O casuísmo na implantação do regime diferenciado de contratações públicas


O casuísmo na implantação do regime diferenciado de contratações públicas


As Medidas Provisórias foram integradas ao texto constitucional como sucessoras ideológicas dos defuntos Decretos-Lei vigentes sob a égide da Constituição anterior, conferindo ao Poder Executivo a capacidade de legislar, sobre temas restritos, e em tese apenas em casos de relevância e urgência.

Sem prejuízo das rotineiras críticas ao instrumento, sobretudo no que toca à ingerência do Executivo em atividades de competência do Poder Legislativo, bem como da veiculação de matérias vedadas pelo art. 62 da Constituição Federal, deparamo-nos com uma “nova” forma de má-utilização Medidas Provisórias, que vem a cada dia ganhando maiores proporções.

Não é de hoje que as leis, em sentido amplo, veiculam normas pontuais completamente estranhas à matéria principal que constitui seu objeto. Exemplificativamente, tem-se a MP 516/10, mais conhecida como a MP do Salário Mínimo, cuja lei resultante de sua conversão modificou, também, as regras para a extinção da punibilidade em casos de crimes contra a ordem tributária.

Outra quimera legislativa recentemente editada, contudo, merece um destaque especial, qual seja, a MP 521/10 1, que dispõe sobre as atividades de médico-residente e sobre as gratificações da AGU.

Durante sua tramitação no Congresso Nacional, a relatora do projeto de lei de conversão, ao invés de se ater ao seu papel de relatar o conteúdo da norma proposta, simplesmente decidiu extrapolá-lo e apresentou emenda introduzindo matéria absolutamente destoante do seu objeto. No caso específico, médicos e gratificações foram virtualmente esquecidos e a MP 521/10 passou – do nada – a contemplar o “Regime Diferenciado de Contratações Públicas”, solução legislativa extraordinária para viabilizar obras necessárias à realização da Copa do Mundo e das Olimpíadas.

A inclusão de matérias estranhas durante a tramitação de Medidas Provisórias, contudo, não é apenas uma prática legislativa condenável, desaprovada tanto pelo regimento interno e pela Resolução nº 01/1989 do Congresso Nacional.

Alguns legisladores, aparentemente, ignoraram a Lei Complementar nº 95, de 26 de fevereiro de 1998, que “dispõe sobre a elaboração, a redação, a alteração e a consolidação das leis”, a qual é expressa ao regrar, em seu art. 7º, II, que “a lei não conterá matéria estranha a seu objeto ou a este não vinculada por afinidade, pertinência ou conexão”. Em outras palavras, a atual prática de inserir, e ocultar, matérias que requerem uma ágil tramitação em Medidas Provisórias que versam sobre temas totalmente diversos viola, diretamente, a referida Lei Complementar nº 95/98.

No afã de aprovar rapidamente as matérias ditas de relevância e urgência, utilizando-se desse subterfúgio, incorre-se em ilegalidade do próprio texto legal adicionado.

Especificamente no caso da MP 521/10, é forçoso considerar que a eficiência e agilização dos procedimentos de licitação pode se ver emperrada, não pelos supostos entraves impostos pela Lei nº 8.666/93, mas pela insegurança jurídica resultante da possibilidade, a qualquer tempo, da perda de validade da norma. Trata-se de grande risco jurídico, que sequer foi avaliado.

1 A MP 521/10 foi aprovada pela Câmara dos Deputados sem o Regime Diferenciado de Contratações Públicas, que será incluído na MP 527/11cujo objeto original é a criação da Secretaria de Aviação Civil.