Em consonância com a tendência mundial, tem sido verificado no Brasil um crescente aumento na demanda por conexões de Internet rápidas e confiáveis. A relevância dos serviços de telecomunicações, vale ressaltar, restou ainda mais evidente a partir do início da pandemia de Covid-19.
Apenas para termos uma ideia do perfil do mercado brasileiro, de acordo com os dados disponibilizados pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), em janeiro de 2022 havia 340,1 milhões de contratos de serviços de telecomunicações em vigor no país, dos quais 40,2 milhões eram referentes a acessos à banda larga fixa, respondendo a tecnologia de fibra óptica por 62,3% deste total.
Mais ainda, conforme relatório disponibilizado pela Associação das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação e de Tecnologias Digitais (Brasscom), a produção do setor de telecomunicações alcançou o montante de R$ 251,7 bilhões (aproximadamente US$ 46,6 bilhões) somente em 2021, representando 2,9% do PIB brasileiro, com crescimento de 4,7% em relação ao ano de 2020.
O mercado brasileiro é, de fato, cenário de números expressivos. Os dados recentemente publicados pelo Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br) em sua Pesquisa Sobre o Uso das Tecnologias de Informação nos Domicílios Brasileiros de 2020 (TIC Domicílios 2020) evidenciam que, naquele ano, mais de 61 milhões de residências contavam com algum tipo de conexão à Internet (equivalente a 83% do total do país), o que corresponde a aproximadamente 152 milhões de usuários ou 81% da população com dez anos de idade ou mais. Porém, em contrapartida, mais de 11 milhões de residências ainda não tinham acesso à Internet em 2020, sendo o custo relatado como um grande obstáculo para o acesso à rede mundial. Já nas áreas rurais, a indisponibilidade de conexão também foi relatada como um fator impeditivo para o acesso à Internet.
Ainda em conformidade com a citada Pesquisa, as maiores velocidades de download e upload do Brasil em 2020 foram observadas na região Sudeste do Brasil (equivalentes a 23,3 e 20,1 Mbps, respectivamente, em novembro/dezembro), enquanto as piores foram verificadas na região Norte (4,0 e 8,7 Mbps, respectivamente, nos mesmos últimos dois meses), o que significa haver grandes oportunidades para a implementação de melhorias e, por consequência, interessantes possibilidades de negócios.
Comparativamente, de acordo com os últimos resultados publicados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) (PNAD Contínua de 2019), que conduz constantes estudos sobre o panorama brasileiro, em 2019 a banda larga fixa encontrava-se presente em 46,6 milhões de domicílios, enquanto serviços de banda larga móvel eram prestados para 48,5 milhões de residências.
Segundo dados publicados pela Anatel com base em informações relativas a 2021 obtidas de prestadoras de serviços de telecomunicações que proveem acesso de banda larga, de fato a quantidade de redes de fibra óptica de alta capacidade utilizadas em tais serviços (backhaul) têm apresentado um aumento constante ao longo dos anos. Ainda que as maiores fatias de participação no mercado de banda larga fixa sejam detidas pela Claro e Vivo (participações de 24,2% e 15,7%, respectivamente, em janeiro de 2022), neste mesmo contexto, as prestadoras de pequeno porte (PPPs) apresentam uma presença relevante, estando presentes em 4214 municípios do país em 2021; do total de municípios brasileiros, 24% eram atendidos pela tecnologia de fibra óptica somente por PPPs (dados de 2021). Também relevante, as PPPs têm se destacado positivamente no que se refere à sua atuação no mercado, o que foi refletido na pesquisa de satisfação e qualidade de 2021 conduzida pela Anatel, cujos resultados foram recentemente veiculados.
Diante da tendência de contínuo crescimento, o acesso à conexão passará a requerer cada vez mais redes de telecomunicações. Desta forma, resta evidente que as empresas provedoras de conectividade precisarão efetuar expansões significativas em suas redes para que as necessidades de seus usuários possam ser devidamente atendidas, porém com o devido cumprimento das exigências regulatórias aplicáveis. Contudo, tal expansão é um processo que não ocorre rapidamente e sem impactos econômicos.
De forma a contornar as dificuldades implícitas à expansão da capacidade, as operadoras podem se beneficiar das assim denominadas “redes neutras”. Segundo entendimento da Anatel, rede neutra é aquela que contém todos os elementos necessários para a prestação de um serviço de telecomunicações (o que abrange as autorizações de uso de radiofrequências), mas a entidade que detém o controle dessa rede não oferta o referido serviço no mercado de varejo, e sim “disponibiliza seus recursos de rede no mercado de atacado para outros outorgados da Anatel que de fato irão atender o usuário final”.
Em linhas gerais, trata-se do mesmo conceito dado pela Associação Brasileira das Prestadoras de Serviços de Telecomunicações Competitivas (TelComp), instituição que representa empresas de telecomunicações e promove a competição no setor, segundo a qual uma rede neutra é “aquela que contém todos os elementos necessários (incluindo as autorizações de uso de radiofrequências) para a prestação de um serviço de telecomunicações, sendo que a entidade que detém o controle dessa rede apesar de não ofertar o serviço de telecomunicações no mercado de varejo, promove a oferta de serviços de telecomunicações no atacado, disponibilizando seus recursos de rede para outros outorgados da Anatel que de fato irão atender o usuário final”.
Por meio desta modalidade de negócio, empresas do setor que são detentoras de infraestruturas e redes alugam os itens que as compõem, os quais passam a ser compartilhados entre diversos provedores. A infraestrutura pode ser de fibra óptica, cabos, redes móveis e satélites. Deste modo, é possível viabilizar a pretendida ampliação, porém sem os custos de investimento que seriam necessários para alcançar este objetivo. Os detentores das redes neutras, portanto, fazem a oferta onerosa da infraestrutura, de maneira isonômica e não discriminatória, e não prestam serviços de telecomunicações aos usuários finais.
O compartilhamento de infraestrutura é previsto na legislação brasileira, como ocorre, por exemplo, na Lei nº 9.472/1997 (Lei Geral de Telecomunicações – LGT). De fato, a LGT estipula especificamente que as “prestadoras de serviços de telecomunicações de interesse coletivo terão direito à utilização de postes, dutos, condutos e servidões pertencentes ou controlados por prestadores de serviços de telecomunicações ou de outros serviços de interesse público, de forma não discriminatória e a preços e condições justos e razoáveis”.
A Lei nº 13.116/2015 (Lei das Antenas), por sua vez, para promover e fomentar investimentos em infraestrutura de redes de telecomunicações, também cita a importância da ampliação da capacidade instalada das mencionadas redes em face da atualização tecnológica e da melhoria tanto da cobertura, quanto da qualidade dos serviços, e incentiva o compartilhamento de infraestrutura. Além disso, a Lei das Antenas também cita a questão do impacto urbanístico, paisagístico e ambiental causado pela presença de excessivas instalações de infraestrutura. Mais ainda, é oportuno frisar que as redes neutras podem possibilitar a redução das capacidades eventualmente ociosas.
A Resolução nº 683/2017 da Anatel, que aprovou o Regulamento de Compartilhamento de Infraestrutura de Suporte à Prestação de Serviço de Telecomunicações, igualmente discorre sobre o assunto. Conforme disposto neste normativo, o compartilhamento de infraestrutura compreende a cessão onerosa de capacidade excedente (ou seja, a infraestrutura que se encontra instalada e que não é utilizada no todo ou em parte, e que portanto está disponível para compartilhamento) de uma infraestrutura de suporte (que corresponde aos meios físicos fixos, tais como postes, torres, dutos, condutos, estruturas de superfície e suspensas, dentre outros), para a prestação de serviços por parte de prestadoras de outros grupos econômicos, com o objetivo de otimizar recursos e reduzir custos operacionais, beneficiando os usuários dos serviços. Contudo, deve haver o cumprimento da regulamentação setorial.
Neste ponto, vale enfatizar que, conforme a citada Resolução, exceto por motivos técnicos, o compartilhamento da capacidade excedente é obrigatório, devendo ocorrer de forma não discriminatória e mediante preços e condições justos e razoáveis após solicitação neste sentido por parte de uma prestadora de serviços de telecomunicações. Porém, cabe às detentoras da infraestrutura dimensionar a capacidade excedente e definir as condições de compartilhamento. O compartilhamento de torres por prestadoras que fazem uso de estações transmissoras de radiocomunicação também é obrigatório quando o afastamento entre estas é inferior a 500 metros.
Não obstante, pode haver dispensa da obrigatoriedade acima citada em determinados casos, como, por exemplo, se isto resultar em interferência prejudicial entre sistemas de telecomunicações regularmente instalados; comprometer a abrangência, capacidade e/ou qualidade dos serviços de interesse coletivo; exceder a capacidade de suportar novos equipamentos, comprometer a segurança e/ou estabilidade da infraestrutura; envolver estações de serviços de interesse restrito, bem como em outras hipóteses, como nas situações em que o compartilhamento é justificadamente inviável.
Também importante, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), em sua revisão de 2020 sobre telecomunicações e radiodifusão no Brasil, citou especificamente que a Anatel deve encorajar o compartilhamento de infraestruturas entre as operadoras, estipulando as condições para que isto ocorra. Entretanto, a mesma OCDE ressalta que, se o espectro não for atribuído de maneira eficiente no mercado primário, não há como garantir que haja eficiência no mercado secundário.
A mais, é interessante observar que, em 2020, a Anatel conduziu uma Consulta Pública para a tomada de subsídios visando a possibilidade de simplificação da regulamentação de serviços de telecomunicações. Tal Consulta versou a respeito dos regulamentos relativos a diversos tipos de serviços, como o Serviço Móvel Pessoal (SMP, que permite a comunicação entre estações móveis, e entre estas e outras estações), Serviço de Comunicação Multimídia (SCM, referente à oferta de capacidade de transmissão, emissão e recepção de informações multimídia, bem como ao acesso à Internet) e Serviço de Acesso Condicionado (SeAC, que se refere à contratação de televisão por assinatura), dentre outros, reconhecendo especificamente que a convergência entre estes tipos de serviços é uma realidade cada vez maior no setor. Na consulta, a Agência ressaltou que, com o compartilhamento de infraestruturas que proporcionam suporte aos mais variados serviços, pode haver o tráfego, por uma mesma estação de telecomunicações, de chamadas de telefonia fixa, dados do SCM, sinais de áudio/vídeo do SeAC, até mesmo de diferentes prestadoras.
A questão das redes neutras foi inserida na citada Consulta Pública. Na oportunidade, a Agência ponderou ser relevante “avaliar o contorno regulatório necessário para que seja possível a implementação de redes neutras para a prestação de serviços de telecomunicações no Brasil, em especial para os serviços de interesse coletivo, partindo-se da lógica de que autorizações de uso das radiofrequências sempre devem estar atreladas a uma outorga de serviço”, em consonância com o quanto disposto na LGT. Além disso, assuntos como direitos dos consumidores, qualidade dos serviços prestados, compromissos de cobertura e atendimento, bem como limites máximos de radiofrequências permitidos para cada prestadora, também devem ser objeto de atenção.
A mencionada Consulta contou com diversas contribuições e, no que concerne às redes neutras, exemplificativamente, a Associação Brasileira de Provedores de Internet e Telecomunicações (ABRINT) mencionou que as redes neutras de fato são um modelo que possibilita a ampliação da competição e da prestação de serviços à população; porém, segundo ponderou, deve haver acesso isonômico e não discriminatório às ofertas, tendo defendido a pertinência de a Anatel estabelecer que haja obrigação de oferta de atacado de rede e espectro com preços predefinidos, como uma “ferramenta pró-competição e expansão dos serviços”, com rigoroso controle em relação às prestadoras detentoras de poder de mercado significativo. Já em outra contribuição, foi enfatizada a necessidade de estabelecer também o conceito de operador neutro de rede, com o devido esclarecimento a respeito dos requisitos e das obrigações a serem cumpridos pelas partes interessadas na exploração de redes neutras.
O modelo de negócios das redes neutras pode beneficiar fortemente os pequenos provedores regionais, que prestam serviços em localidades tradicionalmente pouco atrativas para as tradicionais gigantes do setor de telecomunicações, e que compõem um grupo de fornecedores de conectividade com participação extremamente relevante no mercado.
Adicionalmente ao esperado incremento no acesso à Internet no futuro, é necessário atentar também para o fato de que a implementação da tecnologia de 5ª geração (5G) no Brasil em 2022 impactará diretamente o mercado nacional, e certamente resultará em exponente crescimento da demanda por conectividade, melhoria da qualidade de banda e menor latência, dando ensejo a inúmeras oportunidades de negócios no país.
Muito embora ainda seja considerado um nicho relativamente novo, algumas empresas já vêm atuando no mercado de redes neutras no Brasil. É o caso, por exemplo, da FiBrasil, que tem como sócias empresas do grupo Telefônica e um fundo de investimentos canadense. Apesar de ter iniciado suas operações em meados de 2021, a FiBrasil já alcançou a marca de 2 milhões de domicílios passados e obteve receita operacional líquida de R$ 55,4 milhões em 2021.
Por sua vez, a V.tal, pertencente ao grupo Oi (que passa por diversas alterações no controle societário de suas componentes), acumula mais de 400 parcerias com provedores de Internet e PPPs. Em março de 2022, a empresa divulgou ter realizado novas contratações para a prestação de serviços de Internet na região Nordeste do país, o que por fim irá beneficiar residências localizadas em mais de 40 municípios.
Como mais um exemplo, a Anatel e o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) aprovaram em 2021 a criação da FiberCo, uma nova operadora de acesso em fibra óptica que tem como sócias a TIM e a IHS Fiber Brasil, cobrindo mais de 6 milhões de residências.
Desta forma, é possível verificar que os resultados divulgados espelham todos os benefícios que a presença das redes neutras no mercado nacional brasileiro poderá trazer para as mais diversas partes interessadas.
Para receber as principais notícias e posicionamentos legislativos sobre este e outros temas relacionados a telecomunicações, acompanhe a equipe de Tecnologia, Mídia e Telecomunicações (TMT) do Azevedo Sette Advogados.
São Paulo, 04 de abril de 2022