O Artigo 475-J do CPC e a execução provisória


O Artigo 475-J do CPC e a execução provisória


As recentes alterações sofridas na lei de ritos processuais cíveis, principalmente aquelas que visaram alterar os procedimentos específicos para o cumprimento de sentença, vem trazendo no cenário jurídico brasileiro uma série de discussões. Uma delas é, sem dúvida, a incidência da multa de 10% prevista no artigo 475-J, do Código de Processo Civil nas execuções provisórias.

O nosso Código de Processo Civil faculta ao vencedor de determinado processo e/ou procedimento judicial a possibilidade de executar – adiantando os atos executivos perseguindo a garantia de um resultado prático e útil de possível execução – provisoriamente uma decisão, mesmo que dela esteja pendente recurso recebido apenas no seu efeito devolutivo 1 .

Neste rumo, é o que dispõe o parágrafo 1º, do artigo 475-I, do Código de Processo Civil que: “É definitiva a execução da sentença transitada em julgado e provisória quando se tratar de sentença impugnada mediante recurso ao qual não foi atribuído efeito suspensivo”. Logo, a execução provisória permite ao credor a possibilidade de concretizar um julgado que lhe foi favorável, mesmo havendo a pendência de eventual recurso desprovido de efeito suspensivo.

Assim sendo, antes das reformas havidas no Código de Processo Civil, ocorridas no ano de 2002, a execução provisória se diferenciava da definitiva pela impossibilidade de o vencedor/exequente chegar ao fim do procedimento. Todavia, como explica o Professor Fredie Didier Júnior, a diferença substancial entre estas duas espécies de execução não reside mais na possibilidade de chegar-se ou não à fase final do procedimento executivo, com a entrega do objeto da prestação ao credor.

A distinção entre essas espécies de execução passou a não ser mais feita com base neste critério. O critério agora é a estabilidade do título executivo em que se funda a execução: se se tratar de decisão acobertada pela coisa julgada material, a execução é definitiva; se se tratar de decisão judicial ainda passível de alteração (reforma ou invalidação), em razão da pendência de recurso contra ela interposto, a que não tenha sido atribuído efeito suspensivo, a execução é provisória.2

Feitas estas considerações iniciais, passemos, então, à análise sobre possibilidade de incidência do art. 475-J na Execução Provisória, tendo em vista as recentes reformas ocorridas no direito processual civil, advindas da lei 11.232/2005, principalmente no que se refere a multa de 10% (dez por cento) inserida no referido artigo. A Matéria é objeto de fortes discussões em todos os Tribunais brasileiros e entre os mais renomados doutrinadores do nosso país.

Dispõe o artigo 475-J que: “Caso o devedor, condenado ao pagamento de quantia certa ou já fixada em liquidação, não o efetue no prazo de quinze dias, o montante da condenação será acrescido de multa no percentual de dez por cento e, a requerimento do credor e observado o disposto no art. 614, inciso II, desta Lei, expedir-se-á mandado de penhora e avaliação.”.

O cerne da questão, e o que instiga toda a discussão sobre a incidência da multa prevista no artigo 475-J, é exatamente a redação dada um pouco mais adiante, no artigo 475-O do Código de Processo Civil, que assim prescreve: “Art. 475-O. A execução provisória da sentença far-se-á, no que couber, do mesmo modo que a definitiva, observadas as seguintes normas (…)” Ou seja, o próprio Código de Processo Civil, no artigo acima citado, determina que a execução provisória será promovida da mesma forma que a definitiva.

Entrementes, parece-nos mais razoável, o entendimento liderado pelo Professor Humberto Theodoro Júnior que defende que a multa de 10% (dez por cento) do artigo 475 – J do CPC não é devida na execução provisória. Ensina o professor que “(…) A multa em questão é própria da execução definitiva, pelo que pressupõe sentença transitada em julgado. Durante o recurso sem efeito suspensivo, é possível a execução provisória, como faculdade do credor, mas inexiste, ainda, a obrigação de cumprir espontaneamente a condenação para o devedor. Por isso não se pode penalizá-lo com a multa pelo atraso naquele cumprimento”.

Até porque, as alterações do procedimento executório, principalmente àquelas trazidas com o artigo 475-J, foram idealizadas com o objetivo de estimular o devedor a realizar o pagamento da dívida objeto de sua condenação, evitando, assim, a incidência da multa pelo inadimplemento da obrigação constante do título executivo. Sobre esta perspectiva, e se a multa prevista no art. 475-J pressupõe a existência de sentença transitada em julgado e, com efeito, a própria estabilidade do titilo executivo, não nos parece razoável aplicá-la aos casos de execução provisória.

Obrigar o executado/vencido a providenciar o cumprimento – aqui leia-se pagamento – , sob pena de sanção pecuniária, corresponde em compeli-lo a praticar ato incompatível com o seu direito constitucional e legítimo de recorrer. Se o executado se voltou contra a decisão que lhe é desfavorável, pressupõe que ele, o executado, discorda com aquilo que lhe foi imputado, tornando incoerente e, de certa forma, contraditório, obrigá-lo a cumprir, mesmo que provisoriamente, determinada decisão pendente de recurso, sob pena de multa.

Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça decidiu pela incompatibilidade da incidência da multa do art. 475-J nas execuções provisórias, o que muito provavelmente será a próxima e nova tendência dos nossos Tribunais. Vejamos o quanto decidiu aquele Tribunal maior:

“PROCESSUAL CIVILMULTA DO ART. 475-J DO CPC – INCIDÊNCIA NA EXECUÇÃO PROVISÓRIA – IMPOSSIBILIDADEINCOMPATIBILIDADE LÓGICA – NECESSIDADE DE AFASTAMENTO DA MULTA.

1. O artigo 475-J, com redação dada pela Lei n. 11.232/2005, foi instituído com o objetivo de estimular o devedor a realizar o pagamento da dívida objeto de sua condenação, evitando assim a incidência da multa pelo inadimplemento da obrigação constante do título executivo.

2. A execução provisória não tem como escopo primordial o pagamento da dívida, mas sim de antecipar os atos executivos, garantindo o resultado útil da execução.

3. Compelir o litigante a efetuar o pagamento sob pena de multa, ainda pendente de julgamento o seu recurso, implica em obriga-lo a praticar ato incompatível com o seu direito de recorrer (art. 503, parágrafo único do CPC), tornando inadmissível o recurso.

4. Por incompatibilidade lógica, a multa do artigo 475-J do CPC não se aplica na execução provisória. Tal entendimento não afronta os princípios que inspiraram o legislador da reforma. Doutrina. Recurso especial provido”. (REsp 1100658 / SP RECURSO ESPECIAL 2008/0236605-3; Relator(a) Ministro HUMBERTO MARTINS; Órgão Julgador T2; – SEGUNDA TURMA; Data do Julgamento 07/05/2009.

Assim, salvo melhor juízo, de acordo a com a predominante doutrina e jurisprudência, a incidência de multa em sede de execução provisória da sentença impugnada por meio de recurso, não é cabível, em função da própria natureza provisória da execução.

Notas

1 Ressalte-se, por oportuno, que a regra geral é a de que os recursos sejam dotados de efeito suspensivo. Existem, apesar disso, determinados recursos que podem ser dotados, apenas, de efeito devolutivo, autorizando, pois, a execução provisória, como, por exemplo, o Recurso Especial e Recurso Extraordinário.

2 DIDIER JÚNIOR, Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael. Curso de Direito Processual Civil. 5. ed. Editora JusPodivm, 2009. p. 30 e 40.