ITBI: a base de cálculo determinada pelo valor efetivamente transacionado


ITBI: a base de cálculo determinada pelo valor efetivamente transacionado


Por Carolina Costa Ribeiro de Oliveira Faria e Carolina Sotto Mayor Barreto

O Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) é o imposto de competência municipal incidente sobre as transações de compra e venda de imóveis, sendo, o seu recolhimento, condição imprescindível para a formalização do registro de venda, que, por sua vez, confere a publicidade necessária a terceiros acerca do negócio jurídico realizado, bem como transfere a propriedade para o nome do adquirente.

O art. 156 da Constituição Federal autoriza os Municípios a instituírem o tributo e a base de cálculo está prevista no art. 38 do Código Tributário Nacional (CTN) como “o valor venal dos bens e direitos adquiridos”, o que, segundo a lição de Aliomar Baleeiro, é o valor que o imóvel alcançará para compra e venda à vista, segundo as condições usuais do mercado de imóveis[1].

Ocorre que, na prática, os municípios adotam critérios diversos para fixar a base do imposto – em muitos casos considerando o valor utilizado para cálculo do IPTU ou um “valor de referência” previamente estipulado – não sendo incomum que a guia apresentada para recolhimento pelo adquirente seja calculada sobre um valor superior ao efetivamente negociado na compra do imóvel. Nestes casos, restava ao contribuinte a contestação do valor no âmbito administrativo ou judicial.

Em março deste ano, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) apreciou o tema sob o rito dos recursos especiais repetitivos, tendo estabelecido importante posicionamento que deverá orientar todas as decisões judiciais a respeito deste assunto.

Segundo consta no acórdão proferido no julgamento do REsp nº 1.937.821, caberia à Corte definir: “a) se a base de cálculo do ITBI está vinculada à do IPTU; e b) se é legítima a adoção de valor venal de referência previamente fixado pelo fisco municipal como parâmetro para a fixação da base de cálculo do ITBI.”

Em relação ao IPTU, a controvérsia decorre do fato de que, apesar de também ter como base de cálculo o valor venal do imóvel – mesma expressão utilizada para a definição da base de cálculo do ITBI -, os referidos impostos apresentam fatos geradores bastante distintos.

No caso do ITBI, o fato gerador é a transmissão da propriedade ou de direitos reais imobiliários ou a cessão de direitos relativos a tais transmissões[2], ou seja, um negócio jurídico que nasce de um acordo de vontades entre o alienante e o adquirente. O IPTU, por sua vez, tem como fato gerador a propriedade, domínio útil ou posse de bem imóvel localizado em zona urbana municipal.

Além dos fatos geradores distintos, cumpre também destacar que o IPTU está sujeito ao lançamento de ofício, o que significa que o ente administrativo detém elementos suficientes para estabelecer o quantum devido a título do imposto, e assim o faz, apresentando ao contribuinte o valor exato que deverá recolher.

O ITBI, por outro lado, como ficou definido no Acórdão do REsp 1.937.821, não comporta essa modalidade de lançamento, já que são inúmeras as circunstâncias que podem interferir no valor de mercado de cada imóvel transacionado, circunstâncias estas que apenas os negociantes são capazes de auferir para a determinação do valor. Nos termos do referido acórdão, “conhecimento integral somente os negociantes têm ou deveriam ter para melhor avaliar o real valor do bem quando da realização do negócio”.

Sendo assim, caberia ao ITBI apenas as modalidades de lançamento por declaração – na qual presume-se que o valor declarado pelo contribuinte está condizente com o valor venal daquele imóvel transacionado –, ou por homologação – na qual cabe ao contribuinte apurar e recolher o imposto, tendo a administração pública o prazo decadencial de 5 anos para proceder a qualquer revisão.

Diante desse cenário, o STJ firmou a tese da impossibilidade de vinculação da base de cálculo do ITBI ao valor estipulado para o IPTU, confirmando o entendimento apresentado pela própria Corte em acórdãos precedentes, fora do rito de recurso repetitivo.

Ainda na mesma decisão, o STJ enfrentou a possibilidade levantada pelo município de São Paulo de adotar como base de cálculo do ITBI um “valor de referência” previamente estipulado pelo fisco municipal.

Ocorre que, ao fixar a base de cálculo do imposto com base em “valor de referência” previamente estabelecido, o fisco estaria buscando, de fato, realizar o lançamento de ofício amparado em critérios escolhidos unilateralmente e que desprezam as peculiaridades do imóvel e da transação, visto que apenas revelam um valor médio de mercado de cunho meramente estimativo.

Afinal, como se sabe, o valor de mercado de um imóvel não é absoluto, mas relativo, e oscila diante das particularidades de cada imóvel, do momento em que é realizada a transação e da motivação dos negociantes. 

Sendo assim, a adoção de “valor de referência” como primeiro critério para fixação da base de cálculo do ITBI resultaria em arbitramento da base de cálculo sem prévio juízo quanto à fidedignidade da informação prestada pelo contribuinte, subvertendo o procedimento previsto no art. 148 do CTN.

Nos termos do mencionado dispositivo legal, apenas quando as informações declaradas pelo contribuinte sejam omissas ou não mereçam fé pode a autoridade lançadora arbitrar o valor ou o preço da transação.

Considerando esse aspecto, a Corte firmou o importante entendimento de que o valor de mercado para fins de determinação da base de cálculo do ITBI corresponde presumidamente ao valor da transação informado na declaração do contribuinte, presunção esta que só pode ser afastada pelo fisco mediante processo administrativo.

Resumidamente, a Primeira Seção do STJ estabeleceu três teses relativas ao cálculo do ITBI:

  1. A base de cálculo do ITBI é o valor do imóvel transmitido em condições normais de mercado, não estando vinculada à base de cálculo do IPTU, que não deve ser utilizada como piso de tributação;
  2. O valor da transação declarado pelo contribuinte goza da presunção de que é condizente com o valor de mercado, e esta presunção somente pode ser afastada pelo fisco mediante a regular instauração de processo administrativo próprio;
  3. O município não pode arbitrar previamente a base de cálculo do ITBI com respaldo em “valor de referência” por ele estabelecido de forma unilateral.

Há de se concordar que o posicionamento da Corte Superior, além de carregar muita coerência, na medida em que o ITBI passa ser calculado sobre o valor efetivamente transacionado, ainda retira do Município o poder arbitrário de determinar a base de cálculo do imposto mediante critérios internos, sem que muitas vezes o contribuinte tenha, sequer, acesso a tais parâmetros, ficando sujeito à discricionariedade do Município. 

[1]  Direito Tributário Brasileiro. Rio de Janeiro: Forense. 11ª ed., 2003, p. 249

[2] Art. 35 do CTN