O Drawback na Economia de Serviços


O Drawback na Economia de Serviços


Por Luiz Eduardo Salles

É lugar comum que vivemos em uma economia de serviços. Eles representam 2/3 do PIB mundial e 3/4 do PIB brasileiro. As estatísticas tradicionais de comércio exterior indicam que menos de 30% do valor das exportações diretas globais corresponde a serviços. Entretanto, dados baseados em valor agregado indicam que serviços têm respondido por mais de 50% das exportações nas economias da OCDE e mais de 40% das exportações brasileiras. Ou seja, há muito mais serviços embutidos nas exportações do que transparece a balança comercial.

Entretanto, os regimes brasileiros de processamento de bens para exportação, dos quais o drawback é o principal, ainda negligenciam a importância dos serviços. O drawback se presta, exclusivamente, a desonerar a aquisição de bens para exportação. O RECOF e o RECOF-sped, que exportadores têm utilizado cada vez mais, padecem da mesma limitação. Essa limitação prejudica a inserção internacional do Brasil: segundo um recente estudo da CNI, a desoneração de serviços via drawback elevaria a competitividade das exportações em 4,6%, na média. 

A exclusão dos serviços também nos coloca atrás de muitos países na corrida da competitividade. A Secretária de Comércio Exterior (SECEX), recentemente, colocou à disposição do público externo o resultado de um estudo de benchmarking internacional sobre o tema. O estudo aponta que membros do G-20 de diferentes espectros de desenvolvimento se valem de desonerações a serviços no âmbito de regimes de processamento de bens para exportação: União Europeia, México, Rússia, África do Sul e Arábia Saudita oferecem exemplos. Portanto, quer pelos impactos econômicos, como apontado pela CNI, quer pela prática internacional, como apontado no estudo de benchmarking divulgado pela SECEX, a atualização dos regimes brasileiros para processamento de bens exportáveis contribuiria para a competividade.

Basicamente, haveria quatro ordens de objeções à ampliação do drawback para incorporar aquisições de serviços no rol de desonerações. Nenhuma das objeções parece decisiva. A primeira objeção está ligada à ideia de que o drawback é um “benefício fiscal” que, por ser um “benefício”, deveria ser eliminado ou limitado. Essa associação é falaciosa. A regra de ouro internacional é não exportar tributos. Por definição, o drawback simplesmente garante, de forma parcial, a neutralização de tributos que não deveriam ser cobrados. Chamar ao drawback um “benefício” é, do ponto de vista funcional, enganoso.

Segundo, pode-se aventar que a discussão perderia relevância em face de uma reforma tributária ampla, que deveria ser o objetivo principal. Todavia, o que a prática internacional demonstra é que países que tributam o valor agregado possuem regimes equivalentes ao drawback – e incluem serviços nesses regimes. Ou seja, a experiência internacional indica que a reforma tributária não elimina a importância do drawback, nem da inclusão de aquisições de serviços no regime.

Terceiro, pode-se alegar que a inclusão de serviços no drawback teria custo administrativo não desprezível. Essa objeção parece menos relevante no que se refere aos serviços diretamente vinculados (ou vinculáveis) a exportações, dos quais são exemplo transportes, movimentações, seguros, certificações específicas, certas manutenções, reparos e montagens. Esses serviços seriam os mais fortes candidatos a inclusão imediata no drawback. Além disso, os regimes de processamento para exportação existentes já requerem a adoção de elevados níveis de controle contábil, financeiro, comercial e fiscal, o que facilitaria uma adaptação à configuração expandida do drawback

É fato, por outro lado, que a complexidade da estrutura tributária brasileira torna mais custoso o controle das desonerações para que não constituam subsídios à luz das regras multilaterais de comércio. Sob esse prisma, uma reforma tributária simplificadora facilitaria a implementação e o controle de desonerações a aquisições de serviços no regime de drawback. Nesse contexto, a reforma tributária e a atualização dos regimes de processamento para exportação podem ser vistas como medidas complementares: ambas as medidas se reforçariam uma à outra no sentido de promover competitividade.     

Quarto, é possível que necessidades orçamentárias dificultem a inclusão de aquisições de serviços nos regimes para exportação – afinal, fala-se em desoneração. Esse, talvez, seja o verdadeiro obstáculo para a ação sob discussão. Contudo, obstáculos orçamentários são inerentes a qualquer política com impacto fiscal. Cabe ao debate público a discussão sobre alocação de recursos entre opções de política pública. Incluir a atualização dos regimes de processamento a exportação nesse debate é fundamental do ponto de vista da competitividade e inserção internacional do Brasil. Excluir esse tema da agenda significaria perder a oportunidade de considerar melhorar a combalida competitividade exportadora brasileira. 

*Luiz é sócio coordenador das práticas de Direito Econômico e Comércio Internacional do escritório Azevedo Sette de São Paulo. É Mestre (DEA, 2007) e Doutor (PhD, 2011) em Direito Internacional pelo Graduate Institute of International and Development Studies de Genebra. Albert Gallatin Fellow em Direito Internacional na Universidade de Michigan (2010). Luiz é Contribuinte do TradeLab.Org (desde 2014). E ex-presidente do Comitê de Trade na Câmara Espanhola de Comércio Brasil (2009-2012), assistente de ensino e pesquisa na unidade de Direito Internacional e no Centre for Trade and Economic Integration do Graduate Institute of International and Development Studies (2007-2009) e participante do programa de formação para advogados da Missão Permanente do Brasil junto à OMC, em Genebra, Suíça (2007). 

Publicado no Caderno Legislação & Tributos do jornal Valor Econômico: https://valor.globo.com/legislacao/coluna/o-drawback-na-economia-de-servicos.ghtml