No julgamento do Recurso Especial nº 2200069 / MT, interposto pelo Ministério Público do Estado de Mato Grosso, a 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça estabeleceu parâmetros objetivos para a caracterização do dano moral coletivo em situações de degradação ambiental.
Dentre esses critérios, ficou definido que o dano moral coletivo que tem como causa de pedir lesão ao meio ambiente deve ser aferido de forma objetiva e presumida, dispensando a comprovação de aspectos subjetivos como dor, sofrimento ou abalo psíquico experimentados pela coletividade ou por determinado grupo social.
No caso concreto, a controvérsia dizia respeito à supressão indevida de 19,11 hectares de vegetação nativa na Floresta Amazônica, bioma constitucionalmente qualificado como patrimônio nacional, nos termos do art. 225, § 4º, da Constituição Federal. Embora tenha sido reconhecida a conduta lesiva e mantida a obrigação de recuperação da área degradada, o Tribunal de origem (TJMT) afastou a condenação por danos morais coletivos, sob o fundamento de que a infração não teria apresentado gravidade suficiente.
Antes, no entanto, de explicitar os parâmetros definidos pela decisão em comento, importante a diferenciação entre o dano moral e o dano moral coletivo.
O dano moral individual configura-se quando há violação de um direito da personalidade de pessoa física ou jurídica, atingindo aspectos como honra, imagem, intimidade ou dignidade. Trata-se, em regra, de situação subjetiva, que requer demonstração pelo ofendido do abalo sofrido e está atrelada a um titular específico. Contudo, tanto a doutrina quanto a jurisprudência admitem a existência do chamado dano moral presumido ou objetivo (in re ipsa), hipótese em que o dano é presumido em razão da ilicitude do ato, dispensando prova concreta do sofrimento ou do abalo emocional.
Por sua vez, o dano moral coletivo caracteriza-se pela lesão a valores imateriais relevantes a uma coletividade ou a um grupo social determinado ou determinável. Nesse caso, não se exige comprovação de prejuízo individual, pois o objetivo da reparação é a proteção de direitos transindividuais – sejam eles difusos ou coletivos stricto sensu. A violação recai sobre bens ou valores de interesse coletivo, como a ordem econômica, a paz social, a dignidade coletiva, o meio ambiente, entre outros.
O dano moral coletivo ambiental é uma modalidade específica do dano moral coletivo, com características próprias. Decorre de ofensa a bens jurídicos protegidos pelo Direito Ambiental, como o meio ambiente ecologicamente equilibrado (art. 225 da Constituição Federal), o patrimônio natural, a qualidade de vida e os valores culturais e paisagísticos. Tal violação impacta não apenas o direito difuso a um meio ambiente saudável, mas também a consciência coletiva, o senso de pertencimento, a dignidade social e o equilíbrio entre gerações.
Dito isso, nos termos do voto da Ministra Relatora – Regina Helena Costa, os parâmetros para caracterização do dano moral coletivo em situações de degradação ambiental podem ser assim sintetizados:
- “Os danos morais coletivos não advêm do simples descumprimento da legislação ambiental, exigindo constatação de injusta conduta ofensiva à natureza.
- Os danos decorrem da prática de ações e omissões lesivas, devendo ser aferidos de maneira objetiva e in re ipsa, não estando atrelados a análises subjetivas de dor, sofrimento ou abalo psíquico da coletividade ou de um grupo social.
- Constatada a existência de degradação ambiental, mediante alteração adversa das características ecológicas, presume-se a lesão intolerável ao meio ambiente e a ocorrência de danos morais coletivos, cabendo ao infrator o ônus de informar sua constatação com base em critérios extraídos da legislação ambiental.
- A possibilidade de recomposição material do meio ambiente degradado, de maneira natural ou por intervenção antrópica, não afasta a existência de danos extrapatrimoniais causados à coletividade.
- A avaliação de lesão imaterial ao meio ambiente deve tomar por parâmetro exame conjuntural e o aspecto cumulativo de ações praticadas por agentes distintos, impondo-se a todos os corresponsáveis pela macrolesão ambiental o dever de reparar os prejuízos morais causados, na medida de suas respectivas culpabilidades.
- Reconhecido o dever de indenizar os danos morais coletivos em matéria ambiental (an debeatur), a gradação do montante reparatório (quantum debeatur) deve ser efetuada à vista das peculiaridades de cada caso e tendo por parâmetro a contribuição causal do infrator e sua respectiva situação socioeconômica; a extensão e a perenidade do dano; a gravidade da culpa; e o proveito obtido com o ilícito.
- Nos biomas arrolados como patrimônio nacional pelo artigo 225, parágrafo 4º, da Constituição Federal, o dever coletivo de proteção da biota detém contornos jurídicos mais robustos, havendo dano imaterial difuso sempre que evidenciada a prática de ações ou omissões que os descaracterizem ou afetem sua integridade ecológica ou territorial, independentemente da extensão da área afetada.”.
Além de fixar tais parâmetros, a Ministra Relatora também chamou atenção para discussões importantes travadas em julgamentos anteriores da 1ª Turma do STJ sobre o tema, como a pertinente preocupação externada pelo Ministro Paulo Sérgio Domingues no julgamento do AgInt no AREsp nº 2.376.184/MT (j. 08.10.2024), quanto à necessidade de que a responsabilização civil por dano moral coletivo ambiental seja balizada por critérios objetivos.
Conforme registrado no voto do julgamento, nem toda infração administrativa deve ser automaticamente transposta para o campo da responsabilidade civil, sobretudo nos casos em que se trate de descumprimentos formais, destituídos de efetiva repercussão sobre o bem jurídico tutelado. A título ilustrativo, mencionou-se a hipótese do art. 41 do Decreto nº 6.514/2008, que prevê sanção administrativa a embarcações pesqueiras pela não entrega dos mapas de viagem, conduta que, isoladamente considerada, pode não ser suficiente para justificar a imposição de reparação por dano moral coletivo.
É relevante destacar, por fim, que a decisão mencionada não foi proferida sob regime de vinculação obrigatória – como nos casos de Repercussão Geral, Recursos Repetitivos, Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR) ou Incidente de Assunção de Competência (IAC) – pelos demais Tribunais ou órgãos do Poder Judiciário brasileiro.
Ainda assim, trata-se de precedente relevante de Tribunal Superior e de grande valor interpretativo para todos os que atuam ou se dedicam ao estudo do Direito Ambiental, militam no contencioso ambiental e nas ações coletivas.