O movimento de tokenização na era do metaverso


O movimento de tokenização na era do metaverso


Por Ana Beatriz Lucas de Paula e Giovana Guélere Oliveira*

O Metaverso pode ser definido como um ambiente virtual imersivo e hiper-realista, em que se busca reproduzir a realidade em um espaço coletivo e interativo. Nesse universo são infinitas as possibilidades de criação e interação entre os usuários, que é feita através de avatares 3D construídos com base na união da realidade virtual e da realidade aumentada.

São exemplos desses ambientes jogos como The Sims, Fortnite, Minecraft e Roblox, que já são consideradas como “redes sociais da Geração Z/Millenial”, pois cada vez mais os jovens veem as plataformas como meio de distração, comunicação e um espaço de liberdade para interagir e criar relações, assistir filmes, shows, jogar partidas, participar de campeonatos e etc.

Apesar do termo e do ambiente não serem uma novidade no mercado, o assunto ganhou status de revolução tecnológica há pouco tempo, juntamente com o interesse das marcas para integrarem esses espaços, seja por meio de ações e campanhas de marketing, proporcionando experiências em ambientes exclusivos, vendas de “skins” e peças virtuais nas marketplaces, capitando investimentos e parcerias. A marca Balenciaga, por exemplo, apesar de trabalhar com o público de luxo, propôs ao Fortnite a venda de acessórios aos avatares dos jogadores, por valores de aproximadamente US$ 8 (oito dólares).

Embora esse comércio no metaverso ocorra através de criptomoedas já conhecidas, como o Bitcoin (BTC) e o Ethereum (ETH), concomitantemente com esse crescimento no mercado financeiro, surge também o desafio de controlar as transações e propriedades dos bens adquiridos através delas. Atualmente os bancos e usuários controlam essas operações utilizando os Tokens, que são dispositivos eletrônicos contendo um sistema gerador de um código identificador e senha que representa e limita o acesso a esse bem, sendo a representação digital desse ativo. 

Hoje encontramos no mercado quatro principais categorias de tokens, são elas: (i) os Payment tokens, que são utilizados para transferências de capital em moeda eletrônica, como as supracitadas criptomoedas Bitcoin e Ethereum; (ii) os Utility tokens que são vouchers de uma utilidade ou condição exclusiva, como o Fan Token em que clubes de times de futebol comercializam acessos especiais as dependências do estádio ou oferecem interações exclusivas; (iii) os Security tokens que são valores imobiliários negociados na Bolsa como ativos digitais, desde que avaliados pela CVM, através do Howey Test; e (iv) os NFTs, que são bens ativos digitais, considerados únicos, variando entre obras de arte, músicas, capas históricas de revistas, tweets e outras manifestações artísticas e intelectuais.

Com isso, surge o termo tokenização, da palavra token que significa “símbolo” em inglês, que basicamente é uma representação digital registrada em uma Blockchain, processo que transforma bens ou produtos abstratos ou do mundo real em um ativo digital que o represente, sejam tangíveis, ou intangíveis.

Lembrando que quase tudo pode se tornar um token, e quando algo é “tokenizado”, basicamente é fragmentado em frações digitais, sendo assim uma propriedade que vale em R$ 100 milhões (cem milhões de reais) pode ser dividida em 10 mil tokens, cada um valendo R$ 10 mil (dez mil reais).

Esse movimento de alargamento das fronteiras com o mundo digital vem em um momento de grande interesse global pelo metaverso e pelas oportunidades que ele pode representar. Transformar um bem em um token e vendê-lo por criptomoedas parece ser a perspectiva de investimento que mais cresce na atualidade. Entretanto, com a aposta neste mercado, também aparecem desafios regulatórios, sobretudo em um país onde a legislação a respeito ainda tenta acompanhar as inovações à medida que os riscos aparecem. 

A princípio, a tokenização se mostra como uma alternativa criativa ao modo como as transações são feitas no mundo empírico, isso porque a troca de informações em uma Blockchain ocorre de forma descentralizada, em que todos os participantes da rede garantem a veracidade dos termos e das condições, e, caso alguém tente fazer algo fora do padrão das regras, outras pessoas conectadas à rede podem rastrear essa ação. Além disso, por meio dos smart contracts, cada etapa de uma transação tem que ser concluída e verificada antes que a próxima etapa possa ocorrer. Com isso, para que consiga se falsificar registros, um criminoso teria que invadir não apenas um bloco de dados, mas uma sequência de blocos em várias etapas da cadeia, de forma que, até o presente, essas transações são uma ótima solução para a insegurança nas transações. 

Para além da proteção contra fraudes, o processo de “tokenização” pode incluir bens singulares, como os NFTs- non fungible tokens- os quais, ao serem registrados na Blockchain, geram um código de autenticidade, garantindo a segurança criptográfica do ativo. Dessa forma, o metaverso se expande com a criação de moedas, bens, ativos e etc, basicamente todo um sistema financeiro que promete mais segurança, agilidade e verificabilidade aos seus adeptos. 

Entretanto, assim como em toda inovação, existem diversas dúvidas a serem sanadas e pontos controversos que podem representar riscos neste tipo de investimento. Atualmente, no Brasil, não existem leis para tratar especificamente da aquisição e negociação de tokens, entretanto, para desenvolver a problemática, é preciso entender que as condições regulatórias variam de acordo com o tipo de token que está sendo emitido ou adquirido, por exemplo, tokens que? representam participação de empresas, assim como todos os de valores mobiliários são regulados pela CVM (Comissão de Valores Mobiliários), já em casos em que os tokens funcionam como instrumentos de pagamento, as regras poderiam ser estabelecidas pelo Banco Central, e assim por diante. Assim, independente da demora na regulação da “tokenização”,?os próprios tokens já tem uma estrutura jurídica que os sustentam. 

Em um segundo momento, se não avançarmos com a legislação a respeito em passos mais largos no Brasil, é provável que os investidores saiam em busca de mercados regulatórios mais favoráveis. Portanto, para caminhar nesse sentido, é preciso preparar o cenário no país para que seja possível obter garantias jurídicas sobre os tokens

Durante a estruturação do token, o primeiro passo é entender o ativo e verificar se ele realmente existe e pode ser “tokenizado”. Além disso, é preciso entender quem é o dono do ativo e se ele de fato tem o direito sobre ele, podendo assinar os contratos para a validação da emissão do token. Dependendo do tipo do ativo, ele ficará em custódia em um determinado lugar, pois eles podem ser digitais ou físicos, assim, faz-se necessário também, saber onde o ativo ficará.  

Outro passo fundamental é o detalhamento sobre o direito que os detentores do token vão adquirir a partir do ativo real, entender o que o dono do token efetivamente terá direito e como a remuneração vai se dar. 

Por fim, verificados os pontos acima, o último passo é certificar-se que o contrato de transmissão e emissão de tokens está sólido e bem delimitado, garantindo enfim a segurança e o melhor aproveitamento na transação.

Além disso, diante das incalculáveis possibilidades de investir no mercado do metaverso, destacou-se desde o início da pandemia casos de virtualização de atrações culturais e de entretenimento, como performances e apresentações que tem feito sucesso, já sendo possível construir estruturas grandes e intimistas ao mesmo tempo para shows nas plataformas, como o show do “Marshmallow”, que foi realizado no jogo Fortnite e contou com mais de 10 milhões (dez milhões) de visualizações, ou até mesmo a rentabilização de marcas através de royalties por reprodução de itens gráficos que se associam à marca e possibilitam gerar criptoativos. 

Ademais, vale destacar que o mercado está aquecido e já conta com marcas que se destacam pela supervalorização, como a Bored Ape Yacht Club (BAYC), que comercializa tokens de produções artísticas virtuais, como a repercutida operação realizada pelo jogador Neymar Jr. na marketplace OpenSea, que comprou duas peças de ilustrações de uma coleção desta marca, avaliada em 349,68 ETH (Ethereum), o que equivale a US$ 1,1 milhão (um milhão e cem mil dólares).

Conclui-se, portanto, que o movimento de “tokenização” na era do Metaverso vem para favorecer as operações financeiras acerca nesse mercado, uma vez que facilita o acesso dos investidores e aumenta a liquidez destes itens, possibilitando maior movimentação do que já se considera como uma economia própria.

*Ana Beatriz e Giovana são estagiárias da área Societária M&A no escritório de Belo Horizonte.

Referências Bibliográficas

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RAMESH, U.V e HARINI, A, Metaverse: Future of the Internet, Department of Computer Science, Pragati Engineering College, Kakinada, India, Fevereiro, 2022. Disponível em: https://ijrpr.com/uploads/V3ISSUE2/ijrpr2593-metaverse--future-of-the-internet.pdf 

REGNER, Ferdinand, SCHWEIZER, André e URBACH, Niels, NFTs in Practice – Non-Fungible Tokens as Core Component of a Blockchain-based Event Ticketing Application, Fortieth International Conference on Information System Munich, 2019. Disponível em: https://theblockchaintest.com/uploads/resources/Ferdinand%20Regnar-Andre%20Schweizer-Nils%20Urbach%20-%20NFTs%20in%20Practice%20non-Fungible%20Tokens%20as%20Core%20Component%20of%20a%20Blockchain%20Based%20Event%20Ticketing%20Application%20-%202019.pdf 

GARCIA- TERUEL, Rosa. M, SÍMON- MORENO, Héctor, The digital tokenization of property rights. A comparative perspective, Universitat Rovira i Virgili, Spain, 2021. Disponível em: https://reader.elsevier.com/reader/sd/pii/S0267364921000169?token=22C315C045838EDD68B4BC7C0B3A7E8B33D933949E9FC69B7A9C7C09FAD0465E79B2413DF82C1C2D201B8F35403C7DB5&originRegion=us-east-&originCreation=20220318183141 

Mais alguns links de pesquisa: 

https://exame.com/future-of-money/plataforma-de-tokenizacao-brasileira-que-usa-ethereum-capta-r275-milhoes/ 

https://www.clsbe.lisboa.ucp.pt/noticias/regulacao-dos-mercados-de-cripto-activos-na-ue/amp

https://www.kaspersky.com/resource-center/definitions/what-is-cryptocurrency

https://cointelegraph.com.br/news/congress-has-put-forward-18-bills-on-digital-assets-in-2021-so-far 

https://forbes.com.br/forbes-money/2021/08/congresso-dos-eua-discute-18-projetos-de-lei-para-regulamentacao-das-criptomoedas-e-blockchain/ 

https://forbes.com.br/forbes-tech/2022/01/exemplos-do-metaverso-marcas-que-atuam-com-propriedade/

https://www.moneytimes.com.br/criptoativos-musicais-royalties-tokens-nfts-e-shows-no-metaverso/

https://forbes.com.br/forbes-tech/2022/01/exemplos-do-metaverso-marcas-que-atuam-com-propriedade/

https://www.infomoney.com.br/guias/tokens/