inequívoco, cabendo às instâncias ordinárias o exame dos fatos e provas para a demonstração da prática de atos concretos na direção da cobrança do crédito tributário no decurso do prazo prescricional.

Nesse sentido, as decisões nas instâncias ordinárias que avaliam os pedidos de redirecionamento necessariamente precisam examinar os fatos e as provas que ensejam o pedido formulado pelo Fisco, já que cabe ao juiz fundamentar o enquadramento as hipóteses previstas na legislação tributária quanto à responsabilidade tributária de sócios, sócios administradores e terceiros, bem como da ocorrência ou não de prescrição do direito da Fazenda Pública em promover o redirecionamento da cobrança.   

Os herdeiros que forem sujeitados a esses percalços tributários, que não se enquadrem em nenhuma das hipóteses de responsabilização ou que tenham sido indevidamente cobrados após o prazo definido pelo STJ como passível de redirecionamento da cobrança tributária, devem insistir no Judiciário através dos meios cabíveis para terem declarada a sua individualidade e de seus bens, afastando redirecionamentos irregulares.