Da (In)Constitucionalidade da limitação territorial em ações civis públicas


Da (In)Constitucionalidade da limitação territorial em ações civis públicas


Em recente julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 11019371, seis ministros do Supremo Tribunal Federal entenderam ser inconstitucional o artigo 16 da Lei da Ação Civil Pública2 (Lei 7.347/1985), que limita a eficácia da sentença à competência territorial do órgão que a proferir. O referido artigo estabelece: “a sentença civil fará coisa julgada erga omnes nos limites da competência territorial do órgão prolator...”  

O efeito erga omnes é quando se aplica a todos e não somente aos participes do processo. Com o novo entendimento, a sentença civil ultrapassará os limites territoriais da competência do órgão, alcançando todo o país. 

A justificativa apresentada pelo relator Ministro Alexandre de Moraes é que a limitação territorial restringe a eficácia da proteção de direitos coletivos que fariam com que houvessem vários processos com mesma temática, gerando possíveis sentenças divergentes, o que provocaria insegurança jurídica, até se ter um entendimento proferido pelos Tribunais Superiores.

O julgamento foi interrompido em face do pedido de vista do Ministro Gilmar Mendes, mas a maioria dos Ministros votantes já expressaram seu entendimento pela inconstitucionalidade. 

Em que pese o entendimento do Relator e demais Ministros, não se pode deixar de lado que esta interpretação acaba por dar ao juiz de primeira instância, com poder adstrito ao território que atua, a faculdade de interferir em um fato com espectro nacional. 

O que preocupa é, com o número excessivo de manejo de ações civil públicas, principalmente de índole consumerista, espalhadas pelo país sem que os promoventes tenham conhecimento das especificidades da lei e até mesmo técnico de alguns serviços fornecidos, que atuam em nichos específicos, como é o caso das autorizatárias de telefonia, que possuem regime específico, e até mesmo instituições financeiras, que possuem regras esmiuçadas. O risco é da propagação de uma sentença indevida por não levar em consideração as especificidades de cada situação em determinada unidade da federação, mas com aplicação nacional, enquanto o recurso sem efeito suspensivo seja analisado pela instância superior.

É importante o alerta, principalmente para empresas que lidam diretamente com consumidores em todas as unidades da federação, por contrato de adesão, pois uma sentença proferida de forma prematura pode promover sérias alterações na forma de prestação de serviço ou no produto, antes mesmo de ser analisada, através de recurso, pelos Tribunais Superiores, a quem entendemos que deveria ficar a responsabilidade final sobre a declaração ou não da abrangência dos limites da territorialidade.

Em um país com dimensões continentais, situações vivenciadas por consumidores de um Estado da Federação podem não existir em outro, o que certamente já demostra a fragilidade de se ultrapassar os limites da territorialidade, haja vista a facilidade de se criar desigualdades entre consumidores e obrigações desproporcionais para os fornecedores. 

No nosso sistema processual existem mecanismos para fazer com que haja entendimento único para causas quem tenham temas de fundo iguais, como Recursos Repetitivos, Repercussão Geral e até mesmo Súmula Vinculante, que ficam ao dispor dos Tribunais Superiores, que analisam a matéria de forma abrangente englobando todos os aspectos de direito da demanda. Porém, para chegar nesse ponto, diversas ações são julgadas e analisadas por todas as instâncias, o que não é o caso das Ações Civis Públicas que são decididas casuisticamente, levando em consideração apenas os fatos abarcados por uma determinada unidade da federação e que não necessariamente se reflete para as demais. Em termos francos, é atribuir a uma ação um efeito, além do imaginado pelo legislador, mas que pode ter impactos severos a todos os partícipes da relação processual.   

Os Tribunais Superiores utilizando das suas ferramentas internas, como visto, podem conferir abrangência nacional em suas decisões, que normalmente são proferidas depois de longa discussão de seu colegiado, com maturidade do tema, o que é bem diferente do que é feito pelo juiz de primeira instância quando sentencia uma ação civil pública, já que sua visão é restrita a apenas ao que consta nos autos, com restrito conhecimento do seu território de atuação. 

Desta forma, há real preocupação com o resultado final do julgamento deste tema pelo Supremo Tribunal, pois ampliar a extensão territorial das sentenças proferidas em ação civil pública podem gerar situações de desigualdade entre consumidores, e até mesmo criar embaraço e prejuízos para fornecedores de serviços e produtos, além de violar a intenção do próprio legislador. 

De outra banda é compreensível o desejo de se ter a diminuição de processos com temas iguais, evitando-se sentenças conflitantes, mas tal desejo não pode ultrapassar a importância de ser ter um julgamento em que a matéria esteja madura, como as realizadas pelos Tribunais Superiores. 

Com efeito, a se confirmar o entendimento da inconstitucionalidade do art.16 da Lei de Ação Civil Pública, haverá necessidade de que as defesas dos fornecedores apresentem categoricamente os detrimentos do efeito de uma sentença com abrangência nacional, visando chamar atenção para eventuais desigualdades que possam ocasionar entre consumidores e prejuízos que os fornecedores terão. 

Tais situações darão margens para recursos ou questionamentos incidentais sobre situações não previstas, o que certamente tumultuarão o feito, além de dificultar o cumprimento das medidas ali determinadas. 

1 https://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/661793873/agreg-no-recurso-extraordinario-agr-re-1101937-sp-sao-paulo

2 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7347orig.htm