O Direito ao esquecimento


O Direito ao esquecimento


Por Tatiana Maria S. Mello de Lima 

O avanço da tecnologia facilitou o acesso à informação sobre quaisquer assuntos e pessoas, tornando-se cada vez mais uma forma de poder, utilizada de vários modos.

Em uma rápida pesquisa, em um provedor de busca, por exemplo, é possível encontrar informações de todos os tipos sobre um determinado indivíduo, informações essas que nem sempre são fornecidas pela própria pessoa, mas sim resultado de alguma situação vivida por ela que, por algum motivo, tornou-se pública, sendo assim amplamente divulgada. 

A hiperexposição do indivíduo, seja voluntária ou não, acaba gerando situações em que a personalidade da pessoa pode ser atingida, afetando sua vida e até mesmo atrapalhando sua integração social. Nesta senda, este indivíduo se socorre ao Poder Estatal, para que lhe seja garantida a paz social. Para tal, o indivíduo pede ao Judiciário que faça ser respeitado o seu direito ao esquecimento, já que a divulgação daquela informação lhe causa desconforto, sem nenhuma contribuição à sociedade.  

O direito ao esquecimento é o desejo de uma pessoa em apagar fatos de seu passado, que são danosos a sua privacidade e lhe causam constrangimentos, sem qualquer relevância ao interesse público atual ou importância para a sociedade.

O direito ao esquecimento não pode usado para fins de retirada indiscriminada de dados, pois assim seria considerado censura, o que encontra impedimento na Constituição Federal. No mesmo sentido, não há que se falar em direito ao esquecimento quando informações são relevantes ao interesse público fundados nas necessidades históricas[1]. Nesses casos, não pode o indivíduo pleitear tal direito, por agressão ao direito à memória. 

O Brasil não tem legislação específica, mas o direito ao esquecimento é derivado da tutela da intimidade, da privacidade, da dignidade humana, sendo um direito da personalidade. É uma construção doutrinária, fundamentada em vários princípios da Constituição Federal, encampada pela jurisprudência dos Tribunais. 

No entanto, como fica o direito ao esquecimento em face da garantia constitucional ao direito à informação? Afinal, a todos é garantido o direito do acesso à informação, bem como de receber dos órgãos públicos informações de seu interesse, seja ele privado ou coletivo. 

Assim, como uma das facetas do direito à informação é o receber (e ter conhecimento), existe o direito de informar (passar informação/conhecimento a outro). 

Tem-se, portanto, três vertentes do mesmo direito: 

  1. Direito de ser informado (indivíduo recebe a informação); 
  2. Direito de se informar (indivíduo busca a informação); 
  3. Direito de informar (é o de transmitir a informação).

O direito de informar tem que ser usado com cautela, primando sempre pela relevância para a coletividade. Neste caso, o objetivo de quem informa é atualizar a coletividade de assuntos que sejam de seu interesse. Com isso, quem informa deve, a priori, manter a imparcialidade e ser fidedigno aos fatos.

Quanto à colisão do direito ao esquecimento com o direito à informação, o último contorno sobre o tema foi chancelado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), no RE 1010606/RJ[2], afetado pela repercussão geral, TEMA 786, que fixou a tese de que o direito ao esquecimento é incompatível com a Constituição, e eventuais excessos ou abusos no exercício da liberdade de expressão devem ser analisados caso a caso. A tese de repercussão geral ficou alinhavada da seguinte forma:

"É incompatível com a Constituição Federal a ideia de um direito ao esquecimento, assim entendido como o poder de obstar, em razão da passagem do tempo, a divulgação de fatos ou dados verídicos e licitamente obtidos e publicados em meios de comunicação social - analógicos ou digitais. 

Eventuais excessos ou abusos no exercício da liberdade de expressão e de informação devem ser analisados caso a caso, a partir dos parâmetros constitucionais, especialmente os relativos à proteção da honra, da imagem, da privacidade e da personalidade em geral, e as expressas e específicas previsões legais nos âmbitos penal e cível". 

A interpretação jurisprudencial dada é contrária ao que vinha sendo aplicado pelos Tribunais do país, bem como à recente doutrina e a leis disponibilizadas por vários países que adotam o direito ao esquecimento.  O relator do julgado, Ministro Dias Toffoli, afirma que a liberdade de informação deve ser prioritária, fazendo crer que existe preferência a esse direito aos demais de índole fundamental, somente mitigando sua relevância, quando se acomete algum abuso.

A impressão inicial é que o Supremo teria colocado fim ao direito ao esquecimento. Porém, pela leitura do julgado, observa-se que o STF não afastou por completo o direito ao esquecimento, sendo perfeitamente possível sua utilização, mas colocou como requisito imprescindível a existência de abuso do direito à informação e à liberdade de expressão, em detrimento dos direitos da personalidade e da dignidade humana. Com isso, antes de se pleitear o direito ao esquecimento, é necessária a comprovação de que o direito à informação ou à liberdade de expressão ultrapassou os limites constitucionais, violando o direito à privacidade do titular.

[1] O trecho “interesse público fundados nas necessidades históricas “ foi extraído da ementa do acórdão do processo 20161610095015APC, Relator: ROMULO DE ARAUJO MENDES, 1ª Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios. No mesmo sentido, o REsp 1334097, DJe 10.09.2013, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, 4ª Turma, Superior Tribunal de Justiça.

[2] Os familiares de vítima de feminicídio pleiteavam o direito ao esquecimento de caso que ficou nacionalmente conhecido como o “CASO AIDA CURI”.  O crime havia sido retratado em programa televisivo, 50 anos depois do assassinato, mas que divulgou o nome, fotos, cenas do crime, maculando a memória da vítima.