Regulamentação de uma nova ferramenta (e tão esperada) no Brasil
Em países de common law, como os EUA, a figura da escrow account é muito comum. Muitas vezes, os próprios advogados possuem contas fiduciárias, sob regulação rigorosa dos órgãos de regulação (BAR). Já em países da Europa, há contas especiais, em que o notário ou registrador atua como fiel depositário e distribuidor dos recursos.
Porém, em países do Mercosul, no máximo, existe a possibilidade de depósito judicial ou mesmo escrow agreements privados, muitas vezes estipulando que um banco reteria o dinheiro – sem regulação estatal específica, como ocorre no Brasil. E, em razão dos elevadíssimos custos, do ponto de vista prático, somente negócios com relevantes ou vultosos valores usam essa ferramenta, uma vez que se torna proibitivo nas operações mais quotidianas.
Assim, a maioria dos negócios no Brasil depende (ou dependia até agora), em maior ou menor grau, de certa confiança entre as partes – por exemplo, paga-se o preço antes de o vendedor assinar a escritura ou o vendedor assina antes de receber? Contudo, as soluções corriqueiras não são infalíveis e podem gerar indesejados litígios judiciais.
Nesse cenário, adveio o Provimento nº?197, publicado em 16 de junho de 2025, que regulamenta o parágrafo?1º do artigo 7 A da Lei nº?8.935/1994 (incluído pela Lei nº?14.711/2023 – Marco Legal das Garantias), normatizando o serviço da “conta notarial vinculada” nos Cartórios de Notas.
Essa conta será administrada pelos Tabeliães de Notas, que poderão receber, depositar e, especialmente, administrar os valores, sob condições objetivas preestabelecidas pelas partes, com custos bem mais atrativos. Nessa seara, o Brasil passa a adotar uma regulamentação nacional explícita, calcada no sistema notarial já conhecido e dotado de segurança jurídica, permitindo às partes uma conclusão segura dos negócios.
Como define o Provimento, haverá obrigatória segregação patrimonial (tornando-se impenhorável por ordem judicial ou fiscal, em razão de dívidas do depositante, das partes ou do próprio tabelião, salvo se tais dívidas tiverem relação direta com o negócio em questão), emissão de comprovantes eletrônicos, auditoria e segurança digital. Para tanto, o Colégio Notarial do Brasil firmará convênios com instituições financeiras para operacionalizar essas contas (atualmente, conhecemos apenas o convênio com o Banco Safra já ativo).
Nos termos do art. 3º do Provimento, o serviço poderá ser utilizado para:
I – depósito de preços ou valores conexos a negócios jurídicos formalizados ou não por escritura pública;
II – administração de valores vinculados a condições ou elementos negociais objetivamente verificáveis; e,
III – outras hipóteses relacionadas a negócios jurídicos privados, desde que não impliquem em atividade jurisdicional.
Cumprirá ao Tabelião documentar formalmente o resultado do negócio, mediante pagamento de emolumentos, via ata notarial, no caso de cumprimento ou não das condições, registrando o ocorrido, o destino dos valores (pagamento ou devolução) e declarando a conclusão ou eventual desfazimento do negócio. A ata notarial servirá como prova das circunstâncias do (des)cumprimento contratual e constituir título hábil para eventuais registros decorrentes.
O serviço deve ser contratado mediante requerimento, em que serão registrados os dados essenciais do negócio jurídico, das partes e das condições pactuadas em sistema eletrônico, com acesso exclusivo às partes celebrantes do negócio, seus procuradores e ao Tabelião, sem deixar de lado as (normais) consultas para verificação de impedimentos ou alertas de risco à utilização do serviço de conta notarial, como certidões negativas ou positivas com efeito de negativa de débitos para com as fazendas públicas municipal, estadual e federal e certidões de distribuições forenses.
Caberá ainda ao Tabelião abster-se de prosseguir com o ato e comunicar imediatamente às autoridades competentes, no caso de indícios de fraude, simulação, medidas constritivas judiciais, determinações de autoridades competentes ou quaisquer circunstâncias que possam afetar a validade, eficácia ou exequibilidade da operação.
Vale dizer que, “as condições estabelecidas pelas partes para movimentação dos valores deverão ser objetivamente verificáveis pelo Tabelião, não podendo envolver interpretação de cláusulas contratuais complexas ou decisão sobre direitos controvertidos”.
Em caso de divergência entre as partes sobre o implemento ou frustração das condições estabelecidas, o Tabelião: (a) documentará a divergência em ata notarial; (b) suspenderá qualquer movimentação dos valores; e (c) comunicará às partes sobre a necessidade de solução consensual ou judicial do conflito.
Sendo assim, os Tabeliães de Notas passam a assumir uma posição de quase custodiantes de valores, atuando como verdadeiros mediadores ou conciliadores e árbitros imparciais, esperando-se reduzir a necessidade de judicialização.
Portanto, negócios imobiliários, M&A, contratos envolvendo todos os tipos de móveis ou créditos, entre pessoas físicas ou jurídicas, nacionais ou estrangeiras, podem optar por contar com mais essa ferramenta de segurança para certificação da conclusão do negócio, cuja promessa é de custo acessível.