As Inovações no Mercado Financeiro, a Privacidade e Proteção de Dados: o caso de suspensão do WhatsApp Pay


As Inovações no Mercado Financeiro, a Privacidade e Proteção de Dados: o caso de suspensão do WhatsApp Pay


Há cerca de um mês, o chefe-executivo do Facebook, Mark Zuckerberg, divulgou, em suas redes sociais, o lançamento de mais uma funcionalidade do aplicativo WhatsApp, qual seja, o recurso de pagamentos oferecido pelo
Facebook Pay no Brasil, através do uso de cartões de débito ou de crédito de instituições financeiras (Banco do Brasil, Nubank e Sicredi), nas redes Visa e Mastercard, em parceria com a Cielo, empresa processadora de pagamentos. 

Entretanto, no dia 23 de junho, o serviço de pagamentos via WhatsApp foi suspenso, por meio de uma decisão do Banco Central do Brasil (“BC”), segundo o qual é imprescindível que o órgão regulador analise o novo meio de pagamentos/serviços financeiros que foi lançado por meio do aplicativo WhatsApp, sob pena da ocorrência de transações que poderão gerar danos irreparáveis aos usuários e ao sistema financeiro Brasileiro. A fundamentação do BC pauta-se no art. 3º  da Circular n° 3.682/2013, modificada pela Circular n° 4.031 do dia 23 de junho de 2020, a qual estabelece que, caso o Banco Central considere que um determinado arranjo de pagamento ofereça risco, poderá este ser regulado ou poderão ser impostas mudanças. 

Ademais, o serviço de pagamentos via WhatsApp foi suspenso pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (“CADE”), por intermédio de medida cautelar tomada em processo administrativo sob a alegação de que a Cielo já possui grande participação no mercado financeiro e que, juntamente com uma base de milhões de usuários do WhatsApp, poderia representar um poder de mercado significante, prejudicando a concorrência, fator essencial para manter o mercado operando de forma regular. O WhatsApp também se posicionou, pontuando que a iniciativa seria de extrema relevância em tempos de pandemia, assim como ajudaria micro e pequenas empresas, além de externar o interesse em trabalhar em parceria com o Banco Central, inclusive em apoio aos projetos de inovação do órgão, como o PIX (sistema de pagamento instantâneo). Não obstante o processo administrativo no CADE esteja em andamento, foi revogada, no dia 30 de junho, a medida cautelar que suspendeu a parceria entre Facebook e Cielo, para viabilizar pagamentos via WhatsApp, por entender que as informações apresentadas mitigam as possibilidades de danos irreparáveis nos mercados afetados pela concorrência. 

Dentre as preocupações do BC e do CADE, estão a competitividade do mercado, a eficiência do serviço e das transações financeiras, a proteção dos dados pessoais e a privacidade dos titulares/usuários do arranjo, considerando que se trata de empresa precipuamente estrangeira. Tais questões são muito válidas, principalmente considerando o atual contexto da pandemia do COVID-19, em que a transformação tecnológica, que até então já era um tema relevante, tornou-se central em todos os setores da sociedade, da indústria e do Poder Público. 

No tocante à privacidade e à proteção dos dados pessoais, a preocupação também é legítima. Ao desenvolver uma nova aplicação ou funcionalidade, há que se considerar os reflexos que a inovação trará aos usuários, titulares de dados pessoais, em um desdobramento além do aspecto mercadológico, concorrencial e econômico. Falamos, aqui, dos impactos ao próprio indivíduo e aos decalques de sua personalidade, razão pela qual a adoção de mecanismos de privacy by design se mostra tão necessária.  

Ann Cavoukian, em The 7 Foundational Principles, sabiamente ensina que o conceito de privacy by design, desenvolvido na década de 90, deve ser pensado não apenas como o cumprimento de um regulamento ou lei, mas, principalmente, como o padrão a ser adotado em uma organização, e que seus princípios devem ser aplicados de acordo com a sensibilidade dos dados, listando os dados financeiros como um ponto focal de atenção. 

Dentre os 7 princípios idealizados por Cavoukian, o respeito à privacidade do usuário, colocando-o no centro do negócio, é o que melhor se relaciona ao caso em questão. De acordo com seus apontamentos, o desenvolvimento de uma tecnologia precisa colocar os interesses do titular de dados pessoais em primeiro plano, pautando toda a conduta em fortes padrões de privacidade. 

Mas há mais. A discussão sobre privacidade e proteção de dados no tocante ao serviço de pagamentos via WhatsApp também ilustra a premente necessidade de atuação da Autoridade Nacional de Proteção de Dados Pessoais (“ANPD”), como ator importante no processo de articulação entre a regulação setorial e a legislação específica. Aqui, um diálogo aberto entre ANPD, Banco Central e CADE poderia ter resultado um grande avanço à sociedade, com a entrega de um mecanismo chancelado por todas as frentes envolvidas. Mas não foi o caso. 

O serviço de pagamentos via WhatsApp continua suspenso pelo BC, que pode requerer esclarecimentos e até mesmo propor mudanças para que o sistema volte a operar no Brasil, de acordo com princípios como eficiência, inclusão, concorrência, modernização/inovação, digitalização dos serviços, bem como os princípios norteadores da proteção dos dados e privacidade, como transparência, segurança, finalidade, prestação de contas. Esses direcionadores serão imprescindíveis para o processo de implementação e o sucesso das funcionalidades e soluções de inovação propostas, bem como para seu reconhecimento perante os outros países e aderência da sociedade, empresas e instituições financeiras parceiras.