Proteção de obras publicitárias: desafios do Direito Autoral


Proteção de obras publicitárias: desafios do Direito Autoral


Por Juliana Gebara Sene Santos Ikeda, sócia coordenadora da prática de Propriedade Intelectual e Life Sciences, e Gabriela Soares Mussalam, estagiária na mesma área; ambas do Azevedo Sette Advogados

No Brasil, a proteção dos direitos autorais sobre uma obra, seja ela artística, literária ou musical, encontram amparo na Lei nº 9.610/98 ("LDA"). A referida lei tem como base a Convenção de Berna, atualmente ratificada por 175 países. A maior vantagem desse texto internacional é que ele assegura a proteção autoral em todos os países signatários, independentemente de registro.

A LDA abrange, entre outras coisas, diversas formas de trabalhos publicitários, como por exemplo, textos, fotos, desenhos, músicas (jingles) e obras audiovisuais (comerciais). A proteção conferida pela lei em tela abrange dois aspectos: o moral e o patrimonial.

O autor é sempre uma pessoa física, criador da obra protegida, aos quais a lei confere os direitos morais sobre a obra — direitos esses que são inalienáveis e irrenunciáveis. Por sua vez, os direitos patrimoniais são aqueles referentes à exploração da obra e podem ser transferidos, inclusive para pessoas jurídicas.

No mais, importante ressaltar que, no Brasil, os direitos patrimoniais do autor são assegurados por 70 (setenta) anos, a contar de 1° de janeiro do ano subseqüente ao de sua divulgação — enquanto que os direitos morais são perpétuos.

Como mencionado, diversos tipos de obras publicitárias podem ser protegidas pela LDA. Se protegidas pela égide do Direito Autoral, direitos morais e patrimoniais deverão ser considerados. Neste sentido, convém destacar que grande parte das obras publicitárias são concebidas por agências de publicidade (pessoas jurídicas), normalmente contratadas por anunciantes (pessoas jurídicas). No entanto, na prática, essas obras são criadas por pessoas físicas, os autores, detentores dos direitos morais, restando às agências, como organizadores da obra, somente seus direitos patrimoniais.

São inúmeros problemas decorrentes dessa sistemática. Primeiramente, em regra, não cabe ao cliente/anunciante contratante da agência de publicidade qualquer titularidade sobre a obra publicitária, independentemente de seus investimentos, salvo se os direitos patrimoniais forem expressamente cedidos pelos titulares originais através de contrato de cessão de direitos.

Por outro lado, o art. 51 da LDA dispõe que a cessão dos direitos de autor sobre obras futuras abrangerá, no máximo, o período de cinco anos. Isto é, ainda que o contrato de encomenda de obra publicitária estabeleça a cessão do trabalho ao cliente, para que a cessão ocorra de forma definitiva, será necessário que a agência e seus respectivos autores cedam seus direitos de forma apartada, especificando as obras cedidas.

Ainda com relação ao contrato de cessão de direitos, é importante destacar que tal contrato deverá ser interpretado de maneira restrita. Isso significa que o contrato de produção de obra por encomenda precisa prever, em detalhes, quais as formas de utilização do trabalho criado. Todavia, isso muitas vezes não é possível. Um exemplo de debate recente: um filme publicitário concebido para ser veiculado na televisão e na internet, poderá ser veiculado no metaverso?

Além disso, cabe ressaltar novamente que os direitos morais são irrenunciáveis e intransferíveis. Consequentemente, os autores da obra sempre poderão, entre outras coisas, utilizar de seus direitos morais previstos no art. 24 da LDA, contestando modificações de sua obra e até mesmo a retirando de circulação, se entenderem que sua utilização possa atingir sua imagem.

Por último, mas não menos importante, é a limitação temporal de proteção das obras publicitárias. Apesar de extensa, já existem casos em que sua prorrogação parece necessária. Personagens como Mickey e Pateta, até hoje diretamente associados à Disney, já teriam caído em domínio público, se não fosse pelo lobby da empresa para alterar sua lei aplicável, que acabou por prorrogar os direitos autorais da Disney até 2023 (por enquanto). No entanto, mesmo que o personagem Mickey caia em domínio público, outras empresas poderiam utilizá-lo, ainda que associando sua imagem de forma indevida com a Disney?

Ora, não são poucos os desafios e debates que envolvem as obras publicitárias e os direitos autorais. O presente artigo não pretende esgotar esses temas, mas pode apresentar algumas alternativas. Além das previsões contratuais anteriormente mencionadas, é fato que algumas obras podem ser protegidas também pelo direito marcário e dispositivos legais de concorrência desleal. Por exemplo, desenhos associados a marcas podem ser registrados como marcas figurativas e, assim, poderão ser perpetuamente protegidos. Em matéria de concorrência desleal, tipificada no art.195 da Lei nº 9.279/96, os titulares de direitos autorais podem reprimir diversas condutas diretamente ligadas à publicidade com base nesse dispositivo.

Por todo o exposto, anunciantes, agências de publicidade e criadores autônomos devem se atentar aos contratos envolvendo a criação de obras publicitárias, além de tentarem proteger suas obras de diferentes maneiras sempre que possível.

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