A regulação do Open Banking e as mudanças no Mercado Financeiro brasileiro


A regulação do Open Banking e as mudanças no Mercado Financeiro brasileiro


Publicado em 18.05.2020 pelo jornal jurídico, LexLatin.

No último dia 5 de maio de 2020 foi publicada a Resolução Conjunta n° 1, do Banco Central do Brasil (“BC”) e do Conselho Monetário Nacional (“CMN”), que dispõe sobre a implementação do Sistema Financeiro Aberto (open banking), que consiste, de acordo com o seu artigo 2°, inciso I, no “compartilhamento padronizado de dados e serviços por meio de abertura e integração de sistemas”. Pode se dizer que esse é o capítulo mais recente na história das transformações do mercado financeiro brasileiro, marcado recentemente pela criação das sociedades de empréstimo entre pessoas (SEP) e das sociedades de crédito direto (SCD)1, e que parece estar empenhado em abraçar as inovações tecnológicas trazidas pelas fintechs (startups de tecnologia voltadas ao mercado financeiro).

A regulação do open banking traz inovação tecnológica ao setor bancário e permite maior concorrência entre no mercado financeiro porque estabelece a criação de uma plataforma com interoperabilidade entre os diversos players desse mercado, tornando o cliente protagonista de suas transações, por meio de ofertas diversas que serão disponibilizadas no sistema aberto e integrado. Em outras palavras, o open banking permitirá ao cliente movimentar sua conta bancária e fazer transações em plataformas de outros prestadores, usando os dados já coletados pelo seu banco (como o seu histórico de crédito). Abre-se, assim, espaço para empresas que prestam outros serviços e outros produtos no mercado financeiro, incluindo operações de crédito e de pagamento, ou outros relacionados a ele, como consultoria financeira. 

O open banking originou-se de uma iniciativa europeia, que regulamentou essa prática no ano de 2016 através da Diretiva de Serviços de Pagamento (Payment Services Revosed Directive – “PSD2”) que instituiu a abertura das plataformas dos bancos europeus, permitindo o acesso à informação por terceiros autorizados pelos clientes, por intermédio de interface de programações de aplicações (Application Programming Interface –“API”). A PSD2 estabeleceu dois tipos de prestadores financeiros: (i) Provedores de Serviços de Informação de Conta (Account Information Service Provider – “AISP”), que são os serviços oferecidos por empresas que possuem informações financeiras do usuário, como análise de crédito e gestão de contas bancárias; (ii) Prestadores de Serviços de Iniciação de Pagamento (Payment Initiation Service Provider – “PISP”) que são os serviços autorizados a iniciar o pagamento em nome dos clientes/usuários. Para que o open banking fosse eficaz na União Europeia, a Diretiva trouxe a definição de um padrão para as APIs, o qual todas as instituições financeiras deveriam adotar, com o objetivo de viabilizar a interoperabilidade entre os sistemas. 

Em relação ao histórico brasileiro do Open Banking, o próprio CMN destacou a necessidade de democratização do sistema financeiro brasileiro, que possui uma formação concentrada em grandes instituições, além da demanda por novas soluções, informatização das operações bancárias e a tendência de fortalecimento do poder dos clientes. Nesse sentido, o BC editou o Comunicado nº 33.455, de 24 de abril de 2019, que estabeleceu os requisitos fundamentais, abrangendo o objetivo, a definição, o escopo do modelo, a estratégia de regulação e as ações para a implementação do open banking. Importante ressaltar que, no modelo brasileiro, todos os integrantes do open banking (sejam bancos, fintechs ou outras instituições financeiras que decidiram integrar esse mercado) são obrigadas, com o consentimento prévio dos consumidores, a compartilhar dados de seus clientes.

O tópico 3 do Comunicado n° 33.455 destacou a importância do tema, que vem sendo discutido mundialmente, além de reconhecer que a discussão da abertura do sistema bancário torna-se ainda mais relevante com a edição da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (Lei n° 1.3709/2018 – “LGPD”). O tópico 5 prevê o escopo das instituições financeiras que serão abrangidas pelo open banking, bem como o mínimo dos serviços que deverão ser contemplados por essas instituições, como serviços de pagamento, dados transacionais dos clientes, entre outros. O tópico 6 impõe a necessidade do consentimento dos clientes e da adoção de diretrizes seguras. O Comunicado também estabelece expectativas em relação à autorregulação do setor bancário, citando que deverá ficar por responsabilidade das próprias instituições participantes a padronização tecnológica e procedimental. Além disso, em novembro de 2019, o Banco Central instaurou a Consulta Pública n° 73/2019, para divulgação de propostas de atos normativos que dispõem sobre a implementação do Sistema Financeiro Aberto. 

Em decorrência do descrito, o CMN e o BC regulamentaram o open banking no Brasil, por meio da já mencionada Resolução Conjunta n° 1. O artigo 2° já qualifica o consentimento como manifestação livre, informada, prévia e inequívoca de vontade, por meio eletrônico, que deverá ser fornecida pelo cliente previamente ao compartilhamento de seus dados no sistema aberto e integrado entre os bancos, com fortes ligações ao quanto estabelecido na LGPD. Além disso, o artigo 4° traz os princípios que deverão ser observados, como a transparência, segurança e privacidade dos dados, qualidade dos dados, tratamento não discriminatório, reciprocidade e interoperabilidade. Novamente, há que se destacar o alinhamento da Resolução com os pilares da Lei Geral de Proteção de Dados. 

A Resolução também estabelece os participantes obrigatórios do sistema do open banking, quais sejam, as instituições financeiras enquadradas nos seguimentos 1 (S1) e 2 (S2), conforme a Resolução n° 4.553/2017. No tocante às fintechs, a adoção ao sistema é opcional. 

O open banking será implementado de forma gradual, em quatro fases distintas: 

Fase 1: permitir o acesso do público aos dados de instituições participantes do sistema aberto sobre canais de atendimento e produtos e serviços, até 30 de novembro de 2020;

Fase 2: compartilhamento entre as instituições financeiras de informações de cadastros de clientes em relação aos produtos e serviços da primeira fase, até 31 de maio de 2021

Fase 3: início do compartilhamento do serviço de iniciação de transação de pagamento entre as instituições e do serviço de encaminhamento de proposta de operação de crédito entre as instituições financeiras, até o dia 30 de agosto de 2021 e;

Fase 4: expansão do escopo de dados para abranger outras operações bancárias, como câmbio, investimentos e seguro, até dia 25 de outubro de 2021

Outro destaque da Resolução é a previsão de que as instituições participantes do sistema de open banking deverão se autorregular por meio da formação de uma convenção que decidirá sobre aspectos tecnológicos e procedimentos operacionais, o protocolo de transmissão dos dados, o formato que será adotado, bem como os padrões e certificados de segurança, a forma de interação com os clientes, os canais de atendimento aos clientes, entre outros assuntos procedimentais de suma importância para uma implementação bem sucedida, com adoção de mecanismos de segurança eficazes.  

Não se pode deixar de considerar o viés da privacidade e proteção dos dados, bem como o da segurança da informação, pontos que serão imprescindíveis para o regular funcionamento do open banking. Os grandes bancos brasileiros enfrentarão um enorme desafio de restruturação de sistemas e procedimentos, ainda assumindo a responsabilidade de assegurar a efetiva segurança de todas as informações, observando a Resolução Conjunta n° 1, a LGPD e demais normas setoriais do tema. 

O que vemos, portanto, é um novo capítulo na revolução do setor, vez que o sistema de interoperabilidade é inédito e deverá contar com significativo aumento da concorrência e do desenvolvimento de novas soluções tecnológicas. 


1 Ambas criadas pela Resolução 4.656/18 do BC e pressupõe o uso de plataformas tecnológicas para viabilizar operações de crédito peer-to-peer em um marketplace (SEP) e a realização de operações de crédito direto sem a intermediação de instituições financeiras (SCD).