Regime Centralizado de Execuções. Uma modalidade de pagamento dos credores


Regime Centralizado de Execuções. Uma modalidade de pagamento dos credores


O chamado Regime Centralizado de Execuções (RCE), disciplinado nos artigos 13 a 24 da Lei 14.193/21 (“Lei da SAF”), é um instituto criado para, a exemplo das já tradicionais Recuperação Extrajudicial e Judicial, viabilizar um concurso de credores e possibilitar a reestruturação das dívidas do clube de futebol, com o diferencial de que permite concentrar, perante o mesmo juízo, o processamento das execuções cíveis ou trabalhistas, assim como a alocação das receitas e valores arrecadados pelo clube.

Como é limitado às dívidas cíveis e trabalhistas, ao optar pelo RCE, o clube deve formular pedido direcionado ao Presidente do Tribunal Regional do Trabalho e/ou ao Presidente do Tribunal de Justiça, de acordo com a natureza da dívida, que concederá prazo de até 60 dias para apresentação de um plano de pagamento, o qual deverá ser acompanhado de documentação que comprove a viabilidade da proposta (balanço patrimonial, demonstrações contábeis, auditoria das dívidas, fluxo de caixa, entre outros previstos na Lei).

A Lei da SAF traz apenas os requisitos mínimos para o pedido, mas confere ao próprio Poder Judiciário a disciplina de definir as regras de processamento, por meio de ato próprio de seus tribunais. Por ser o regime ainda muito recente, recebeu regulamentação de apenas alguns tribunais, como o TJSP1, o TJRJ2 e o TRT/GO3.

Dentre esses requisitos mínimos, a Lei da SAF estabelece regras para as receitas que devem compor o plano de pagamento aos credores e garante a preferência de alguns credores (aqueles que tenham 60 anos ou mais, pessoas com doenças graves, pessoas cujos créditos de natureza salarial sejam inferiores a 60 salários-mínimos, as gestantes, pessoas vítimas de acidente de trabalho e aqueles que tenham firmado acordo com deságio de pelo menos 30%) sendo que, havendo concorrência de créditos, confere a anterioridade do pagamento àqueles mais antigos, respeitado o direito das partes, por negociação coletiva, estabelecer forma diversa de pagamento.

Mas a questão ainda exigirá muito estudo para os diversos desafios que se apresentam, como os créditos trabalhistas, que, nos ternos do art. 18 da Lei da SAF, têm privilégio e impactam na definição da gradação do rol de credores preferenciais. Assim, especialmente em situações em que o clube esteja submetido a dois Juízos Centralizadores (um cível e um trabalhista), definir as receitas que serão aplicadas em cada âmbito, atendendo a todas as regras legais envolvidas, exigirá esforço para elaboração de um plano de pagamentos muito bem estruturado e customizado com o perfil de dívidas do clube.

Faz-se um aparte para mencionar que no âmbito da Justiça do Trabalho, o instituto de concentração das execuções não é novo e já era adotado antes mesmo da entrada em vigor da Lei da SAF, com a concessão do benefício para vários clubes que, consequentemente não estavam organizados sob a forma de Sociedade Anônima do Futebol, como, por exemplo, o Fluminense em 23/11/20114 e, mais recentemente, já na vigência da Lei, a Portuguesa5.

Isso porque a Justiça do Trabalho já previa o Procedimento de Reunião de Execuções (PRE), que é uma modalidade de concurso de credores, através do Plano Especial de Pagamento Trabalhista (PEPT) como ferramenta essencial, cujo objetivo é o pagamento parcelado do débito, voltado para empresas com encargos elevados e com receita insuficiente para quitação imediata (art. 151 a 153). 

No que diz respeito às fontes que devem nutrir os pagamentos das dívidas cíveis e trabalhistas anteriores à constituição da SAF, no plano de credores, tem-se que, ao optar pelo RCE, o clube deverá a ele destinar as suas receitas, bem como os valores arrecadados junto à SAF, no percentual de 20% das receitas correntes mensais da SAF e 50% dos dividendos, dos juros sobre o capital próprio ou de outra remuneração recebida da SAF na condição de acionista. O percentual de 20% pode ser reduzido a 15%, após o prazo de 6 anos, se deferida a prorrogação deste prazo para mais 4 anos.

Nesse sentido, importante ressaltar que durante o período de processamento do RCE, a SAF, sob pena de responsabilização de seus administradores, deverá providenciar tais repasses previstos no art. 10 da Lei da SAF ao clube, para que este, também sob responsabilidade de seus administradores, promova a alocação junto ao RCE, evitando, com isso, tanto o clube como a SAF, quaisquer constrições patrimoniais em decorrência de tais débitos.

Outro aspecto essencial da lei remete à alocação de responsabilidades entre clube e SAF, conforme a qual a SAF não é responsável por dívidas do clube anteriores à sua constituição, por expressa previsão da Lei, que visa, exatamente, criar o ambiente para reestruturação dos clubes, almejando também a preservação e a possibilidade de geração de novos empregos, em que pese a natureza alimentar dos créditos trabalhistas, por exemplo. Dessa forma, a SAF será apenas subsidiariamente responsável, ou seja, acionada após o clube, caso, decorrido o prazo do RCE, ainda existam dívidas cíveis e trabalhistas do clube vinculadas ao futebol, referentes ao período anterior à constituição da SAF.

Além de se tratar de ferramenta à disposição dos clubes para lhes permitir a reestruturação de suas dívidas e a atração de investimentos, o RCE, como visto, adota mecanismos para proteger os direitos dos credores e a efetividade dos pagamentos. Nesse sentido, foi prevista (i) a responsabilização pessoal e solidária dos administradores tanto da SAF como do clube pelo cumprimento do plano de pagamento; assim como (ii) a exigência de que, no prazo de 6 anos, 60% das dívidas estejam pagas, para que o clube possa exercer o direito a requerer mais 4 anos para o pagamento dos 40% restantes e, assim, poder reduzir a destinação das receitas ao pagamento, elastecendo o período de concentração das execuções, sem que haja constrições de qualquer natureza ao patrimônio da SAF por tais débitos.

Além disso, embora inicialmente imaginado para os clubes que optarem pela criação ou transformação em SAF, o Regime Centralizado de Execuções, neste primeiro momento, tem sido concedido pelos tribunais também a clubes que ainda não constituíram ou se transformaram em SAF, já tendo sido conferido à Portuguesa em São Paulo e ao Vasco da Gama, Fluminense e Botafogo no Rio de Janeiro, por exemplo. Não obstante o Botafogo já tenha atualmente implementado sua SAF, caminho que também divulga se interessar ao Vasco e ao Fluminense, verifica-se que, na época dos pedidos, nenhum deles havia constituído sua SAF.

Nota-se, portanto, que apesar de limitado, por se referir apenas às dívidas cíveis e trabalhistas (sendo certo que o passivo tributário, por exemplo, é tratado pela Lei da SAF a partir de outras ferramentas, como as propostas de transação com a União), o RCE tem sido requerido e constitui mais um importante instrumento, criado para servir de opção à restruturação financeira dos clubes, possibilitando a equalização das dívidas de forma ordenada, com a aplicação coordenada das receitas para pagamento dos débitos no mesmo juízo, dando tratamento isonômico aos credores alcançados e propiciando, assim, mais segurança ao devedor para honrar suas dívidas e efetividade aos credores para receber seus pagamentos, ou seja, potencializando a capacidade  de pagamento do clube.