Em outubro de 2021, a Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL) publicou o novo Regulamento Geral de Exploração de Satélites, modernizando a normatização do país, eliminando a necessidade de conduzir procedimentos licitatórios de posição orbital e simplificando regras anteriormente dispersas em diversos normativos. Não obstante os novos dispositivos brasileiros, poderá haver também a exigência de cumprimento do Regulamento de Radiocomunicações (RR) da União Internacional de Telecomunicações (UIT) e de orientações do Departamento das Nações Unidas para Assuntos do Espaço Exterior (UNOOSA).
Quando existe comunicação com estações terrenas no Brasil, a exploração de satélite sobre o seu território requer a outorga de direito de exploração de satélite; autorização para uso das radiofrequências (RFs) utilizadas por tais estações, bem como autorização para exploração de serviço de telecomunicações; ou autorização para execução de serviço de radioamador, a depender do caso, muito embora em situações específicas a outorga possa ser dispensada.
De acordo com os termos do novo Regulamento, o direito de exploração de satélite é um ato administrativo, que autoriza o uso de recursos de órbita e RFs para o controle e monitoração de satélite, telecomunicação via satélite, e provimento de capacidade satelital sobre o território do Brasil, seja por satélite brasileiro ou estrangeiro.
Determina o Regulamento que satélite brasileiro é aquele que faz uso de recursos de órbita e espectro radioelétrico notificados pelo Brasil perante a UIT, com sua estação de controle e monitoração instalada no território nacional. Os satélites estrangeiros, por sua vez, usam os citados recursos conforme notificados à UIT por outros países.
Segundo a regulamentação brasileira, o provimento de capacidade satelital não constitui um serviço de telecomunicações; este último corresponde ao conjunto de atividades que possibilita a oferta de transmissão, emissão ou recepção, por fio, radioeletricidade, meios ópticos ou qualquer outro processo eletromagnético, de símbolos, caracteres, sinais, escritos, imagens, sons ou informações de qualquer natureza, conforme estabelecido na Lei Geral de Telecomunicações (LGT).
Assim sendo, após o direito de exploração de satélites ser conferido, as exploradoras somente podem prover a capacidade satelital a empresas que detenham concessão, permissão ou autorização para prestar serviços de telecomunicações e radiodifusão ou, ainda, às Forças Armadas. Porém, não é vedado que as exploradoras de satélites sejam também prestadoras de serviços de telecomunicações, cumpridas as exigências para tanto.
A exploração de satélites deve ser previamente coordenada com os sistemas de comunicação via satélite que tenham prioridade de coordenação no âmbito nacional, caso haja sobreposição de frequências. Tal prioridade é conferida às redes satelitais notificadas em nome do Brasil, direitos de exploração conferidos e aqueles cuja autorização de exploração tenha sido solicitada em um momento anterior. Deve-se também observar que caso sejam realizadas alterações técnicas no sistema e estas possam ocasionar interferência adicional àquela coordenada, deverá ser realizado um novo processo de coordenação. De qualquer maneira, os satélites devem conter recursos que possibilitem a imediata interrupção de emissões de RFs, sendo os equipamentos de transmissão e recepção respectivamente projetados para reduzir emissões indesejáveis e a susceptibilidade a interferências de estações que operam nos moldes da regulamentação.
Para a obtenção, alteração ou prorrogação do direito de exploração de satélite, a parte interessada deverá apresentar solicitação à ANATEL, comprovando o atendimento a certas exigências, tais como ser pessoa jurídica de direito público ou privado, constituída sob as leis brasileiras, com sede e administração no Brasil; não estar proibida de licitar ou contratar com o Poder Público; dispor de qualificação jurídica e técnica para a exploração de satélite; apresentar projeto técnico do sistema de comunicação via satélite, dentre outras.
Determina o Regulamento que a supra citada solicitação também deve indicar os Filings das Redes de Satélites (ou seja, os projetos do sistema de comunicação via satélite apresentados à UIT), o nome do satélite ou a indicação do sistema ao qual o direito deverá ser associado, a posição orbital, as faixas de frequências, a área geográfica de cobertura, o prazo de direito de exploração pretendido, os acordos de coordenação necessários e eventuais acordos de colocalização de satélites.
Ainda que alterações no satélite ao qual se refere o direito de exploração conferido e em sua posição orbital nominal não sejam permitidas (salvo em virtude de coordenação), novas faixas de frequências poderão ser a ele adicionadas, sem mudanças no prazo de vigência do direito.
Em havendo acordo neste sentido, direitos de exploração poderão ser outorgados a diferentes empresas em relação a um mesmo satélite ou mesmo sistema de satélites não geoestacionário, inclusive abrangendo as mesmas faixas de frequências. De modo a garantir que não ocorra restrição à competição, deve ser assegurada a coexistência com sistemas já em operação ou a serem autorizados em um momento posterior.
Segundo a definição estabelecida pelo Regulamento, satélite geoestacionário deve ser entendido como o “satélite geossíncrono de órbita circular localizado no plano do equador terrestre que permanece relativamente fixo em relação a um ponto específico da Terra”. Não geoestacionários, por sua vez, são aqueles satélites que não se enquadrem em tal conceito.
A preferência na obtenção de novo direito, de acordo com o Regulamento, é conferida às exploradoras que detêm outra outorga relativa aos mesmos recursos de órbita e espectro. Porém, estas devem manifestar seu interesse neste sentido no mínimo 2 (dois) anos antes do vencimento do direito original; o provimento da capacidade satelital também não poderá ter sido descontinuado.
A solicitação de direito de exploração, prorrogação do mesmo, ou adição de faixas de frequências, poderá ser negada, no todo ou em parte. Também relevante, restrições, limites ou condições no que tange à obtenção e prorrogação de direitos de exploração de satélites, bem como à transferência dos mesmos (que requer a aprovação da ANATEL), poderão ser determinados para promover a ampla e justa competição, impedindo a concentração econômica deste mercado.
Alguns requisitos específicos são aplicáveis para que ocorra a obtenção de direito de exploração de satélite brasileiro. Dentre estes, podemos citar a apresentação de garantia de compromisso de colocar o segmento espacial em operação, equivalente a 100 vezes o preço público do referido direito. Segmento espacial, conforme conceituado no Regulamento, corresponde aos satélites e às estações terrenas de rastreamento, telemetria, comando, controle, monitoração e demais equipamentos de suporte à operação.
Já no que concerne à exploração de satélite estrangeiro, há ainda outros requisitos a serem atendidos. Por exemplo, deve ser formalizada junto à ANATEL a indicação de representantes legais no Brasil, aos quais cabe efetuar o pagamento relativo ao direito de exploração. Adicionalmente, deve ser apresentada documentação que evidencie as condições da autorização do satélite em seu país de origem.
Muito embora as representantes legais citadas no parágrafo anterior devam ser empresas constituídas de acordo com a legislação brasileira, com sede e administração no Brasil, nada obsta que estas sejam prestadoras de serviços de telecomunicações. Contudo, a capacidade satelital que tais empresas representam somente pode ser utilizada em havendo contratação formalizada por meio de outro representante legal. Conforme especificado no Regulamento, o “contrato de comercialização de capacidade espacial referente a direito de exploração de satélite estrangeiro deve ser firmado no Brasil entre o representante legal da exploradora e a prestadora de serviço de telecomunicações, partes contratuais distintas”.
A partir da publicação do respectivo Ato de outorga, a operação de satélites geoestacionários brasileiros deverá ter início em até 5 (cinco) anos, sendo este prazo reduzido para 2 (dois) anos no caso de satélites estrangeiros. No que se refere aos satélites não geoestacionários, o respectivo prazo será fixado pela ANATEL, em consideração às características dos sistemas, aos dispositivos do RR da UIT e ao interesse público.
O direito de exploração poderá ser concedido por até 15 anos. Porém, em sendo atendidos os requisitos estabelecidos pela citada Agência para tanto, este prazo poderá ser prorrogado, igualmente por períodos de até 15 anos, pelo restante da vida útil do satélite autorizado. O mesmo prazo se aplica à prorrogação dos direitos de exploração de sistemas que contêm mais de um satélite não geoestacionário, independentemente da vida útil dos satélites que o componham.
A extinção do direito de exploração de satélites, que pode ocorrer em virtude de vencimento do prazo, término da vida útil do satélite, anulação, caducidade, cassação, renúncia ou rescisão bilateral, não implica na desoneração da exploradora de suas obrigações perante a ANATEL e/ou terceiros, podendo haver apuração de infrações (sujeita a penalidades) e cobrança de valores devidos, conforme cabíveis. Mais ainda, a exploradora poderá responder por danos ocasionados às prestadoras por interrupção do provimento de capacidade satelital.
Como o uso seguro e sustentável do espaço é tópico de relevância mundial, é fácil depreender que a regulamentação da exploração de satélites, não apenas no Brasil, é de primordial importância. Existem diversas discussões a respeito da existência de equipamentos satelitais, inclusive de baixa órbita (Low Earth Orbit ou LEO, que operam a uma distância de até 2000 km da Terra), em meio a uma grande quantidade de outros objetos localizados ao redor do planeta, e os efeitos de seus detritos. A operadora brasileira Embratel Star One é uma das empresas que se manifestou a respeito do tema.
Mas mesmo apesar da polêmica, a quantidade de satélites tende ao aumento. Exemplo muito recente disto é o plano anunciado pela União Europeia para a construção de um novo sistema de satélites visando o provimento de conectividade para o bloco econômico. Em linha com esta tendência, a ANATEL recentemente aprovou direitos de exploração de satélites para empresas como Intelsat até 2025, SpaceX até 2027 (abrangendo milhares de satélites da constelação Starlink) e Swarm até 2035.
Para receber as principais notícias e posicionamentos legislativos sobre este e outros temas relacionados a telecomunicações, acompanhe a equipe de Tecnologia, Mídia e Telecomunicações (TMT) do Azevedo Sette Advogados.
São Paulo, 03 de março de 2022