É possível segregar atividades operacionais para pagar menos tributos?


É possível segregar atividades operacionais para pagar menos tributos?


Por Juliana Federici Guedes e Luciana Marques Rodrigues Tolentino

A alta carga tributária das pessoas jurídicas acarreta uma redução da margem de lucro das sociedades empresárias, fazendo com que haja uma constante busca por planejamentos tributários que possibilitem a efetiva redução dos custos em suas operações. 

O planejamento tributário pode ser entendido como o conjunto de condutas lícitas realizadas pelo contribuinte objetivando atingir a menor carga tributária legalmente possível, tendo como fundamentos alguns princípios previstos na Constituição Federal, tais como a livre concorrência, liberdade de iniciativa, liberdades e garantias individuais e o direito de propriedade.

Nesse contexto se inserem as reorganizações societárias, como alternativa, amplamente explorada, de planejamento tributário. A constituição de sociedades dentro de um mesmo grupo econômico, que tenham atividades similares, complementares ou até mesmo distintas, ou a segregação de atividades de uma determinada unidade empresarial, por meio da segmentação desta em mais de uma pessoa jurídica, de forma que as partes cindidas passem a explorar, individualmente, as atividades segregadas, são situações que, além de reduzir a carga tributária total na operação desenvolvida pelo grupo empresarial, acarretam ganhos em eficiência ou melhoria da organização.

Em alguns casos, a segregação de atividades tem sido utilizada para reduzir o pagamento de tributo, à medida que reduz a receita bruta total de cada uma das empresas individualmente (segmentadas por tipo de atividade/operação desenvolvida), possibilitando a utilização do lucro presumido para fins de apuração dos tributos, em detrimento à tributação pelo lucro real, que possui carga tributária notoriamente superior no caso de empresas altamente lucrativas. Neste tipo de reestruturação, as empresas são divididas por ramos de atividade, onde cada uma se torna responsável por um segmento, resultando em distribuição de receitas, custos e despesas.

Em outros casos, a segregação é realizada com o intuito de reduzir a carga tributária envolvendo principalmente as contribuições para o PIS e a Cofins, tais como: (i) segregação das atividades de industrialização e de atacado, objetivando excluir da cadeia de tributação monofásica (receitas de industrialização de produtos específicos, tais como perfumaria, toucador, higiene e farmacêuticos) as receitas das operações comerciais; e (ii) segregação de operações que se complementam, para que seja possível a utilização do crédito de PIS e Cofins entre empresas do mesmo grupo econômico.

Ocorre que a segregação de uma pessoa jurídica em outras, envolvendo redução de carga tributária, é uma questão controversa. Há entendimentos favoráveis para as hipóteses em que, além de reduzir a carga tributária, a segregação represente um mecanismo para dinamizar e estruturar a pessoa jurídica sob o ponto de vista negocial e econômico; por outro lado, há entendimentos de que tal conduta seria ilícita quando realizada, unicamente, para fins de redução de tributos, enquadrando-se como fraude ou simulação, para fins de “evasão fiscal”. 

A Receita Federal tem procurado identificar situações em que os contribuintes se utilizam de planejamentos tributários com escopo único de reduzir a carga fiscal incidente sobre operações, maquiando transações, simulando atos ou fraudando documentos. O fisco tem entendido como ilegal as reorganizações societárias que tenham sido implantadas sem a presença de sólidos propósitos negociais ou substância econômica. Em suma, a Receita Federal defende a tese de que o planejamento tributário somente se justifica ante a presença de “fins negociais”, que não a simples economia fiscal.

Portanto, embora o contribuinte tenha a liberdade para gerenciar seus negócios, sendo permitido que se organize da melhor forma possível para exercer suas atividades sociais, buscando a redução da carga tributária, o Estado vem impondo limitações a esse tipo de planejamento tributário, desconsiderando operações que tenham como único objetivo a redução da carga tributária, resultando em autuações fiscais sob o argumento de que a operação foi simulada, tratando-se, de fato, de “evasão fiscal” (sonegação de tributos). Por mais absurdo que possa parecer, reorganizações societárias e planejamentos tributários praticados dentro dos contornos da lei e que visem, única e exclusivamente, à redução da carga tributária têm sido considerados ilegais pela Receita Federal, sendo enquadrados no tipo “elisão fiscal ilícita”.

No contexto das discussões sobre o tema, nasceu na jurisprudência brasileira uma forte preocupação quanto à substância e finalidade dos negócios jurídicos, a partir da qual passou-se a exigir o chamado “elemento do propósito negocial” (a existência de uma outra motivação que justifique a realização da operação, distinta da vantagem tributária) e substância econômica. 

Neste ponto, há um risco quase sistêmico das autoridades fiscalizadoras refutarem as reorganizações societárias ou a adoção de medidas contábeis e fiscais que desaguem em vantagem tributária, julgando-as como carentes de propósito econômico e deixando a cargo do contribuinte provar o contrário. Não obstante, em decisões administrativas mais recentes tem se notado uma tendência de atribuição do ônus da prova à Administração Fazendária.

O ponto crítico a ser destacado é que a legislação tributária nacional não prevê o “propósito negocial” como requisito para que uma transação ou negócio seja considerado lícito, sendo que a conhecida “norma antielisiva tributária”[1] apenas dispõe que a autoridade administrativa poderá desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária.

O Código Civil[2] estabelece que, ocorrendo a prática de um ato ou negócio jurídico simulado, com o objetivo de dissimular (ocultar) a ocorrência do fato gerador do tributo, em linha com a norma antielisiva tributária, o negócio jurídico simulado deve ser desconsiderado, mantendo-se os efeitos do negócio que se pretendeu ocultar.

Com base neste regramento, cresce a tendência jurisprudencial de considerar como “dissimulação” os casos em que não há adequação entre a forma jurídica adotada e o conteúdo econômico pretendido pelas partes. Assim, para que o negócio jurídico seja mantido, quando da aplicação da legislação tributária, deve haver pertinência entre os meios empregados e os fins pretendidos. Ou seja, se o contribuinte, buscando afastar ou reduzir a tributação, realiza um negócio jurídico formalmente válido, mas que não condiz com o conteúdo econômico realmente almejado, referido negócio jurídico pode ser desconsiderado (por ser simulado), de forma que haja a tributação normalmente incidente sobre as circunstâncias fáticas ocorridas. 

A jurisprudência atual que permeia a questão da segregação de atividades leva em consideração as circunstâncias fáticas envolvidas, tais como as provas produzidas no processo administrativo. A redução da carga tributária, por si só, não pode resultar em exigência fiscal, sendo necessária a demonstração fático-probatória de que tal operação se sustenta, ou não, por outros fundamentos, com especial relevância para aspectos econômicos deste modelo segregado de atividades empresariais.

Alguns fatores mencionados pela jurisprudência e que podem mitigar os riscos de questionamento do planejamento: 

  • A estrutura societária das sociedades deve ser diferente.
  • A segregação não pode ser artificial, ou seja, deve haver a comprovação das atividades de cada empresa. Nesse ponto, um aspecto importante é que a empresa comprove realizar operações com empresas fora do grupo. Outro aspecto é a prática de preços de mercado entre as empresas do grupo.
  • O espaço físico deve ser segregado para cada empresa, de preferência não contíguo, mas, sendo contíguo, que seja possível verificar claramente a delimitação dos espaços.
  • Se houver necessidade de linhas de produção contínuas na mesma área geográfica, deve existir apuração independente de custos, bem como escrituração nos livros de controle de inventário e estoques.
  • Cada sociedade deve ter empregados próprios e serviços diretamente contratados por ela, bem como a alocação física dos empregados deve ocorrer onde estiverem registrados. 
  • O corpo de diretores deve ser próprio para cada sociedade.
  • Não pode haver confusão patrimonial entre as sociedades; cada uma deve ter sua contabilidade própria, separada com suas respectivas entradas e contabilização de custos e resultados, com controles financeiros independentes.
  • Havendo necessidade de mútuos, é necessária a formalização de contratos com cláusulas de mercado, contendo remuneração, bem como deverá ocorrer o pagamento efetivo do empréstimo.
  • Outros fatores comerciais que deverão demonstrar independência das empresas: uso da marca comercial/licenciamento da marca ou utilização de logos diferentes; apresentação comercial independente; comunicação independente na mídia; dentre outros.

Relativamente à segregação de atividades objetivando transferir receitas para empresas optantes pelo lucro presumido, existem decisões administrativas favoráveis ao contribuinte, entendendo serem lícitas tais operações (Acórdãos 1402-002.337, 1302-003.276 e 1301-002.921), mas também desfavoráveis (Acórdãos 1302-003.938, 1402-003.751, 9101­002.795 e 9101­002.429). Importante ressaltar que todas as decisões da Câmara Superior de Recursos Fiscais são em sentido desfavorável ao contribuinte. 

Em relação ao planejamento tributário para redução do PIS e da COFINS nas operações de segregação das atividades de industrialização e de atacado, objetivando excluir da cadeia de tributação monofásica as operações comerciais, verifica-se que o CARF se posicionava favoravelmente ao contribuinte (Acórdãos nºs 1402-002.337, 05/10/16, e  3403-002.519, 22/10/13), no sentido de que, se comprovado que a pessoa jurídica criada para exercer a atividade de revendedor atacadista efetivamente existe e exerce tal atividade, praticando atos válidos e eficazes que evidenciam a intenção negocial de atuar na fase de revenda dos produtos, não se configura simulação.

Entretanto, em decisão mais recente (Acórdão nº 3201­004.699, de 29/01/2019), o CARF decidiu desfavoravelmente ao contribuinte, por entender que inexistiam motivos econômicos e financeiros (para além da redução da carga tributária) na formatação empresarial, devendo ser desconsiderada a segregação de atividades para fins de incidência das contribuições ao PIS e à COFINS.

Já em relação à operação de segregação com o objetivo de geração de créditos de PIS/COFINS entre as empresas do mesmo grupo, há decisões recentes do CARF em ambos os sentidos (favorável e desfavorável ao contribuinte). 

No Acórdão nº 1301-005.933, de 06/12/21, o CARF desconsiderou o contrato de aluguel entre empresas do mesmo grupo econômico, sendo visto como uma “simulação” e concluindo pela legitimidade do afastamento das despesas de aluguel atribuídas à pessoa jurídica optante pelo lucro real, bem como seus reflexos na composição da base de cálculo do PIS e da COFINS.

Por outro lado, no Acórdão nº 3401-009.799, de 25/10/21, o CARF entendeu ser incabível a acusação de simulação ou de ilicitude do negócio jurídico, quando não comprovada, pela autoridade fiscal, a ilicitude da segregação de atividades empresariais por meio da análise comprobatória dos fatos, sendo o ônus de produzir a prova da administração. 

Desta forma, conclui-se que o simples fato de segregar as operações da empresa não pode ser entendido como simulação. O entendimento de simulação ocorre quando a segregação das atividades é realizada de forma artificial, apenas no papel, sem a comprovação do exercício das atividades. Ou seja, a mera segregação das atividades empresariais com a consequente redução da carga tributária não é motivo para a exigência fiscal, desde que haja a demonstração fático-probatória de que tal operação se sustenta por outros fundamentos, especialmente se demonstrados os aspectos econômicos deste modelo segregado de atividades empresariais.

[1] parágrafo único do art. 116 do CTN

[2] artigo 167, § 1º, do Código Civil