Por Talita Myreia Alves da Silva
O mercado imobiliário sofreu grandes modificações ao longo dos últimos anos, principalmente considerando a crise econômica enfrentada pelo Brasil, que abalou significativamente as atividades das construtoras, incorporadoras e loteadoras. Em razão desse cenário, as discussões judiciais acerca dos contratos firmados abarrotaram os Tribunais de todo o país, gerando decisões contraditórias e aumentando a insegurança jurídica.
A ausência de legislação específica, apta a dirimir os conflitos de forma isonômica e levando em consideração as peculiaridades do mercado, ocasionou um verdadeiro caos jurídico, revelando a necessidade de estabelecer critérios claros e equilibrados quando do desfazimento do negócio, bem como as repercussões relativas ao inadimplemento das obrigações advindas do contrato.
Embora a Lei nº 13.786/2018 tenha surgido com o propósito de pacificar os entendimentos, permanece a controvérsia no tocante à possibilidade ou não de cumulação da cláusula penal moratória e cláusula penal compensatória, motivo pelo qual é necessário ampliar o debate nesse particular.
Inicialmente, cabe trazer à baila que cláusula penal é a penalidade estabelecida no contrato ou em contrato acessório ao principal, no qual se estipula previamente o valor da indenização que deverá ser paga pela parte que não cumprir, culposamente, a obrigação1.
Observa-se que existem duas espécies de cláusula penal: cláusula penal moratória e cláusula penal compensatória. A primeira é estipulada para desestimular o devedor a incorrer em mora, ao passo que a segunda serve como indenização no caso de total inadimplemento da obrigação principal, funcionando como prefixação das perdas e danos.
Questão que provocou acentuado debate foi a possibilidade de cumulação da cláusula penal moratória mais pagamento de lucros cessantes. O STJ decidiu, no rito dos repetitivos, pela impossibilidade, pois configuraria inegável indenização dupla pelo mesmo fato2.
Contudo, permanece quadro de insegurança jurídica no tocante à cumulação das duas espécies de cláusula penal, isso em razão das decisões conflitantes nos variados tribunais3.
Urge destacar que as cláusulas penais são estabelecidas para o caso de descumprimento da obrigação, porém as semelhanças param por aí. Há consequências diferentes para as espécies, razão pela qual a incidência de uma exclui a aplicação da outra, ou seja, não pode, em regra, o mesmo fato ensejar pena compensatória e moratória.
Nos termos do art. 410 do Código Civil, a cláusula penal compensatória é benefício do credor, que poderá exigir a pena, ou o cumprimento da obrigação, mas jamais pleitear a integralidade das duas prestações, uma vez que a multa compensatória serve como indenização preestabelecida dos prejuízos advindos do descumprimento culposo. Ademais, pelo mesmo fundamento, tampouco será possível que haja cumulação da cláusula penal compensatória com perdas e danos.
Dessa maneira, a cláusula penal compensatória terá cabimento nas situações em que o credor, em razão do inadimplemento do devedor, não mais possuir interesse no imóvel. Nessa ocasião, será devida apenas a pena compensatória, que já funciona como prefixação de perdas e danos. Outrossim, caso o adquirente opte pelo cumprimento da obrigação principal, não poderá haver cumulação com a cláusula penal. Deve, portanto, necessariamente optar por uma das alternativas, mas jamais pleiteá-las conjuntamente.
A cláusula penal moratória, por seu turno, possui aplicação diferenciada, portanto uma dinâmica própria, que a distingue da compensatória. Esta surge em virtude do atraso, ou seja, aplicável para o caso de inadimplemento relativo. Nesse caso, caberá a satisfação da pena cominada juntamente com o desempenho da obrigação principal.
A Lei nº 13.786/2018 acrescentou o art. 43-A na Lei nº 4.591/64, prevendo que, em contratos de compra e venda, promessa de venda, cessão ou promessa de cessão de unidades autônomas integrantes de incorporação imobiliária ou de loteamento, caso ultrapassado o prazo de tolerância de 180 dias, o adquirente, ao decidir que permanece o interesse no imóvel, terá direito a receber o bem, e, cumulativamente, direito à indenização pela mora.
Verifica-se que o fundamento para incidência das respectivas cláusulas penais é diverso: enquanto a penal compensatória disciplina a inexecução total da obrigação, a cláusula penal moratória prevê indenização para a mora, sendo, portanto, inacumuláveis.
Conquanto a Lei nº 13.786/2018 tenha previsto expressamente a impossibilidade de acumulação4, permanece a celeuma no tocante aos contratos imobiliários que não tenham sido firmados com incorporadora ou loteadora. É certo que o raciocínio será o mesmo para os contratos que não estejam abrangidos especificamente pelas referidas leis, não havendo que falar em cumulação das duas espécies de cláusula penal nos contratos de compra e venda.
De toda sorte, em quaisquer dos casos, seja em razão da mora, seja em razão do inadimplemento absoluto, que é o fato gerador da incidência da cláusula penal compensatória, tampouco será possível a cumulação com perdas e danos, na esteira do entendimento do STJ.