O Novo Código de Processo Civil e o Direito Intertemporal


O Novo Código de Processo Civil e o Direito Intertemporal


*Leonardo Farinha Goulart

Depois de mais de quatro anos de tramitação legislativa, o país, finalmente, terá, a partir do ano que vem, um novo Código de Processo Civil. A nova Lei de Ritos Processuais Cíveis deixou o caráter estritamente legalista para adotar, assim como aconteceu com o Código Civil de 2002, princípios e normas fundamentais da própria Constituição da República. Trata-se, pois, do primeiro Código de Processo Civil brasileiro eminentemente democrático, posto que promulgado após o advento da Constituição da República de 1988.

Referida legislação está sendo muito festejada no âmbito jurídico. E tal como acontece com todo hot topic jurídico, a aplicação do Novo Código de Processo Civil agita o cenário atual e, de outro lado, revela um emaranhado de dúvidas e ansiedade quanto a sua aplicação temporal.

O processo nada mais é do que o procedimento escolhido pelo Estado Moderno para conduzir a solução dos conflitos, levando aos jurisdicionados a justiça, gerando estabilização e paz social.

Nos próximos anos, a partir da entrada em vigor do Novo Código de Processo Civil, a sociedade brasileira, o Poder Judiciário e as partes terão de conviver com situações peculiares, cuja aplicação poderá atrair a atual legislação ou a nova Lei de Ritos Processuais Cíveis. Vale dizer: haverá situações processuais jurídicas em que o Código de Processo Civil de 1973 haverá de ser aplicado e outras em que a Lei 13.105/2015 será utilizada.

A legislação processual tem aplicação imediata no tempo, respeitados os atos praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada. Isto é o que dispõe o artigo 14, do Novo Código de Processo Civil, in verbis:

“Art. 14. A norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada.”

O dispositivo legal acima transcrito é bem claro ao determinar que a norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso. Todavia, o Novo Código de Processo Civil, na segunda parte da redação do artigo 14/NCPC, cuidou de resguardar os atos processuais já praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada.

Isso porque, cada ato processual é também um ato jurídico perfeitamente realizado no tempo e merece proteção ao direito que foi conferido, nos termos do artigo 5o, inciso XXXVI¹, da Constituição Federal. O NCPC não pode, portanto, atingir o direito da parte praticar um ato cujo termo inicial se deu na vigência da norma antiga. Já os atos havidos na vigência do Novo Código de Processo Civil deverão obedecer o regramento hodierno.

Como, então, no dia a dia, solucionar este problema? O melhor caminho a ser seguido é observar quando o ato processual foi praticado. Exemplo: a) recurso de agravo de instrumento interposto antes da vigência do novo CPC, em hipótese para a qual hoje não é cabível esse recurso, permanecerá pendente e deverá ser julgado – a regra nova não pode atingir um ato jurídico perfeitamente praticado nos termos da legislação anterior; b) arrematação perfeita ao tempo do código revogado, não pode agora ser desfeita por conta da aplicação de regra nova, como a que decorre do art. 891, parágrafo único².

Como as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada também serão respeitadas, deve-se observar o tempo em que a situação jurídica ativa se consolidou. Exemplo: a)Publicada a decisão, surge para o vencido, o direito ao recurso. Se a decisão houver sido publicada ao tempo do Código revogado e contra ela coubessem, por exemplo, embargos infringentes (recuso que deixou de existir), a situação jurídica ativa “direito aos embargos infringentes” se teria consolidado; essa situação jurídica tem de ser protegida. Assim, mesmo que o novo CPC comece a viger durante a fluência do prazo para a parte interpor embargos infringentes, não há possibilidade de a parte perder o direito a esse recurso, pois se trata de uma situação jurídica processual consolidada. b) No CPC revogado, o Poder Público possuía prazo em quádruplo para contestar; no CPC atual, o prazo é dobrado. Com a citação, surge a situação jurídica “direito a apresentação de defesa”. Assim, mesmo que o CPC comece a viger durante a fluência do prazo apresentação da contestação, que se iniciou na vigência do código passado, será garantido ao Poder Público o prazo quádruplo³.

Assim, não obstante as normas processuais terem aplicação imediata e, também, aos processos pendentes, deve ser observado quando o direito a prática de eventual ato processual surgiu para a parte. Se na vigência da legislação antiga, aplica-se o Código de Processo Civil de 1973, se no regime da Lei 13.105/2015, aplicar-se-á o Novo CPC.

A imediata aplicação da norma processual civil não se sobrepõe a regra constitucional que veda a retroatividade da lei para ir ao encontro do ato jurídico perfeito e do direito adquirido da parte praticar o ato permitido na lei vigente naquele momento.



*Leonardo Farinha Goulart é coordenador do contencioso do Azevedo Sette Advogados em Belo Horizonte

¹.Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (…)
XXXVI – a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada
². Didier Jr., Fredie. Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual civil, parte geral e processo de conhecimento, 17. ed. – Salvador: Ed. Jus Podivm, 2015. v.1, pag. 56.
³. Didier Jr., Fredie. Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual civil, parte geral e processo de conhecimento, 17. ed. – Salvador: Ed. Jus Podivm, 2015. v.1, pag. 57.