Quebra de paradigma na agenda ambiental | Do cenário de “custos” para os “ativos” no setor privado


Quebra de paradigma na agenda ambiental | Do cenário de “custos” para os “ativos” no setor privado


Durante séculos a fio, a humanidade tem exercido uma influência incisiva nos meios sustentadores da harmonia do planeta. Com isso hoje, o meio ambiente é declarado um dos mais importantes bens jurídicos, essencial à qualidade de vida e de grande relevância à sua sobrevivência. 

O conhecimento da humanidade em relação aos perigos da intervenção cotidiana se deu da pior maneira: através de acontecimentos naturais, ou não, catastróficos, que até então eram inimagináveis. Ou seja, o saber científico, por vezes, se mostrou insuficiente e incapaz de prever as consequências da ingerência do homem no meio ambiente1.

Com isso, a sociedade tem voltado os seus olhos para o setor produtivo e cobrado uma postura ambientalmente coerente com as políticas públicas e seus preceitos. Olhando o meio ambiente de maneira diferente, mudando paradigmas de forma a superar o modelo atual e incorporar as estratégias ambientais em suas agendas.

Nesse contexto, na tentativa de reverter o presente quadro de perigo e prevenir danos futuros ao meio ambiente, foram publicados diversos atos infraconstitucionais que regulamentam a matéria.

Historicamente, no Brasil, o movimento “saltou os olhos” a partir da década de 80. Dentre os  marcos legislativos destacam-se: (I) a Constituição da República de 1988 que elevou o meio ambiente à categoria de bem da coletividade constitucionalmente protegido; (II) a Lei nº 6.938/81 - Política Nacional do Meio Ambiente (“PNMA”), que definiu de forma inovadora os objetivos e instrumentos para a defesa do meio ambiente, bem como os principais conceitos e princípios a serem considerados para o desenvolvimento sustentável e (III) a Lei nº 9.605/98 - Lei de Crimes Ambientais, que regulamenta a responsabilização penal e sanções penais e administrativas aplicáveis às condutas e atividades lesivas ao meio ambiente. 

Neste contexto, o desenvolvimento sustentável ganhou força e “os custos sociais externos que acompanham o processo produtivo (v.g., o custo resultante dos danos ambientais) precisam ser internalizados”2  (internalização das externalidades socioambientais negativas). 

Nesse universo, foram fundamentados dois dos mais relevantes princípios do Direito Ambiental - o do Poluidor-Pagador e do Usuário Pagador que representam e elencam, de forma objetiva, a internalização dos custos das externalidades ambientais (impactos gerados com a operação das atividades produtivas). Ou seja, cumpre ao empreendedor embutir em seus custos os investimentos financeiros desprendidos na mitigação e compensação dos impactos gerados por seu empreendimento.

Nesse diapasão, e conjugando-se aos recentes acontecimentos, amadurecimento das instituições públicas e do próprio setor privado na área ambiental, revisões das normas e “endurecimento” das cobranças da sociedade sobre os empreendimentos, verifica-se uma mudança de perspectiva quanto ao cumprimento das obrigações ambientais, antes vistas como custos (altos, diga-se de passagem).

Essa “virada de chave” é perceptível na postura recente adotada pelas empresas em que começam a reconhecer que os custos com o meio ambiente podem importar em ativos hábeis a proporcionar benefícios às empresas, de modo tangível e intangível. Na prática, vê-se desde alteração da denominação dos setores responsáveis para “Sustentabilidade”, a classificação contábil dos investimentos, antes categorizados como custo/despesa, impostas por poder coercitivo. 

Por conseguinte, deixou de ser uma opção/escolha - seja por conta da própria legislação ambiental, como pela cultura enraizada na empresa, que realmente acredita nessas ações e tem como propósito o cumprimento da agenda ambiental, ou, ainda, para alcançar e/ou corresponder às expectativas dos investidores. 

Fato é que as questões ambientais têm grande influência nas relações econômicas, motivo pelo qual os empreendedores passaram a incluir as boas práticas como estratégia financeira no setor. 

Sob esse prisma, o tema da vez é o ESG (sigla em inglês "Environmental, Social and Governance") e o conjunto de práticas ambientais, sociais e de governança adotadas pelas empresas, observando-se, sobretudo, os critérios de sustentabilidade. 

Linhas gerais, o famigerado ESG se baseia em um conjunto de valores e critérios éticos de condutas adotados pelas empresas, com o objetivo de melhorar suas relações internas e externas. São práticas mais sustentáveis e socialmente responsáveis focadas em áreas que estão ganhando força e atraindo holofotes no mercado de investimentos, são elas: (I) gestão ambiental - responsabilidade e comprometimento da empresa com o meio ambiente em suas operações; (II) social- relacionamento com colaboradores, fornecedores, clientes, etc; e (III) governança corporativa -: relacionamento entre sócios, conselhos, diretorias e diversidade em suas composições. 

Independentemente dos resultados financeiros que se deseja alcançar, o ESG impactará e auxiliará na melhor percepção e posicionamento da empresa para o mercado e investidores, na ascensão da sua imagem junto à comunidade, na exposição de seus valores e no aumento da sua competitividade.

Em resumo, sob uma visão otimista, o Brasil passa por uma mudança cultural, há participação mais ativa e direta do setor privado, atuando como protagonista desse movimento. Trata-se de um avanço e sofisticação do mercado brasileiro, e no que tange à área ambiental, aplica-se a mesma linha de raciocínio – a transparência e clareza nas tratativas internas e externas de uma empresa tendem a ser premissas básicas para maximização de resultados. 

É inegável que o setor privado, de um modo geral, está cada vez mais se adequando a esse novo cenário para viabilizar os negócios: o mercado de investimento é que dita as regras, de modo que estar em compliance e adotar medidas efetivas é uma tendência que veio para ficar. 

Como resposta à curto, médio e longo prazo, a adoção dessas medidas, sem dúvida, revelará uma propensão à maior rentabilidade das empresas, uma vez que investir em meio ambiente agrega valor (considerado como custo para o ativo da empresa) e, consequentemente, pode mitigar riscos, melhorar a governança, proporcionando maior envolvimento, engajamento e sinergia entre os acionistas/investidores e demais partes envolvidas. 

Não há como negar que nos últimos anos, os termos “compliance” e ESG subiram ao pódio e devem estar bem definidos na organização da empresa.

Contudo, esta tendência é relativamente recente e vem ganhando destaque a cada ano, na medida em que há alterações nas normas ambientais, nas perspectivas e posicionamentos adotados pelas empresas. Sorte para o meio ambiente e sociedade.

Antes tarde do que nunca!

Bibliografia:

Milaré, Édis – Direito do ambiente: doutrina, jurisprudência, glossário

https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-ambiental/evolucao-historica-da-legislacao-ambiental/

https://www.conjur.com.br/2019-fev-01/leticia-marques-nao-preciso-endurecer-lei-ambiental-aplica-la

https://www.ecycle.com.br/8391-esg.html#:~:text=O%20termo%20ESG%20tem%20sido,como%20ambiental%2C%20social%20e%20governan%C3%A7a