Fixação honorária por equidade e as causas de alto valor


Fixação honorária por equidade e as causas de alto valor


Por Danielle Cavalcante e Stefania Masetti

A fixação de honorários advocatícios tem sido tema bastante discutido entre os operadores do direito, em especial no que relacionada à possibilidade de fixação por equidade em causas de alto valor. O Código de Processo Civil de 1973 (Lei 5.869/1973), em seu art. 20, parágrafo 4º, já indicava a possibilidade de fixação por equidade em causas de pequeno valor, valor inestimável, naquelas em que houver condenação ou for vencida a Fazenda Pública e nas execuções embargadas ou não. Já o Código vigente (“CPC” - Lei 13.105/15) indica a fixação equitativa em seu art. 85, parágrafo 8º, nos casos "em que for inestimável ou irrisório o proveito econômico ou, ainda, quando o valor da causa for muito baixo". 

Vê-se que o alto valor não foi expressamente indicado em qualquer das normas, o que, a priori, conduziu, em inúmeros julgamentos, à discussão a respeito da fixação honorária nesses casos; sendo a fixação por equidade uma regra subsidiária de exceção, e havendo valor em debate, os patamares legais (mínimo de 10 e máximo de 20% sobre o valor da condenação, do proveito econômico obtido, ou, não sendo possível mensurar este último, sobre o valor atualizado da causa - art. 85, parágrafo 2º - ou os percentuais definidos pelo art. 85, parágrafo 3º, para os casos em que parte a Fazenda Pública) deveriam ser seguidos, por disposição expressa e literal. 

Nada obstante, viu-se pelo país – e perante própria Corte Superior (“STJ”) - diversas decisões apontando a possibilidade de fixação honorária equitativa em causas de alto valor sob argumentos de enriquecimento sem causa, violação aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, sob argumento de que a regra processual não comportaria interpretação exclusivamente literal. Entrou no debate, igualmente, a definição do conceito de inestimável e seu alcance aos valores elevados. A discussão foi levada inclusive ao Supremo Tribunal Federal, por meio de Ação Declaratória de Constitucionalidade proposta pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (ADC nº. 71 – ainda pendente), em que a OAB pugna pela aplicação restrita da norma, com vedação de aplicação do art. 85, parágrafo 8º, fora das hipóteses ali indicadas de forma literal.  

Exemplos dessa divergência são julgamentos tidos pela Segunda Seção e pela Segunda Turma do STJ, que, embora quase concomitantes, concluíram em sentidos opostos.   

Em 13/02/2019 a Segunda Seção, por meio do julgamento do REsp 1.746.072/PR[1], decidiu (em julgamento não vinculativo) que a lei processual aponta, em seu art. 85, parágrafo 2º, ordem de preferência na fixação honorária – mínimo e máximo sobre valor da condenação (1º critério), proveito econômico (2º critério) e valor da causa (3º critério); a fixação por equidade (parágrafo 8º) seria possível apenas após ultrapassados tais critérios (ie, de forma subsidiária), se o proveito econômico obtido pelo vencedor fosse inestimável ou irrisório (1º critério subsidiário) ou se o valor da causa fosse muito baixo (2º critério subsidiário). Um dia antes, porém, em 12/02/2019, a Segunda Turma, no julgamento do REsp 1.789.913/DF[2], decidiu que o art. 85, parágrafo 8º se aplicava tanto às hipóteses em que a verba honorária era ínfima como excessiva; apontando a vedação ao enriquecimento sem causa ou desproporcional, a decisão defendeu que a interpretação literal não seria exclusiva; se por um lado a base de cálculo ínfima conduziria à elevação dos honorários, via fixação equitativa, o espelhamento dessa norma deveria ocorrer igualmente na outra ponta: se a base de cálculo fosse excessiva ou exorbitante, sobretudo à luz da complexidade, relevância da matéria e trabalho desenvolvido pelo advogado, a equidade deveria tomar lugar também para reduzir a verba honorária.   

Dada a sensibilidade do tema e a evidente divergência de entendimentos, ainda em 2019, a Segunda Turma do STJ decidiu submeter à Corte Especial a apreciação do REsp 1.644.077/PR, em que se discute a possibilidade de fixação de horários advocatícios por equidade, nos termos do art. 85, parágrafo 8º do CPC, no caso específico de acolhimento de exceção de pré-executividade em razão da ilegitimidade passiva do executado, figurando a Fazenda Pública como Recorrida. 

Em março de 2020 houve a afetação dos especiais 1.812.301/SC e 1.82.171/SC para que a Segunda Seção analisasse o tema da possibilidade de fixação de honorários advocatícios com fundamento em juízo de equidade, nos termos do art. 85, §§ 2º e 8º, do Código de Processo Civil de 2015. Nasceu, assim, o Tema 1046. Apontou-se ali a relevância do precedente tido no REsp 1.746.072/PR e, por outro lado, a ausência de julgamento pela sistemática repetitiva e vinculativa. Na época, anote-se, a Min. Nancy Andrighi, em questão de ordem, pontuou preocupação no sentido de que a afetação dos recursos catarinenses à Segunda Seção poderia ser inócua, tendo em vista haver reflexos também na Primeira Seção – a exemplo de julgados como o da Segunda Turma, já destacado anteriormente – e sugeriu, assim, afetação à Corte Especial. Manteve-se, porém, a afetação à Segunda Seção.     

Justamente diante de tal imbróglio, o Min. Og Fernandes, em dezembro de 2020, relatou proposta de afetação, à Corte Especial, dos especiais 1.877.883/SP e 1.850.512/SP, com a proposta de determinar o alcance da norma inserta no § 8º do artigo 85 do Código de Processo Civil nas causas em que o valor da causa ou o proveito econômico da demanda forem elevados, a consolidar o tratamento isonômico ao tema, tanto a estes públicos, como a entes privados. Eis, aí, o escopo do Tema 1076, ao qual foram submetidos também os especiais 1.906.618/SP e 1.906.623/SP.  

Nesse sentido, e no que se refere ao Tema 1076, desde o final do ano passado, a Corte Especial do STJ tinha a missão de definir o alcance da norma inserta no parágrafo 8º do artigo 85 do CPC, para as causas em que não só o valor da causa, mas também o valor envolvido (proveito econômico) da demanda fosse elevado. O julgamento finalmente ocorreu em 16/03/2022. 

A Corte Especial do STJ decidiu, por maioria de votos, que o arbitramento de honorários por equidade é regra subsidiária e excepcional, aplicável nos exatos moldes do parágrafo 8º: causas com inestimável ou irrisório proveito econômico ou valor da causa muito baixo. Entendeu-se que a lei não admite interpretação extensiva do dispositivo legal, que deve ser aplicado em sua literalidade.

O Ministro Relator, Og Fernandes, defensor da tese de veto, levou em conta ser o código de ritos fruto de densos estudos, conduzidos por renomados juristas, e membros de diversas entidades de classe, e concluiu a disposição legal está calcada na proporcionalidade e razoabilidade, de forma fundamentada, e deve ser cumprida como posta. 

Em contrapartida, seguindo-se entendimento da Min. Nancy Andrighi, houve divergência. Defendeu-se que a utilização excepcional da equidade deve ser permitida, uma vez que o CPC objetiva remunerar adequadamente os advogados pelo trabalho desenvolvido, de modo que excluir a fixação dos honorários por equidade nas causas de alto valor pode ter resultado contrário ao esperado, pois a fixação exorbitante, além do trabalho do advogado em determinada causa, também é suficiente para caracterização de remuneração inadequada: não se pode o menos, igualmente não se pode o mais. 

Verifica-se, assim, que, nada obstante a divergência de entendimentos entre os Julgadores, o objetivo de ambos foi no sentido de se manter a intenção legislativa do Código de Processo Civil: um pela interpretação literal do dispositivo, outro pela interpretação da essência do diploma legal, prevalecendo o entendimento de que a regra é clara, existe, e deve ser cumprida, sendo desejável que o valor dos honorários advocatícios em causa de valor elevado seja fixado com base no intervalo de parâmetros estipulados pela Lei , na forma dos parágrafos 2º e 3º, do art. 85, CPC.

Importante ressaltar a figura da Fazenda Pública, parte não só no Recurso Especial n.º 1.644.077/PR, como também nos recursos afetados pelo Tema 1076. Por ocasião do julgamento em análise, manifestou-se grande preocupação com causas de valor elevado quando presente a Fazenda Pública, pela possibilidade de imposição de ônus excessivos aos contribuintes. Porém, considerando que conta com regras específicas em casos de condenação em seu desfavor, entendeu-se que também deve assumir o ônus de sua sucumbência, sobretudo por existirem critérios suficientemente claros e entendidos como bastante benéficos à mesma, previstos no artigo 85, parágrafo 3º, do CPC.

Nada obstante a decisão tida pela Corte Especial ainda não seja definitiva, já se aponta como orientação de entendimentos, sendo um momento de suma importância não só para advogados e operadores do direito, mas sobretudo às pessoas, sejam elas físicas ou jurídicas, dado que torna ainda mais evidente a necessidade de se mensurar os riscos de um litígio, incluindo-se a ponderação quanto à verba honorária, que poderá ser de elevada monta. 

Isso não significa, de forma alguma, que a decisão deva desestimular a busca judicial dos direitos dos particulares, mas que a decisão de assim seguir deve ser madura e consciente, evitando-se aventuras jurídicas e ações temerárias que podem acarretar riscos futuros inesperados e de alto impacto financeiro. 

[1] REsp 1746072/PR, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, Rel. p/ Acórdão Ministro RAUL ARAÚJO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 13/02/2019, DJe 29/03/2019.
[2] REsp 1789913/DF, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 12/02/2019, DJe 11/03/2019